O STJ, a Fundada Suspeita e o Preconceito
Quais são os requisitos necessários para justificar a fundada suspeita?
Eu sempre sustentei que o tema da fundada suspeita, como condição para realizar uma abordagem policial, deveria ser debatido em profundidade. O voto do Ministro Rogerio Schietti, do STJ, relator de processo que julgou a tomada de decisão pela abordagem, de policiais da Bahia, vem jogar luz a essa questão.
O resultado do voto parece estranho porque deslegitima uma decisão policial que resultou em prisão em flagrante, cujas evidências da prática do crime são irrefutáveis: uma mochila com 50 porções de maconha, 72 de cocaína e uma balança digital. Todavia, o ponto crítico no julgamento da prática policial são os motivos, a fundamentação da decisão de parar e revistar o homem que dirigia uma moto com a mochila nas costas, ou seja, a fundada suspeita.
Do ponto de vista do Ministro relator, os policiais devem encontrar “elementos sólidos, objetivos e concretos para realização da busca pessoal” e apresenta três razões para esse argumento: (i) evitar o uso excessivo dessa prática policial; (ii) garantir que a validade dessa decisão possa ser questionada pelos envolvidos; e (iii) evitar a reprodução de preconceitos.
Eu estou de total acordo com as duas primeiras razões. Entendo que a abordagem policial é uma prática banalizada e que o atual sistema de mensuração do desempenho policial não produz evidências suficientes para tratar o tema com transparência. Por outro lado, a ausência de evidências qualificadas alimenta o debate do racismo estrutural e condena a polícia em um julgamento sem provas.
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Quanto ao argumento de que a suspeita deve ser fundada em “elementos sólidos, objetivos e concretos”, confesso que não consigo entender o significado dessa proposição. O Ministro Schietti contribuiria muito na qualificação do debate sobre fundada suspeita se descrevesse, pela sua perspectiva, como essa ideia seria colocada em prática. Ele poderia até usar o caso concreto que foi objeto do julgamento, exemplificando quais seriam os “elementos sólidos, objetivos e concretos” que poderiam justificar uma guarnição policial a parar e revistar uma pessoa em uma moto, carregando uma mochila repleta de drogas.
Essa decisão do STJ é um grande avanço para qualificar o debate sobre a fundada suspeita. Ela apresenta argumentos importantes a serem assimilados pelas polícias. Mas o debate não pode se desenrolar apenas na arena do Judiciário, pois existe o risco de o resultado não ser factível, como é o caso do voto relatado pelo Ministro Schietti. Eu e muitas outras pessoas estamos nos perguntando como colocar essa ideia em pé. A decisão não tem substância suficiente para sair do mundo das ideias e se tornar prática padrão.
Abordagem policial é um tema tão complexo que necessita ser observado por mais de uma perspectiva. A voz que não pode faltar nesse debate é a do policial. Não me refiro aos Comandantes, mas ao profissional que trabalha nas ruas e a quem cabe a discricionariedade de decidir pela abordagem. Vocês irão se surpreender com seu conhecimento e com sua expertise. Eles estão muito aquém do refinamento intelectual dos juízes, mas conhecem de perto a miséria humana e lidam com ela dia e noite.
Em meu mestrado e doutorado, no Departamento de Ciência Política da USP, a abordagem policial foi o tema central das minhas pesquisas, por isso, posso afirmar que tenho algum conhecimento do tema. No entanto, esses títulos e a experiência acadêmica não me permitiram saber mais do que os profissionais que trabalham no policiamento, pelo contrário, eu só sei o que sei porque eu conheci o trabalho deles por eles.
Avançar o debate sem a voz do principal ator me leva a questionar: em que lado está o preconceito?
Advogado especializado em Direito do Trabalho. Assessoria jurídica, representação em litígios e negociações complexas. Auxilia empresas em práticas de conformidade trabalhista, focado em soluções práticas e estratégicas.
2 aExcelente posicionamento minha amiga, a visão acadêmica dissociada da realidade prática deve ser evitada a todo custo, em especial em se tratando de um tema extremamente relevante para a sociedade e a segurança da população, como a abordagem policial.