SER ÁGUIA OU GALINHA? - EIS A QUESTÃO!
11/12/2003
Em uma reunião para discutir os caminhos da libertação do domínio colonial inglês, James Aggrey, de Gana, África Ocidental, líder conhecido por sua luta em favor do povo, apresentou uma bela metáfora da condição humana, retomada por Leonardo Boff em seu livro A águia e a galinha, uma interessante reflexão para um final de ano tão difícil como este por que passamos.
Resumidamente, a história é a seguinte: um camponês criou um filhote de águia no meio das galinhas que possuía. A águia cresceu comportando-se como as companheiras, até que um dia apareceu no local um naturalista que, inconformado com a atitude da ave, tentou fazê-la voar, sem sucesso. Enquanto o camponês insistia em dizer que ela jamais seria uma águia, pois tornara-se uma galinha, o naturalista teimava que o coração da águia um dia despertaria e a faria voar às alturas. E continuou obstinado, na tentativa de resgatar a identidade da águia, até lembrar-se de fazer o animal encher os olhos com a luz do sol. Renasceram, então, no coração da águia, os instintos verdadeiros, que a fizeram alçar vôo até sumir no firmamento.
Assim são os seres humanos: a maioria insiste em ficar presa apenas à vida de galinha, sem muito sentido, quando poderia alcançar o infinito, se tivesse coragem de assumir a identidade de águia. Boff lembra bem que alguns homens monopolizaram o ter, o saber e o poder para reduzir as outras pessoas à medíocre vidinha de galinha, cuja visão restringe-se apenas ao terreno onde pode ciscar, esquecendo-se de olhar para o alto e admirar as riquezas do universo.
Em todos os tempos e nas mais diversas sociedades, sempre há os que se atrevem a sufocar a águia interior das pessoas, aquela que impulsiona a protestar, a resistir e a traçar diferentes caminhos.
A águia incomoda, é claro. Ela rejeita o conformismo, o comodismo, as regras pré-estabelecidas pelos donos do galinheiro... Ela não se amedronta com o cacarejo da vizinhança nem desiste do vôo para não correr o risco do tombo. Muito menos se apavora com as incursões solitárias. A águia voa longe, voa alto, pois só assim se realiza, é a sua natureza. A galinha, ao contrário, permanece dócil, sempre presa aos limites do galinheiro, indiferente aos acontecimentos exteriores e à visão das diversidades existentes na criação.
É claro que no vôo da águia há riscos variados, como a incompreensão dos familiares, traições de amigos, frustrações profissionais e decepções com as pessoas mais queridas, explica Boff. Mas em contrapartida há, também, a felicidade de conhecer novos horizontes, de fazer novos amigos, trocar experiências com pessoas diferentes, com pontos de vista diversificados, de clarear as idéias e assimilar novos conceitos... Há o prazer do amadurecimento, mesmo que doloroso, e o despontar da sabedoria da vida, da percepção de que no universo tudo está interligado e todos são interdependentes; portanto, para a sobrevivência do ser humano e do nosso planeta, o egoísmo deve ser descartado definitivamente.
E uma coisa é certa: para resgatar a identidade, é preciso vencer o medo, como fez a águia da história... Não existe sucesso garantido nem há caminho seguro já traçado para quem se arrisca. A questão é, por isso, de opção: ou você escolhe a vida de galinha, sem grandes sobressaltos nem riscos maiores, sem questionamentos nem transgressões, ou você obedece àquela agitação interior própria da águia que existe em nós, que não se conforma em consumir toda uma existência apenas ciscando no mesmo lugar e cacarejando com as companheiras, sem descobrir o que há além dos limites do galinheiro, sem comprovar se as regras a que se submete são válidas sempre e para todos, sem abrir os olhos à luz e arriscar o vôo rumo às alturas, mesmo sabendo da possibilidade de encontrar grandes obstáculos, que poderão exigir muito sacrifício, doação e persistência para a sua superação.
E não basta a águia se libertar de sua existência de galinha, diz Boff. É preciso libertar-se também para assumir a própria identidade, para deixar que se realizem as suas potencialidades. É necessário que seu “eu” consciente aceite o seu “eu” inconsciente, aquele que as pessoas tendem a sufocar.
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Fica aqui um desafio para quem ainda não experimentou: que tal iniciar o novo ano descobrindo a águia que existe em você, mesmo sem esperar a compreensão das galinhas?
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E por falar em altos vôos, estão de parabéns os organizadores da “Mostra de Videoarte no Arquis-Museu Rio-Pardense”, que aconteceu domingo, dia 7, sob a coordenação de Bene Trevisan. Nela foram exibidos alguns curtas-metragens premiados. Entre eles gostaria de destacar aqui “Amearika”, o “falso clipe” que mostra os contrastes brasileiros de uma forma satírica e quase surrealista, tendo como fundo musical a contagiante “Quem espera sempre espera”, de Morgante e Satorres. A produção é de beneTVídeo, 1997.
A grande surpresa da noite foi “Nosso mar é de montanhas cobertas de céu”, com 15 minutos de duração, vencedor de 4 prêmios, cuja produção também é de Bene Trevisan. Através das imagens registradas durante 5 anos no interior de Minas Gerais, mostrando o folclore e a convivência do profano com o sagrado, o filme assemelha-se a um poema cósmico: mostra a grandiosidade da natureza num verdadeiro oceano de montanhas e vales; deixa entrever constantemente os tênues limites entre arte e realidade, alegra com as celebrações folclóricas e comove, no final, mostrando a força transcendental que impulsiona um povo frágil e humilde, tudo isso através de um trabalho minucioso e com muita sensibilidade, que merece ser mais divulgado.