O PODER DA EMPATIA NA NEGOCIAÇÃO, NA VIDA E NA CARREIRA

O PODER DA EMPATIA NA NEGOCIAÇÃO, NA VIDA E NA CARREIRA

Em qualquer linha de negociação moderna, o consenso é que a empatia é fundamental para obter os melhores resultados.

Mas a empatia é muito mais que isso e pode nos ajudar muito na nossa vida e na nossa carreira.

A Crise de mísseis em Cuba

Uma crise entre os Estados Unidos e o que era, na época, a União Soviética que aconteceu em 1962, em plena Guerra Fria.

Para os mais novos, a Guerra Fria foi um período de tensão política entre a União Soviética e os Estados Unidos e seus respectivos aliados, o Bloco Oriental e o Bloco Ocidental, após a Segunda Guerra Mundial. Considera-se geralmente que o período abrange de 1947 até a dissolução da União Soviética em 1991.

Em outubro de 1962 alguns aviões espiões americanos que estavam conduzindo uma missão de reconhecimento em Cuba descobriram um local onde estavam sendo construídos silos de mísseis capazes de lançar armas nucleares. Mais tarde isso foi confirmado assim como o auxílio da União Soviética. Na época, Cuba e a União Soviética eram aliados inimigos do bloco liderado pelos Estados Unidos.

A existência desses silos em Cuba já era esperada pelos Estados Unidos, mas tinham 2 características desses silos em particular que preocupavam muito:

  1. Eles seriam capazes de lançar mísseis que alcançariam o território americano
  2. Os mísseis teriam capacidade de transportar armas nucleares

Foi nessa crise, com a escalada do conflito, que o mundo chegou mais próximo de uma guerra nuclear do que em qualquer outro momento na história.

Na época, o Presidente dos Estados Unidos era John F. Kennedy e, imediatamente, ele montou um comitê de crise. Esse comitê chegou a 2 possibilidades:

  1. A chamada opção Agressiva: que envolvia ataques aéreos para destruir os silos em Cuba, seguido de uma invasão por terra
  2. A segunda possibilidade foi chamada de opção Gradual: que envolvia impor um bloqueio para impedir a entrega de equipamentos militares adicionais a Cuba, seguido de diplomacia e a formação de uma coalisão na América do Sul e nas Nações Unidas. Nessa opção, os ataques militares seriam o último recurso.

No início das discussões do comitê, praticamente todos os membros apoiavam a opção Agressiva. Na época, o irmão mais novo do Presidente, Robert Kennedy, era o procurador-geral do país e integrava o comitê da Crise dos Mísseis em Cuba.

Apesar da maioria ser a favor da opção Agressiva, Robert era contra. Ele acreditava que essa opção limitaria muito as possibilidades de ambos os lados. Além disso, ele sabia que havia um forte argumento moral contra uma superpotência atacar um país menor unilateral e preventivamente. Robert era um exímio negociador e nos dias seguintes ele conseguiu persuadir os demais membros do comitê que a opção Gradual seria melhor.

Olhando hoje para a situação, ainda bem que essa foi a decisão tomada. Hoje se conhecem fatos que estavam acontecendo na união Soviética e em Cuba e que não eram conhecidos pelos Estados Unidos na época. De posse desses fatos, é certo que a opção Agressiva teria sido desastrosa tanto para os Estados Unidos quanto para o mundo. Muitas das premissas que o comitê estava usando estavam simplesmente erradas.

Quando você analisa qualquer situação unicamente sob o seu ponto de vista, a chance é muito grande de você cometer erros graves, que terão consequências desastrosas, seja para sua negociação ou para sua vida e sua carreira.

E as premissas do comitê que hoje sabemos que estavam erradas eram as seguintes:

  1. O comitê presumia que havia cerca de 10 mil tropas soviéticas em Cuba, quando, na verdade, havia mais de 40 mil.
  2. Além disso, o comitê acreditava que apesar de haver silos de mísseis em Cuba, as ogivas nucleares não haviam sido entregues ainda. Na verdade, as ogivas já estavam em Cuba e havia também uma série de outras armas que os Estados Unidos nem desconfiavam.
  3. Por fim, o comitê tinha certeza absoluta de que nenhuma arma nuclear soviética poderia ser lançada sem a autorização explícita do premiê soviético, Nikita Kruschev. Na verdade, os comandantes soviéticos em Cuba tinham autorização para usar as armas como bem entendessem e o líder cubano Fidel Castro já havia decidido que eles usariam as armas em caso de uma invasão.

Considerando todas essas premissas equivocadas, é certo que se os Estados Unidos tivessem atacado Cuba, teriam iniciado a 3ª Guerra Mundial, que seria nuclear e com consequências imprevisíveis.

Optar pela agressividade ao invés do diálogo sempre vai trazer consequências sérias. Pode ser que você até resolva o problema, mas as consequências de médio e longo são sempre graves.

A opção então foi a estratégia gradual e os Estados Unidos colocaram Cuba sob um bloqueio naval, chamado de “quarentena” na época. O problema foi que isso gerou uma tensão crescente no grupo de aliados com receio de uma guerra nuclear e então, os Estados Unidos começaram a pressionar a União Soviética para negociar um fim à crise.

O objetivo dos americanos era que a União Soviética desmontasse os silos e removessem os misseis de Cuba. Mas como convencer eles a fazer isso se eles já tinham demonstrado disposição de correr riscos gravíssimos em busca de vantagens militares?

Uma negociação extremamente complicada e o que fez a diferença foi a habilidade do Presidente JFK em usar a empatia, ou seja, escutar o outro lado. JFK queria descobrir exatamente por que União Soviética sentia a necessidade de transferir armas nucleares para Cuba, mesmo sob o risco de começar uma guerra. Isso era, no mínimo, intrigante.

Ele então passou a considerar a perspectiva soviética e descobriu algumas coisas:

  1. Os Estados Unidos possuíam uma base de mísseis nucleares posicionados na Turquia, bem próximos a União Soviética e tão ameaçadores para eles quanto os mísseis em Cuba para os americanos;
  2. O número de mísseis, bombardeiros e ogivas dos Estados Unidos era significativamente maior que o dos soviéticos. Além disso, o arsenal americano era mais avançado tecnologicamente;
  3. O maior problema do arsenal soviético era a escassez de mísseis capazes de atingir os Estados Unidos em caso de guerra. Os soviéticos sabiam que poderiam superar esse problema em alguns anos, mas acreditavam que, enquanto isso, a opção era colocar os mísseis de curto alcance que eles tinham próximos aos Estados Unidos. Isso, para eles, era uma necessidade urgente

A conclusão do Presidente foi que a situação vista sob o ponto de vista soviético era que eles estavam em desvantagem em relação aos Estados Unidos e que se os americanos decidissem atacá-los militarmente, eles não teriam qualquer possibilidade de defesa. Eles estavam se sentindo completamente impotentes e, por isso, tinham que fazer alguma coisa.

Além desses 3 pontos colocados acima, existia ainda um 4º que afetava Cuba:

4.   A CIA vinha sistematicamente conduzindo planos para derrubar ou assassinar Fidel Castro e isso estava deixando tanto os cubanos quanto os soviéticos bastante irritados.

E foi entender essa perspectiva que ajudou a encerrar a crise.

É claro que a negociação não foi simples, mas foi possível chegar a um acordo que evitou o que seria a 3ª guerra mundial.

Seguem abaixo os principais termos fechados nessa negociação:

1.   A União Soviética concordou em remover os silos de mísseis sob monitoramento da ONU, o que ocorreu no mês seguinte

2.   Em troca, os Estados Unidos encerraram a quarentena e fizeram 2 promessas:

a.   Não invadir Cuba

b.   Desmontar os mísseis baseados na Turquia e na Itália, que os soviéticos consideravam ameaçadores.

Temendo que a segunda promessa fizesse o país parecer fraco, os americanos exigiram que a remoção dos mísseis fosse um elemento secreto do acordo. Em outras palavras, os soviéticos conseguiriam o que queriam, mas não poderiam declarar vitória.

Dada a iminência de um confronto nuclear, os soviéticos concordaram com a condição e o acordo foi cumprido.

Mas, afinal, o que é empatia?

Esse caso é muito interessante. O impacto de uma guerra nuclear era iminente e isso causaria consequências inimagináveis para a humanidade e isso foi evitado através de uma negociação bem-sucedida. Percebem o poder da negociação?

Indo mais a fundo, a negociação foi bem-sucedida devido a capacidade e disposição do presidente JFK em considerar o ponto de vista do outro lado. Isso é empatia.

Agora, vamos entender melhor esse conceito.

Empatia é a capacidade de reconhecer a perspectiva de um interlocutor. É entender os sentimentos e a mentalidade do outro no momento e também captar o que está por trás desses sentimentos.

Vale ressaltar que ter empatia não é ser simpático ou concordar com o que o outro lado está fazendo ou dizendo. É entender o outro. Tem um abismo de diferença entre essas duas coisas.

Entender que as atitudes dele fazem sentido para ele, pensando do jeito que ele está pensando, por mais errado e irracional que pareça para você é empatia. É entender por que o outro está fazendo o que ele está fazendo.

Você tem que entender por que as ações dele fazem sentido para ele e o que está motivando. Você pode discordar completamente e até saber que você tomaria uma atitude completamente diferente nas mesmas circunstâncias, mas a questão não é sobre você. Não é sobre o que você faria ou como você reagiria. A questão é o outro.

Benefício da Empatia

A empatia aumenta nossa probabilidade de atingir nossos resultados.

No caso dos mísseis de Cuba, por exemplo, se o Presidente JFK não tivesse entendido que os soviéticos tinham motivos legítimos para se sentirem ameaçados pelos mísseis americanos na Turquia e na Itália, a remoção desses misseis nunca teria sido sequer considerada e esse foi um ponto fundamental para o acordo que evitou a guerra.

 Isso mostra que a empatia cria mais opções para você. Quando você entende o que é valor para o outro, surge uma infinidade de novas alternativas através das quais você consegue fazer concessões que atendam o que o outro valoriza, mas que são de baixo custo para você.

Mais que isso, você consegue obter mais valor para você entendendo pontos que o outro não valoriza tanto, mas que são cruciais para você.

Em todos os tipos de negociação, quanto maior a sua capacidade de empatia, quanto mais cuidado você tomar para entender motivações, interesses e limitações da outra parte, mais alternativas você tende a ter para resolver a disputa ou impasse.

Não existe possibilidade de obter o verdadeiro Ganha-Ganha sem empatia.

Mas a gente precisa mudar a mentalidade.

Nossa tendência é rotular as pessoas de acordo com nosso ponto de vista, com nossas crenças e isso limita nossas opções na negociação e na resolução de conflitos.

Por exemplo, se o chefe nega um pedido de aumento de salário, o funcionário tende a rotular o chefe como frio e sem coração.

Quando nosso cliente faz exigências agressivas é visto como ganancioso.

Com isso eu não quero dizer que precisamos concordar com essas exigências ou com o fato de não recebermos o aumento de salário. Não é nada disso, muito pelo contrário.

Entender as razões pelas quais as pessoas discordam do que queremos ou achamos óbvio nos proporciona a oportunidade de identificar outras alternativas e, com isso, conseguir o que queremos.

A empatia não garante o sucesso da negociação, mas a falta de empatia quase sempre garante o fracasso.

Agora, é fácil falar em empatia quando temos apreço pelo outro lado. Entender o que a pessoa está pensando chega a ser um prazer. E, nesse caso, apesar de necessária, a empatia não vai te trazer tantos benefícios.

O maior ganho para você com a empatia é justamente quando estamos lidando com pessoas difíceis, inflexíveis, que consideramos irracionais.

No livro "A Arte da Guerra", de Sun Tzu ele escreve o seguinte:

“Se você não conhece nem o inimigo nem a si mesmo, perderá todas as lutas. Se você se conhece, mas não ao inimigo, para cada vitória sofrerá uma derrota. Se você conhece o inimigo e a si mesmo, não tema o resultado de cem batalhas.”

Se, ao invés de rotularmos essas pessoas, buscarmos entender o que leva elas a fazer o que estão fazendo, encontraremos as alternativas que precisamos para resolver o conflito e chegar a um acordo na negociação.

E, para fechar esse artigo, eu deixo uma citação de Robert Kennedy, o irmão do presidente JFK e procurador-geral dos Estados Unidos na época, feita logo após fechado o acordo dos mísseis de Cuba:

“A última lição da Crise dos Mísseis de Cuba é a importância de nos colocarmos no lugar do outro país. Durante a crise, o presidente Kennedy passou mais tempo tentando determinar o efeito que um determinado plano de ação teria em Kruschev ou nos russos do que em qualquer outra fase do que ele estava fazendo. Suas deliberações foram orientadas por um esforço de não fazer com que Kruschev caísse em desgraça e não humilhar a União Soviética.”

Pode até parecer contraintuitivo. Kruschev era o inimigo de JFK. Pensando assim, ele deveria querer que ele caísse em desgraça, mas isso não ajudava ele a fechar um acordo que evitaria uma guerra de consequências inimagináveis.

Então, quando JFK considerou a situação com empatia, ele estava buscando (e conseguiu) o melhor acordo para ele mesmo.

Referência bibliográfica: "Negotiating the Impossible", de Deepak Malhotra

Caroline Fragoas

Advogada Contratual & Consensual | Facilitadora de Negociação | Mediadora Judicial e Extrajudicial | Expert em Negociação 🤝 | Proteção de Dados | DPO | Gerenciamento de Crises | Networker

1 a

Muito bom como através de um contexto histórico torna-se fácil compreender a questão da empatia nas negociações.

Gabriel Gonçalves

Gerente de Projetos | Master Scrum | Agile Coach

3 a

Alexandre Cury, excelente artigo. Me ajudou a ver a negociação por outro olhar, você trouxe um contexto histórico para demonstrar na prática o que é empatia, mas você nos trouxe muito mais que isso. Mostrou como devemos utilizar nossa inteligência emocional para entender o contexto do conflito e somente depois de conhecer de forma aderente devemos desenvolver nossas táticas para resolução do conflito e ganha a ganha. Parabéns pelo artigo 👏👏👏

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