O silêncio que precede a fala

2023 foi mais um ano pra mim importante em muitos aspectos. Foi intenso, desafiador, surpreendente, inquietador, generoso e poderoso. Foi um ano de estabelecer fortes conexões, novas e profundas e em que eu aprendi a amplificar minha voz como nunca antes. 

O próprio reconhecimento que o Linkedin me deu como TOPVOICE, hoje entendo, teve tudo a ver com isso. E o que quero dividir ao fim desse ano como reflexão com você é que  o silêncio foi um elemento muito importante nesse processo, Não um silêncio de medo ou de angústia para alguém que precisou se calar. Um outro tipo de silêncio, muito mais poderoso.

Eu sou de falar aos montes. Sou daquelas que não tem medo de ser a primeira a se posicionar quando alguém faz uma pergunta ou busca uma opinião. Não tenho medo de me expor, e me considero boa e rápida com as palavras. Soma-se a isso que eu gosto de gente, de conversa, de estar por dentro dos assuntos. Só que com a maturidade vamos aprendendo que falar é uma coisa, ter sua voz ouvida é outra. 

Conquistar minha própria voz para assuntos de importância profissional era algo que já havia acontecido. Ainda assim, durante todo esse ano de aprendizado intencional, percebi que havia uma grande oportunidade em potencializar essa voz. E isso aconteceria só mesmo se eu fosse capaz de introduzir mais silêncio no meu modus operandi.

Parece um pouco controverso, mas amplificar a voz é bem mais possível quando conseguimos diminuir o ruído, que às vezes nem percebemos que está presente o tempo todo. Na busca do silêncio, mora o desenvolver o ouvido para ser mais aguçado.

Isso me lembrou da cena que uma amiga muito querida um dia me contou e jamais esqueci. Ela, se tratando de um câncer, entrou em um processo profundo de silêncio para aprender a ouvir de forma nova o mundo e a si mesma. Um dia, no supermercado com o marido, começou a balançar o corpo no meio do corredor, em leve dança. Seu marido olha aquele movimento  e pergunta:

"Porque você está dançando?"

"Fui tomada por essa música linda que está tocando!"

"Que musica?" ele perguntou.

A música tocava realmente no sistema de som do supermercado, uma música ambiente. Mas ouvidos destreinados em separar ruído e silêncio, também não são hábeis em identificar em meio a ruídos as melodias. 

A gente perde tanto quando não treina o silêncio que deveria preceder a fala.

Aprendendo a silenciar na prática

Vivemos tempos interessantes em que a tecnologia pode nos ajudar com recursos antes pouco acessíveis. Com a infinidade de ferramentas de AI ( Artficial Inteligence ) disponíveis hoje, um dia ainda no início do ano resolvemos no trabalho, por pura curiosidade, testar uma delas que mede o tempo  que cada pessoa falou, durante uma reunião on line.

Interessante ver o resultado de todas as reuniões: quase sempre as mesmas pessoas dominam a fala, enquanto outras sempre  entram e saem falando pouco ou quase nada. É claro que isso pode ter a ver com perfil e com o contexto. O fato é que percebi que seria pra mim um ótimo exercício tentar vivenciar um pouco mais de silêncio.

O primeiro benefício: ouvir mais ,os outros claro, mas logo em segundo vem ouvir também a mim mesma. E me ouvir em um nível que vai além dos pensamentos, e invade os sentimentos. 

Nesse processo de escuta e silêncio vou listar alguns exercícios que busquei fazer:

1. Não ser mais a primeira a falar em qualquer reunião que eu entrasse. Nem a segunda. Eu só passaria a falar depois que pelo menos 3 ou 4 pessoas falassem. E se elas não tomassem a atitude de falar, eu abria a boca porém pra perguntar: "E você fulano ou fulana? Gostaria de lhe ouvir."
2. Anotar em silêncio frases, conversas, explicações. Eu escrevi cadernos e cadernos nesse último ano, Talvez porque eu seja também muito visual, a palavra escrita em mim fica mais gravada. Além disso esse recurso me ajudou muito a voltar nas conversas e trocas muitas e muitas vezes para depois retomar muito mais preparada e com visão clara da conversa, para continuá-la em um novo momento. Engraçado que inclusive incorporei esse "disclaimer" em quase todo novo começo de conversa: "eu estarei de cabeça baixa muita vezes mas é justamente porque estou registrando a nossa troca, eu estou ouvindo você".
3. Escolher as agendas que eu realmente deveria estar, onde minha opinião, fala, voz faria mais sentido. Aquelas também onde eu precisaria ouvir para amplificar. E onde eu percebesse que pouco poderia agregar, ou que o tema e assunto tomariam minha agenda sem muito link com que eu poderia executar, escolhi a forma de silêncio mais generosa comigo e com as pessoas: simplesmente não estar nelas. Percebi que não estar poderia ser uma forma de silêncio inteligente em muitos desses casos. Nos vemos  na obrigação de dar ponto de vista mesmo daquilo que nem temos tanta proficiência, mas se estamos na sala, achamos que não podemos entrar e sair calados, Podemos sim, aliás devemos. E se, nada que será dito ali precisa ser alinhado com você, mas você escolhe estar lá só para demarcar território, e porque isso faz você se sentir importante ou influente, certeza que está faltando doses de silêncio para se ouvir.

Musculação para o cérebro

Nem só de voz se fazem ruídos. Na forma de viver conectados 100% do tempo que existe hoje, as mensagens de chats, grupos, redes sociais são um enorme barulho, em grande parte do tempo.

Eu aprendi a silenciar grupos e voltar no seu conteúdo quando o meu tempo permitisse. Aprendi também um outro tipo de silêncio: o do não teclar, não enviar a mensagem, não pelo menos na hora do impulso.

Alguns anos atrás li "10% mais feliz", um livro excelente de Dan Harris jornalista americano que conta sua história com a prática da meditação, o como isso o ajudou a ser de verdade mais feliz.  Ele diz logo no começo do livro que meditação não tem nada haver com religião, espiritualidade ou misticismo. Meditação segundo ele é um treino prático pro cérebro, assim como a musculação é pro corpo. Meditar nos ajuda a perceber nossos pensamentos com mais clareza e controle, e nos dá a real noção que a fala é nada mais que reação, sem dar tempo do pensamento agir.

Assim o  silêncio consciente e conectado com o pensamento, quando precede a fala, gera uma fala mais certeira, pensada, consciente. Ou evita uma fala, simplesmente. O que pode ser até bem melhor.

Se você me conhece sabe que o silêncio para mim é desafiador, e é por isso que eu o busco cada vez mais, sem deixar de aprender a amplificar a voz quando isso faz sentido.

Em um ano intenso e desafiador, isso me trouxe paz, leveza, felicidade, conexões verdadeiras e evitou um tanto de conversa desnecessária ( não difíceis, eu amo as conversas difíceis, muitas vezes as mais necessárias e importantes ).

Escrevi tudo isso desejando dividir uma experiencia e processo muito pessoal, mas que quem sabe em 2024 pode trazer tudo isso de bom também para você?

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Anexo

Por fim, um anexo caso sua espiritualidade seja de tal forma que  acolha uma oração e que isso tenha valor e interesse para você. Retirei ela do Livro "Oração e trabalho" e ela me faz muito bem. E o que me faz bem eu nunca acho que deveria ficar só comigo:

"Senhor,

no silêncio deste dia que amanhece, venho pedir-te a paz, a sabedoria, a força.

Quero olhar hoje o mundo com olhos cheios de amor; ser paciente, ser compreensivo, manso e prudente;

ver, além das aparências humanas, teus filhos como Tu mesmo os vês, e assim não ver senão o bem em cada um.

Cerra meus ouvidos a toda calúnia.

Guarda minha língua de toda maldade.

Que só de bênçãos se encha meu espírito.

Que seja tão bondoso e alegre, que todos que se achegarem a mim sintam tua presença.

Reveste-me de tua graça, Senhor, e que, no decurso deste dia, eu não te ofenda e te revele a todos.

Amém!"