O que muda com a nova legislação de jogos de azar no Brasil?
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O que muda com a nova legislação de jogos de azar no Brasil?

Apesar da medida ser surpresa para alguns, a matéria tramita há 30 anos no Congresso

Os jogos de azar são há muito tempo uma questão controversa no Brasil, com um histórico complexo de regulamentações e restrições. No entanto, os recentes desenvolvimentos na legislação do país abriram caminho para mudanças significativas na indústria do jogo. À medida que a nova legislação sobre jogos de azar chega à aprovação do Senado, é crucial examinar as principais transformações que ocorrerão no cenário de jogos de azar no Brasil.

As mudanças na regulamentação dos jogos de azar no Brasil foram marcadas pela popularização do chamado jogo do "Tigrinho" e seu potencial impacto na indústria de jogos de azar. O "Tigrinho" (do game conhecido como "Fortune Tiger", algo como o "Tigre da Sorte", tornou-se uma metonímia para indicar os chamados jogos de cassino online, em que há centenas ou milhares de variações disponíveis em plataformas eletrônicas, com uso predominante em dispositivos móveis mundo afora. Apesar de poder ser enquadrado como videojogo, a depender de futura regulamentação e certificação técnica, em geral, apresenta-se como uma espécie de caça-níqueis, fortemente impulsionado pela febre de influenciadores digitais que divulgam jackpots na forma de "aviõezinhos", "gênios da lâmpada", "tesouros" e, mais popularmente, o "tigrinho", que se tornou sinônimo de cassino online no Brasil.

Foi graças à massificação do Tigrinho e do antigo sonho dos cassinos retornarem à praça pública que o projeto de lei dos jogos de azar ganhou força no Congresso Nacional, com a recente aprovação da matéria na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado em apertado placar de 14 a 12 votos. Agora, o PL 2234/2022 segue para votação do Plenário daquela Casa Legislativa e, depois, segue para sanção presidencial, posto que já foi aprovado na Câmara dos Deputados em 2022 (até então fruto do PL 442, de 1991). Apesar da obstrução anunciada pela Frente Parlamentar por um Brasil sem Jogos de Azar, sob o comando do Sen. Eduardo Girão (Novo-CE), não é difícil imaginar o extravagante interesse arrecadatório do Governo, de olho numa fatia de até R$ 40 bilhões em tributos anuais.

Desse modo, mesmo com a resistência de alas conservadoras, inegável a forte pressão rumo à liberação total dos jogos de azar no Brasil, com a presença das apostas de quota fixa, regulamentadas pela Lei 14.790/2023 - a Lei das "Bets", e da conformação de outras modalidades lotéricas pelos estados-membros, por meio de regulamentações próprias, a partir da decisão do Supremo Tribunal Federal nos autos das Arguições de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) 492 e 493, afastando o monopólio da União no controle das loterias. Estima-se que, a cada ano, são abertas 200 empresas de prêmios e apostas em um setor regulado desde 2018, mas que até agora conseguiu recolhe impostos federais. Ainda que não se possa dizer em definitivo que o "Tigrinho" será regulamentado pela nova legislação de jogos de azar, o PL 2234/2022 só expande a gama de opções de jogos disponíveis ao público e, por conseguinte, sob a mira do "Leão", contemplando as seguintes modalidades:

  • cassinos
  • bingos
  • videobingos
  • jogos online
  • jogo do bicho
  • apostas em corridas de cavalos (turfe)

Por falar em jogo do bicho, a legalização dos bingos significa uma mudança no cenário regulatório, permitindo um mercado de jogos de azar mais diversificado e competitivo no Brasil. Além disso, a evolução do Jogo do Bicho, um jogo considerado ilegal com profundas raízes na cultura brasileira, coloca desafios na sua integração no quadro legal estabelecido pela nova legislação. Em alguns estados, como é o caso da Paraíba, o jogo é considerado modalidade lotérica compatível com os regulamentos da LOTEP - Loteria do Estado da Paraíba, o que tem sido matéria de controvérsia há décadas. Nos termos do PL 2234/2022, o jogo do bicho deixa de ser contravenção penal em todo território nacional. Em que pese o temor de que o crime organizado se fortaleça no setor e o use para lavar dinheiro ou evadir impostos, este não deve ser um argumento sério diante da facilidade de praticar ilícitos em todo e qualquer indústria no contexto da nova economia digital, inclusive com a utilização de tecnologias disruptivas.

As implicações da nova legislação sobre jogos de azar vão além da introdução de novos jogos, abrangendo o estabelecimento de regulamentações para cassinos e sua operação no Brasil. Com a legalização dos casinos, a indústria do jogo está preparada para uma transformação significativa, atraindo investimentos e impulsionando o turismo. Além disso, alterações nas leis de prêmios e apostas são essenciais para alinhar com a nova legislação, garantindo práticas de jogo justas e transparentes, mister da nova Secretária de Prêmios e Apostas do Ministério da Fazenda em articulação com diversos outros orgãos de normatização e fiscalização. A implementação destas leis não só aumenta a proteção do consumidor, mas também promove um comportamento de jogo responsável. Não faz muito sentido que as associações que defendem essa bandeira sejam mantidas com o dinheiro das próprias empresas do setor, em evidente conflito de interesse, assim como ocorre com as casas de apostas de quota fixa que patrocinam clubes desportivos e transmissões de partidas. Tema delicado, o combate ao transtorno de jogo patológico deve ser financiado pelo Estado, fruto da arrecadação de impostos no segmento. Do ponto de vista eminentemente econômico, espera-se que a nova legislação tenha um impacto positivo na economia e nas receitas fiscais, proporcionando um impulso necessário às finanças do país e ao desenvolvimento dos setores diretamente contemplados: turismo, saúde coletiva e segurança pública.

Apesar dos benefícios potenciais, a nova legislação de jogos de azar no Brasil não está isenta de desafios e controvérsias. A percepção e as preocupações do público relativamente à expansão das atividades de jogo levantam questões sobre o impacto social do aumento do acesso às opções de jogo. As questões relacionadas com a dependência, a criminalidade e o problema do jogo têm de ser abordadas através de medidas regulamentares abrangentes e de programas sociais. Além disso, o debate sobre a eficácia da nova legislação na redução das práticas ilegais de jogo continua a ser um ponto de discórdia. Encontrar um equilíbrio entre a promoção de uma indústria regulamentada de jogos de azar e a abordagem dos riscos associados ao jogo patológico continua a ser um desafio fundamental para os legisladores, juristas e profissionais de compliance. Em termos de ESG, as empresas do setor precisam ser protagonistas e dar espostas eficazes quanto a inúmeros questionamentos sobre a eticidade, a questão social e, em especial, à maturidade de governança corporativa que deve basear os negócios. Não se trata apenas de atender a requisitos específicos do setor financeiro, aplicar políticas de KYC aos apostadores, "eliminar" a participação de crianças e adolescentes, ou, ainda, custear campanhas simbólicas de jogo responsável. Há muito mais sobre a mesa e tudo muda muito rapidamente, sendo necessário a profissionalização dos players e muita responsabilidade.

Concluindo, a nova legislação de jogos de azar no Brasil anuncia uma mudança significativa no cenário econômico, com a introdução de fatores de aumento da complexidade regulatória. Embora os potenciais benefícios econômicos sejam promissores, os obstáculos e controvérsias em torno da expansão das atividades de jogo sublinham a necessidade de uma abordagem equilibrada e bem regulamentada. À medida que o Brasil navega pelas complexidades da regulamentação da sua indústria de jogos de azar, é imperativo priorizar a proteção do consumidor, a responsabilidade social e mecanismos de aplicação eficazes para garantir um ambiente de jogo sustentável e responsável.

Raiana Falcão

Subsecretária de Ação Sancionadora na Secretaria de Prêmios e Apostas - SPA/MF Membra do Comitê de Gestão de Riscos e Controle Interno - CGRCI/MF |Docente e Palestrante|

6 m

excelente reflexão! 👏🏼

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