O QUE FALTA NESTE PAÍS? .....CERVIZ!

Maria Olívia Garcia

Entrei na cabana à margem do rio e, de repente, sem saber como, encontrei-me viajando no tempo... Quis parar, abri os olhos e eis que vejo diante de mim uma cena inusitada: sentados ao redor daquela antiga mesinha, e preocupados com a situação do povo brasileiro, Gregório de Matos e Padre Vieira conversam...

- Vieira! O Brasil continua com os mesmos problemas: os governantes não sabem a diferença entre o público e o privado. Vede: ninguém vê, ninguém fala, ninguém contesta. Esta mãe universal, esta célebre capital do país, a seus peitos toma e cria aqueles que outros países rejeitam!

- Pois não hei pregado sobre esta matéria como Jonas, pelas ruas de Nínive? Quisera chegassem hoje minhas pregações aos ouvidos do presidente, de todos os poderosos e os governantes das instituições deste país!

- Ah! Governantes é que não faltam... A cada canto um grande conselheiro, que nos quer governar a casa e os negócios! Não sabem governar sua cozinha, mas desejam governar o mundo inteiro!

- Pois digo-vos eu: grande lástima será naquele dia ver como os ladrões levam consigo muitos governantes ao inferno!

- Esta pátria, Reverendíssimo, é madrasta dos honestos, e dos corruptos, madre!

- Hei de sempre lembrar a todos, para que saibam discernir sobre o que os condena, o perdão de Cristo a dois ladrões: Dimas e Zaqueu.

- E quem vos haverá de ouvir? Eia, estamos no Brasil, onde a adulação é que agrada, onde a verdade é inútil e a virtude hipocrisia. Sigamos, pois, esta harmonia tão passageira, e ainda que seja ignorância seguir os já conhecidos erros, que a mim sejam permitidos, se a ganância está em ser besta!

- Pois vejo que vós andais meio esquecido, vou lembrar-vos: Dimas, o bom ladrão, estava na cruz ao lado de Cristo. Em determinado momento, vira-se para o filho de Deus e lhe pede para ir com Ele ao paraíso. De imediato, Jesus lhe garantiu estarem juntos, naquele mesmo dia, no reino dos céus.

- Sim, disto sei bem, caro Vieira, por esse motivo eu também fui perdoado... Cristo não haverá nunca de perder sua santidade por não perdoar um pecador arrependido!

- Mas nada supera a sabedoria divina, por mais que os homens queiram camuflá-la... Vede o caso de Zaqueu. Por ser ele o príncipe dos publicanos, e rico, tinha como restituir o que havia roubado. Então Cristo não lhe deu a salvação logo que o publicano demonstrou haver-se arrependido. Foi preciso que Zaqueu fizesse, primeiro, a restituição de tudo que tirara ilicitamente, para ser, então perdoado. Que nos sirva de lição, tão claramente está nos Evangelhos: aquele que rouba por extrema necessidade de sobrevivência, não tem a obrigação de restituir, pois nada possui. Se Dimas tivesse com que restituir, não teria chegado à cruz.

- Mas então...

- Então, caro Gregório, não são somente os ladrões que espreitam as pessoas para saqueá-las no momento mais propício que fazem jus a esse título; mas aqueles que roubam por opção, que fazem leis e criam costumes ou dogmas que lhe permitam, assim, enriquecer à custa da extorsão dos mais ingênuos, estes sim são grandes merecedores de serem conhecidos como os chefes da rapina, como os ladrões de verdade... 

- Sim, neste país só se vêem estupendas usuras no mercado...

- Pois está no Livro Sagrado: aqueles a quem os presidentes e governantes encomendam exércitos e legiões, ou aquelas administrações das cidades que, usando da astúcia ou da violência, roubam e despojam os povos, são obrigados a restituir tudo o que extorquiram, se não quiserem sofrer a danação eterna! Os ladrões pequenos roubam os homens, mas os grandes saqueiam cidades e reinos. Aqueles furtam e são presos ou até executados; estes roubam e prendem ou executam.

- Mas como podem esses ladrões pequenos levar ao inferno os poderosos governantes, Padre Vieira?

- Meu caro poeta, há muitos modos para isso... O primeiro é aquele em que os governantes dão cargos e poderes com o que se roubam o povo; o segundo, porque os governantes conservam esses corruptos nos cargos; o terceiro, porque, além de serem conservados nos cargos, eles também são promovidos para que possam ampliar sua área de atuação e, finalmente, porque os governantes são obrigados a restituir todos esses danos, mas nunca os restituem, nem na vida, nem na morte, assinando, com isso, a sua própria condenação.

- E como ficam aqueles que deveriam fiscalizar, mas não o fazem, porque se amedrontam?

- Todo aquele que tem a obrigação de impedir que não se furte nem se abuse do que não lhe pertence e não o faz, tem o mesmo dever de restituir o que foi roubado. É culpado, pois, todo aquele que toma por seu o que é público ou de outro, sem o consentimento do verdadeiro proprietário. Se aquele não se arrepender e restituir tudo o que foi furtado, não terá salvação. É culpado todo aquele que distribuir cargos a quem irá se enriquecer à custa do empobrecimento de outros. É mais culpado ainda aquele que for cabeça de governo, seja de país, estado ou município, ou até mesmo de alguma instituição, pois nem direito ele tem de demitir ou perdoar o que foi roubado, pois não lhe pertence, assim como a fazenda pertence ao fazendeiro, portanto este tem o poder de perdoar o ladrão, se assim o desejar. Que isto fique bem claro: não é possível perdoar o roubo de bens públicos, pois são de todos e não há como conseguir autoridade para esse perdão.

- Padre Vieira, então a única salvação para nossos governantes é que restituam tudo o que tomaram ilicitamente e com consciência do que faziam! Para ajudá-los, deixo-lhes aqui meus próprios versos elevados a Deus, para garantia do perdão...

 “Meu Deus, que estais pendente em um madeiro,

Em cuja Lei protesto de viver,

Em cuja Santa Lei hei de morrer,

Animoso, constante, firme e inteiro.

[...]

Essa razão me obriga a confiar

Que por mais que pequei neste conflito,

Espero em vosso amor de me salvar.”

Desaparecem Vieira e Gregório nesse instante... Bem que o Fernando (o Torres) dissera-nos que aquela cabana era a nossa máquina do tempo... Saio dali ainda atordoada, mas as palavras que deles ouvi permaneceram-me na memória... Haverá salvação para este país?