O que é melhor: um acordo ruim ou nenhum acordo?

O que é melhor: um acordo ruim ou nenhum acordo?

Você já saiu da mesa de negociação com aquele sentimento de que a negociação não rendeu tudo o que poderia? Ou que o outro lado se saiu melhor? Ou ainda que em dúvida se o que você conseguiu era realmente tão bom?

E pode ser pior se, depois de algumas semanas, essa sensação mostrar que teria sido melhor sair da mesa sem nenhum acordo do que fechar o acordo que você fechou.

Mas, entre fechar nenhum acordo ou fechar um acordo ruim, será que não é melhor o ruim?

O Meio-Termo

Não tem jeito. Não dá para falar em acordo ruim sem falar de meio-termo.

A questão é que o conceito de meio-termo está enraizado na cultura de quem negocia como se fosse um bom acordo. É aquilo: nem para mim, nem para você, assim fica bom para os dois. Eu já ouvi essa frase milhares de vezes.

Então, vamos analisar o meio termo. Para fazer isso, vou dar um exemplo.

O marido vai sair para jantar com a esposa. Ela acha que meias azuis combinam melhor com a calça, mas ele discorda. Ele acha que meias brancas são melhores.

O que fazer então? Os 2 cedem um pouco, então, e adivinha?

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Esse foi o melhor resultado possível?

Claro que não. Na verdade, foi o pior. Qualquer outro resultado, que seria usar meias brancas ou usar meias azuis seria melhor que esse.

Eu costumo dizer que o meio-termo é a negociação de feira. Quanto custa a dúzia de banana? 10 reais. Eu pago 5. Não faço por menos que 8. E eu não pago mais que 7. Que tal fecharmos por 7,50 e fica bom para todo mundo?

Você não quer levar esse tipo de negociação para o seu dia a dia, mas é isso que muita gente faz o tempo todo. E o meio-termo parece a melhor decisão em virtude das circunstâncias. Apenas parece.

O meio-termo é um acordo ruim e é melhor não fazer nenhum acordo que um acordo ruim.

A mentalidade que te faz ser enganado

Mas o meio-termo não é buscar ganhos mútuos?

Na verdade, não. Uma opção em que os dois lados perdem é exatamente o oposto dos ganhos mútuos. Ganhos mútuos não tem nada a ver com os dois lados ganharem igual. Ganhos mútuos tem a ver com identificar o que é valor para a outra pessoa e proporcionar o benefício desde que o seu custo seja baixo para fazer isso e o seu ganho enorme. Você não pode entrar na negociação aceitando perder.

Essa mentalidade é que te faz ser enganado. Você vai enfrentar negociadores muito sagazes e bem treinados do outro lado. No momento em que esse negociador perceber que você acha que o meio-termo é uma boa saída, ele vai te enganar. Ele vai te induzir a achar que ele está conduzindo uma negociação ganha-ganha para, na verdade, arrancar tudo o que ele pode de você. Ele ganha e você perde.

Uma forma muito comum de vermos isso na prática é na negociação da compra de um carro. O vendedor vem com um preço de tabela que costuma ser altíssimo e não é real. Isso serve apenas para que, durante a negociação, ele baixe o preço para um valor onde o lucro dele ainda é muito alto, mas você fique feliz porque conseguiu 20% de redução em relação ao preço de tabela, que, na verdade, nunca existiu.

Por isso, temos que conduzir nossas negociações através de um processo mais racional. E é claro que precisamos manter uma abordagem cooperativa, de construção de entendimento, empática, do tipo que cria uma dinâmica capaz de aceitar acordos. Isso é fundamental, mas sem ingenuidade.

Viés de Ancoragem

Seguindo esse raciocínio, devemos então entrar na negociação já no nosso limite? De jeito nenhum. Isso também é ingenuidade. Se fizermos isso, vamos sair com menos do que o mínimo necessário.

Na história do carro, eu nunca disse que o vendedor do carro estava errado. Na verdade, ele está certo em estabelecer o preço alto para fechar um pouco mais baixo, mas ainda com alta rentabilidade. Isso funciona bem para ele. Quem está errado é quem compra achando que o meio-termo foi um bom negócio e o negócio na verdade foi bom só para o vendedor. Ele deveria ter se preparado melhor para saber qual o valor que o carro que ele quer comprar realmente vale. Só assim ele consegue fazer um bom negócio.

O que o vendedor fez se chama na negociação de viés de ancoragem, apenas ancoragem ou ainda âncora extrema, dependendo do autor. Existem estudos que mostram que o valor inicial da proposta em uma negociação se torna uma referência durante todo o processo. Em qualquer momento da negociação, aquele valor inicial é a referência que os negociadores usam para saber se o preço subiu ou baixou muito ou não.

E isso é uma técnica perfeitamente lícita e que eu recomendo. Se o seu interlocutor usa o viés de ancoragem, como no caso do vendedor da concessionária, você tem que estar preparado para isso.

Se você não estiver preparado, vai perder a sua referência e ir direto para o seu limite. É da natureza humana. Conhecer esse processo faz toda a diferença porque você vai reconhecer a ancoragem e não vai cair na armadilha. Você mantém a sua estratégia inicial, da forma como você tinha previsto. Na prática, o que você deve fazer caso receber uma âncora extrema é induzir o outro lado a fazer novas propostas sem que você apresente qualquer proposta.

Imagine que você vai comprar um apartamento. Você fez sua lição de casa e sabe exatamente o valor de um apartamento igual ao que você quer. Quando a negociação se inicia, o corretor joga uma âncora extrema. Mas você está preparado.

Ao invés de fazer uma contraproposta, o ideal é você induzir o corretor a revisar a proposta dele algumas vezes até chegar a um preço que você considera razoável para começar a negociação. Quando ele propuser a âncora extrema, você pode responder, por exemplo “Esse preço me parece mais alto que outros apartamentos na região. O que te leva a imaginar que eu pagaria tão mais caro?”

Só com essa pergunta ele já deve revisar a proposta para baixo. Quando ele fizer isso, você pode dizer: “Olha. Eu quero muito o apartamento, mas não estou disposto a pagar um preço que não é justo. Apesar de ter gostado desse apartamento, ele não é o único a disposição e eu consigo preços mais competitivos. Se essa for sua melhor oferta, melhor já não perdermos mais tempo e eu vou buscar outras alternativas. Como você prefere proceder nesse caso?”

Se ele ainda estiver ancorando o preço, você deve receber uma nova proposta. Percebe que você consegue induzir o outro lado a melhorar a proposta sem ter que você fazer uma contraproposta?

Quando, de fato, você receber uma proposta razoável, aí sim, está na hora de você fazer a sua contraproposta.

Agora, e se você estiver do outro lado e você for usar a ancoragem?

Nesse caso, existem alguns cuidados que você precisa tomar.

Se você começar com um preço alto e depois começar a baixar sem nenhuma razão sustentável, o que acontece é que você perde a credibilidade na negociação e isso é muito ruim. Se a outra pessoa perceber que você jogou um valor alto só para ver aonde chegava, ela não vai mais confiar em nenhuma proposta que você fizer e vai te pressionar até ter certeza que você chegou ao seu limite absoluto. E com isso, você perde qualquer chance de ganho potencial.

Então, use o viés de ancoragem, mas como o próprio nome diz, ancore muito bem as variações de preço nas suas propostas, de modo que você consiga justificar de forma racional porque saiu de um valor A para um valor B. Assim você mantém sua credibilidade.

Concessão sem ganhos

E existe mais um cuidado que você tem que ter em relação as suas mudanças de proposta. Não existe razão para você piorar a sua proposta se você não estiver ganhando nada em troca. Você não deve fazer concessões sem ganhar nada em troca.

Sempre que fizer uma concessão, analise o que você está recebendo e veja se faz sentido. Se o custo-benefício é melhor para você.

Vamos imaginar que você tem uma variação de custo e precisa repassar para o cliente. Você consegue justificar racionalmente um aumento de 5%, mas você já buscou algumas otimizações que fazem com que 3% já seja um bom resultado na negociação. Nesse cenário você decide ir com 5% como seu viés de ancoragem. Durante a negociação, seu cliente diz que a situação está difícil e que não pode pagar os 5%.

O que você faz, a seguir, pode definir o resultado da negociação. Vamos imaginar que você decide baixar então para 4% para ajudar o seu cliente. Fazendo isso, você criou um problema para você mesmo porque ao baixar o pleito sem receber nada em troca, o seu interlocutor entende que você não estava sendo honesto e, com isso, você perdeu sua credibilidade. Aí ele vai te pressionar até perceber que realmente chegou no seu limite e você vai fechar, na melhor das hipóteses, um aumento de 3%.

O que fazer então?

Se você consegue justificar os 5%, você precisa sustentar esse valor até receber alguma coisa em troca. Para você baixar para 4%, o seu interlocutor tem que te oferecer alguma coisa.

Dessa forma, você tem 2 grandes benefícios:

1.   Você mantém sua credibilidade intacta. O seu interlocutor vai entender que você só baixou o preço porque recebeu algo em troca.

2.   O seu potencial de ganho aumenta significativamente. Se na outra situação você vai ganhar, no máximo, aqueles 3%, dessa vez a história é completamente diferente.

Então cuidado, concessão sem troca significa um “acordo ruim”.

A questão é que, muitas vezes, a pressa dos negociadores em fechar um acordo acaba arruinando o que poderia ser um bom acordo. Eu entendo que precisamos ser rápidos, mas cuidado para que essa pressa não mate a sua negociação. 

E então, o que é melhor: nenhum acordo ou um acordo ruim?

O que eu quis mostrar para vocês nesse artigo é que vocês não precisam escolher entre os dois. Usando técnica, método, criatividade, quase sempre é possível obter um bom acordo na negociação.

Agora e se não tiver jeito e eu precisar escolher? Sem dúvida, nenhum acordo. Precisamos entender que um mau acordo não é sustentável a médio e longo prazo. Você fecha, mas não sabe se vai conseguir cumprir e, mesmo que consiga, o esforço é tão grande que pode causar consequências graves como problemas financeiros (até uma falência) ou aquele sentimento de frustração e amargor que nos faz mal por não termos nossos interesses atendidos.

O foco desde o início tem que ser buscar valor. Agregar outros fatores para a mesa de negociação, entender o que é importante para o outro e buscar alternativas que maximizem os nossos interesses, mas que tragam valor também para o outro lado.

Temos que mudar nossa visão sobre conflito. Ao invés de enxergar o conflito como um contra o outro, temos que ver que o adversário é a situação. Aquele com o qual você parece estar em conflito é, na verdade, seu parceiro.

Eu sei que não é um processo fácil, mas o resultado compensa o esforço. Nem sempre a outra pessoa entende dessa forma, mas existem técnicas que ajudam nesse sentido. 

E eu quero terminar com uma citação do Chris Voss, que é um dos negociadores mais badalados da atualidade:

“Não se acomode e – eis uma regra simples – nunca divida a diferença (que é o famoso meio-termo). Soluções criativas quase sempre são precedidas de algum grau de risco, aborrecimento, confusão e conflito. Acomodação e meio termo não produzem nada disso. Você tem que fazer o mais difícil. É nessa zona que estão os grandes acordos. É isso que os grandes negociadores fazem.”

O profissional que aprende isso passa a obter resultados melhores nas negociação e se torna uma referência em resultados e resolução de conflitos.

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