O professor que você é tornou-se diretor
Não raro, deparo-me com esse dilema interior: como cheguei a trocar aquela sala vibrante, cheia de histórias e olhares desafiadores, por essa agora, tão menor, com uma pequena mesa, computador e duas cadeiras para receber convidados? Nasci professor. Tudo que eu conseguia aprender melhor era porque pensava que estava aprendendo para ensinar meus colegas. Não conhecia das ciências da educação, mas já me forjava como educador. E daí, em diante, muitas experiências docentes depois, muitas histórias ouvidas e contadas, chegou o dia de sair daquela sala multicolorida para sentar na sala da liderança. Não foi acaso, nem foi coincidência. Foi uma confluência de fatores internos e externos que me colocaram nesse lugar, já fez bem uns 15 anos.
Ainda muito pouco aprendi e, se olho agora, nesse exato momento em que mudanças vêm aceleradas, de todas as frentes da sociedade, é que sinto o quanto falta a aprender para ser um bom diretor. Compartilho com vocês algumas aprendizagens, mais no sentido de formar uma rede tecida pelos mesmos desafios, do que para ensinar algo:
1. Se somos professores, queremos promover aprendizagem. Está em nosso DNA a ação de ensinar. Aqui moram perigos e oportunidades. Um perigo é se tornar um diretor que infantiliza seus professores, o tempo todo ensinando, dizendo-lhes o quê e como fazer. Uma oportunidade é aproveitar esse talento e liderar momentos significativos de aprendizado em grupo, com os professores. Não precisa ser o diretor, o mediador principal. Mas sua sensibilidade de que todos precisamos aprender um pouco mais é decisiva, até para chamar um convidado e propor algum debate educacional contemporâneo.
2. A direção é uma posição de liderança entre adultos. Acostumados que somos em encontrar adolescentes e jovens nas salas de aula, nem sempre nos damos conta de que a liderança do diretor é completamente diferente daquela do professor. E isso é uma via de mão dupla. Adulto é o diretor, como adultos são os professores. Não se pode esperar de um diretor que promova afagos de egos. Isso não seria propriamente liderança. Nem se pode esperar de um professor que ele esteja, o tempo todo, em posição acrítica ao que propõe o diretor. É preciso conversar. E, ainda mais do que isso, é preciso promover espaços de conversa, para escutas significativas e encaminhamentos produtivos.
3. A figura simbólica do diretor é para onde convergem as controvérsias da escola. Faz parte de uma dinâmica de poder, já amplamente estudada por Focault e companhia. Desta forma, o diretor precisa estar seguro do rumo que está dando ao processo educacional naquela escola, pois todos os atores escolares o terão como alvo dos descaminhos e incidentes no percurso. Aqui também é importante pertencer a uma rede de apoio, de pares, com quem se pode distensionar as angústias e encontrar novas soluções. A direção de uma escola é uma função relativamente solitária e esse é um dos mais pesados de seus ônus.
4. É preciso escutar muito, à exaustão. Em geral, e falo pela minha experiência pessoal de ter trabalhado e trabalhar em colégios confessionais, há muitas camadas de cultura, heranças boas e ruins, que vão se cristalizando nos processos e nas pessoas. Passar o trator, de modo insensível, beira ao desumano. Mas seguir com os processos cristalizados também não é a saída. A liderança autêntica exigirá tomadas de decisões, tanto em relação a processos como a pessoas, e isso dói. Mas pode ser feito mediante um amplo processo de escuta a professores, técnicos, alunos, apoio, famílias. Escutar é uma arte e é um perigo, porque há falas que são venenosas. E é por isso que você é o diretor. Para escutar sem se deixar envenenar.
5. A sala de aula do diretor é a escola. É precisa andar, ser itinerante. Não se intimidar diante dos que se imaginam donos de certos espaços ou processos. Circular pela escola, abordar o professor, saber da vida, da família, das agruras da vida, chamar pelo nome. Circular entre as salas de aula, entrar em alguma, vez ou outra. Assistir uma aula, porque não? Buscar os alunos nos intervalos, na entrada, na saída. A sala do diretor é tentadora e o confinamento a trabalhos gerenciais, burocráticos pode ser prejudicial. Não se pode deixar isso de lado. Mas não se vive saudavelmente sem aquilo.
6. Finalmente, entre tantas outras coisas, imagino-me um diretor que precisa estar atento a mudanças, às transformações. A sociedade já nos impõe isso. Escolas não serão redomas protetoras ou protegidas dessa avalanche de possibilidades que as soluções contemporâneas nos oferecem. O discernimento deve ser crítico. Tomar decisões de modo solitário também não é uma boa estratégia, mas é preciso, como líder, convencer, persuadir seu time de que estamos em um novo tempo e que, mesmo com os pés fincados lá na sala de aula, precisaremos alçar voos que nos façam ver para além do que sempre tivemos acostumados. Esse, provavelmente, é nosso maior desafio.
Penso que cada qual terá outros inúmeros itens a acrescentar a essa lista, pela riqueza de pessoas e inteligências que vejo por aí, dirigindo escolas. Aqui está uma provocação. Acrescente à minha lista o que achar que é um desafio para você.
Por fim, falo na condição de professor, esse que nunca deixei de ser, embora as circunstâncias tenham me oportunizado outros lugares: os professores são imprescindíveis em qualquer cenário de mudança da educação que visualizamos. O valor de vocês, nos cenários que enxergo, não está colocado em questão. Assumam essa tarefa de modo aberto e se permitam ter o diretor como um companheiro de jornada. Todos queremos o melhor para a educação.