APÓS 41 ANOS AS SEQUELAS DO AUTORITARISMO SUL-AMERICANO REAPARECEM EM DISPUTA DE PODER ENTRE CHINA E ESTADOS UNIDOS POR BASE MILITAR NA AMÉRICA DO SUL
O PASSADO
Uma das maneiras de se manter o apoio popular interno na teoria política clássica é fomentar um inimigo externo, entretanto, com o advento da criação da Organização das Nações Unidas aliada a um arcabouço legal internacional que avançou a integração econômica e cultural dos países tal método perdeu força e hoje, a depender da sociedade em qual tal manobra acontece pode ser considerado um fator negativo na política interna.
Em 1982 a junta militar argentina em uma tentativa de manter seu apoio popular por meio da união nacional contra um inimigo externo requentou disputa territorial antiga contra o Reino Unido no atlântico sul pelo controle das ilhas Malvinas/ Falklands.
A junta militar argentina aproveitou-se do momento de fragilização do então império britânico que vinha sofrendo nas últimas décadas com a descolonização e desmonte de seu aparato militar em detrimento do mecanismo de defesa coletivo da OTAN na Europa e reformas econômicas neoliberais.
Contando com a valiosa vantagem estratégica do terreno, aliado a suposição de que não haveria resistência britânica - devido ao fato de este estar localizado em uma área distante das concentrações das forças militares do Reino Unido a junta militar argentina decidiu por proceder com uma invasão surpresa nas ilhas do atlântico sul.
Por mais que as forças militares britânicas estivessem em um período de diminuição, mensagem a ser passada em caso de derrota do império colonial, perder mais uma possessão para um país estrangeiro poderia representar um sinal de fraqueza para suas outras colônias.
A resposta do Reino Unido foi a maior mobilização militar desde a segunda guerra mundial, contando com apoio estratégico dos Estados Unidos da América e o adiamento de aposentadoria de equipamentos militares caríssimos e dispendiosos os quais tiveram um papel fundamental no conflito como o porta-aviões HMS Hermes e a “Força-v” (Bombardeiros nucleares Valiant, Victor e Vulcan).
Em contraste à mobilização britânica, a invasão argentina foi marcada pela falta de coesão e diversos erros estratégicos os quais mudaram o “status-quo” da guerra artificial em apenas seis semanas.
O Resultado dessa aventura autoritária foi a capitulação da Argentina, perda de quase mil pessoas em uma conta resultante em 2,5 vidas argentinas por cada vida britânica bem como o embargo de armas imposto pelo Reino Unido junto aos países produtores de armas da OTAN.
Como consequência final o resultado desastroso para o lado Argentino contribuiu de maneira significativa para a queda daquela ditadura militar em 1983 e, o posterior efeito dominó das quedas dos regimes militares autoritários na américa do sul até o fim da década.
O EMBARGO
Na esteira do embargo de armas imposto pela OTAN, a Argentina tentou desenvolver armamentos próprios como o carro de combate TAM – Tanque Argentino Mediano, o jato de treinamento e ataque leve IAI Pampa os quais foram incorporados às forças militares.
Tais armas foram importantes para o desenvolvimento do país sul-americano durante a década de 90, entretanto, não foram suficientes para desenvolver a indústria local de maneira a atender os requisitos de equipamentos de alto valor tecnológico agregado como por exemplo a fabricação de aeronaves e munições de defesa aérea capazes de suprir as necessidades militares do país face à obsolescência eminente dos caças Mirage III adquiridos da França na década de 70.
Aliado à ciclos de crises econômicas o poderio militar argentino a busca por equipamentos da OTAN foi dificultada e muitas vezes embargada pelo reino unido em mais de uma oportunidade, Foram negadas as tentativas de compra dos Mirage F-1 da Espanha, KAI F/A-50 da Coréia do Sul e mesmo os General Dynamics/Lockheed-Martin F-16 dos Estados Unidos, situação a qual permanece até hoje.
A ATUAL TENTATIVA DE AQUISIÇÃO DE CAÇAS
A guerra travada entre Rússia e Ucrânia disparou uma corrida armamentista no mundo e, as forças armadas argentinas enfraquecidas pelo embargo imposto nos anos 80 hoje encontram-se em situação de total desmonte e, por consequência severa desvantagem em relação aos seus vizinhos que representam maior rivalidade militar como Chile e Brasil.
Desde 2015 a Força aérea argentina não conta com aeronaves capazes de defender o espaço aéreo após a desativação dos já à época obsoletos Mirage III.
Atualmente face às negativas do “ocidente” em fornecer equipamentos ao país
portenho, a Força aérea argentina encontra-se em processo de aquisição de 12 novos caças dos quais fazem parte da concorrência vetores com baixa dependência de tecnologia ocidental sendo estes o caça indiano HAL Tejas, o caça russo Mikoyan-Gurevich MiG-35, o caça sino-paquistanês Chengdu JF-17/FC-1 Thunder. Também está na disputa o caça americano General Dynamics/Lockheed-Martin F-16 entretanto, este último é considerado pelos analistas uma possibilidade remota face o histórico do embargo imposto.
DISPUTA EUA X CHINA
Especialistas militares acreditam que essa situação de 20 anos tentando reequipar o vetor de defesa aéreo argentino esteja próximo do fim por meio da provável escolha do modelo chinês Chengdu JF-17/FC-1 Thunder.
Ao manifestar interesse em caças chineses, a Argentina entrou na alça de mira da disputa de poder global travada por EUA e China.
Por mais que haja negativa pública, mas não oficial do presidente da
Argentina, Alberto Fernandéz como pano de fundo a situação econômica e, o sentimento ainda muito negativo em relação aos militares naquele país a posição de desvantagem militar argentina encontra-se em níveis perigosos, mesmo em um cenário de paz no cone sul. Tal declaração pode ser interpretada como um sinal de estar aberto à cooperação militar para receber tais equipamentos à titulo de doação.
A disputa em questão da indícios de que pode escalar para não ser apenas sobre aeronaves e sim sobre o interesse chinês em implementar uma base naval em Ushuaia, próximo à Antártida assegurando um ponto estratégico militar chines em sua política expansionista militar global a qual trás consigo suntuosos investimentos econômicos como parte da iniciativa “belt-and-road”.
Vislumbra-se que tal instalação militar chinesa possua os potenciais funções:
1) Servir como complemento dissuasório (as Ilhas artificiais Spratly possuem instalações militares chinesas) à iniciativas estadunidenses em um possível conflito sino-estadunidense em realizar bloqueio naval no estreito de Malaca (Indonésia), no Mar do Sul da China (por onde passam 80% das importações de petróleo chinesas), possível ação apoiada por bases americanas no pacífico como Diego Garcia (Território Britânico do Oceano Índico), Andersen (Território de Guam), Subic (Filipinas) e Kadena (Japão) utilizando-se da possibilidade de negação de acesso ao estreito de Magalhães por forças chinesas estacionadas na região ao negar acesso ao trânsito de porta-aviões da marinha estadunidense na área face à dificuldades de utilização do canal do Panamá por tais embarcações, dividindo estrategicamente as duas costas dos Estados Unidos.
2) Dar suporte à China para uma possível reivindicação territorial na Antártida quando do encerramento do tratado da Antártida em 2041.
3) Servir como central de inteligência para interceptação de comunicações militares, em especial a satélites em órbita polar.
O PAPEL DO BRASIL
Historicamente o Brasil ocupa um papel de liderança na região e sempre se
opõe a instalações militares estrangeiras no continente, como foi o caso com a
Venezuela quando esta iniciou conversas para a implantação de instalações
russas em meados da década de 2000.
Por mais que existam operações militares estadunidenses na região estas não
possuem projeção e tamanho similares as bases na Europa, Ásia e África,
restringindo-se à acordo de cooperação vigente entre Colômbia e EUA para o
monitoramento do espaço aéreo colombiano com aeronaves americanas a
partir de bases colombianas no âmbito do então Plano Colômbia, substituído
em 2016 pelo Plano Paz Colômbia o qual prevê a gradual desmobilização
militar americana na região.
O maior símbolo do poderio militar estadunidense em solo sul americano foi a
Base aérea de Manta, no equador, ocupação esta que foi encerrada em meados
da década de 2010 por iniciativa equatoriana na esteira dos vazamentos de
espionagem de chefes de estado pelos Estados Unidos.
Ainda que a potencial aquisição de equipamentos militares chineses pela
argentina possa trazer consigo a instalação de uma base no continente, os EUA
trabalham para mitigar tal risco ao tentar retirar o embargo de armas à
Recomendados pelo LinkedIn
Argentina.
Os sinais indicam que a China não pretende desistir da ideia de instalar em solo
sul americano e oferecem à Argentina não somente equipamentos militares,
bem como ampliação dos laços comerciais e promessas de investimento no
país com o objetivo de assegurar a defesa de seu interesse na geopolítica
internacional. Em contraste, os estadunidenses não manifestaram qualquer
movimento em ampliar as relações com a Argentina para além da aquisição de
equipamentos militares, entretanto, tal situação pode escalar para algo semelhante ao ocorrido no Brasil durante a década de 40 quando tanto o eixo
quando os aliados ofereceram ao Brasil diferentes vantagens econômicas e
tecnológicas para se afiliar a algum dos lados do conflito.
O Brasil ainda não possui nenhuma manifestação sobre o assunto e, é natural
que não intervenha às claras, entretanto, a administração atual vem dando
sinais de que pretende ampliar as relações Brasil-Argentina por meio do
reforço da integração regional.
A segurança do continente depende da boa vontade de todos os países em não
se comprometerem com operações militares de potências estrangeiras no
continente bem como a ampliação da cooperação militar para reforço da
segurança da região, o que ainda não aconteceu.
Já foi vislumbrado no passado a integração das forças sul-americanas por meio
do fortalecimento da cooperação econômica, tecnológica e militar objetivando
fortalecer a confiança mútua na região, mas tais iniciativas vêm sofrendo
desaceleração desde meados da década de 2010 na esteira do crescimento do
ultranacionalismo na região.
É improvável que se concretize a possibilidade de instalação de uma base
militar chinesa em território Argentino, entretanto tal possibilidade existe e,
para mitigar tal situação é necessário pensar sob uma ótica realista (em um
cenário de desenho de uma nova “guerra fria” em um mundo “pós-ocidental”
que caminha de uma configuração militar multipolar para uma configuração
militar de ordem bipolar) é imperativo que o continente se mantenha unido
para resistir às investidas de potências militares de projeção global afim de
garantir a segurança na região.
Tal imperativo passa pelo estabelecimento de uma nova agenda de integração
regional reformada para um mundo de economia dinâmica e integração global
capaz de superar tanto o medo quanto a desconfiança mútua entre os
países ao tempo que respeite a soberania de cada Estado.
Condição para tal situação é a negação de arroubos autoritários similares
ocorridos no continente entre os anos 60 e 80 pela instituição de ditaduras
militares, estas que, nos traem até aqui ao terem propiciado tal cenário. Tal
possibilidade se faz presente ainda em 2023 e apresenta ameaça representadas
na figura de setores ultranacionalistas com aspirações militaristas em especial
na Venezuela e Brasil.
LEITURAS RECOMENDADAS
HASHTAGS
PhD Candidate in Law at KCL I Assistant Professor (Lecturer) at JGLS I Researcher at King’s Brazil Institute, 'Constitutions Project' and Crisp, UFMG I Columnist at Jota and Interesse Nacional
1 aAchei! hehe Ótimos pontos, Yuri! Parabéns pela publicação! Abraços!