O tempo dirá
Luiz Barsi, maior investidor como pessoa física na B3, em entrevista publicada dia 11/Jul no site O Investidor (clique na imagem para ler) deu um prognóstico sombrio sobre o Magazine Luiza, com observação sobre o histórico de empresas similares que quebraram e relacionando esse fenômeno com períodos de expansão inflacionária. Ele também observa que o mesmo raciocínio se aplica às empresas Máquina de Vendas (Ricardo Eletro, já em recuperação judicial e sem lojas físicas) e Via (Ponto Frio e Casas Bahia).
Em um diagnóstico que desenvolvi faz alguns anos, para uma rede de magazines, foi interessante observar a dinâmica histórica, que acredito que complemente a análise do megainvestidor.
Jean Bittar, Eletroradiobraz, Mesbla, Mappin, Sears, G. Aronson, Arapuã, Ultralar, Lojas Brasileiras são algumas das mais emblemáticas redes do segmento que foram absorvidas por outras, faliram, deixaram o mercado brasileiro ou só se tornaram irrelevantes.
Havia uma lógica que valia para o setor antes do e-commerce, mas que ainda parece existir, mesmo que em menor escala. Explico adiante.
Para obter melhores preços dos grandes fornecedores (linha branca, linha marrom, eletroportáteis e eletroeletrônicos) as redes negociavam compras em grandes volumes, mesmo que gerassem estoques momentâneos. O prazo de pagamento geralmente era alongado, o que podia tornar o investimento praticamente nulo para o comprador. A estratégia deveria aumentar giro, se os ganhos negociais fossem dados como desconto nos preços de venda ao consumidor ou aumentar a margem, se os preços finais acompanhassem os dos concorrentes. Para o industrial, deveria ser uma troca de soma zero pela diluição de custos fixos com fábrica cheia (nunca foi bem assim, mas isso fica para outro artigo).
A contrapartida de volume precisava ser significativamente maior do que os concorrentes pudessem ofertar. Assim, era necessário crescer sem parar, com cada vez mais lojas e maior alcance geográfico.
Em minha pesquisa de campo, foi engraçado observar que em várias pequenas cidades ou bairros, na principal rua de comércio estavam lado a lado Ponto Frio, Casas Pernambucanas, Casas Bahia, Magazine Luiza e outras redes menores regionais. Mesmos produtos expostos. Preços praticamente iguais. Tentando conquistar o cliente de menor poder aquisitivo com condições de pagamento cada vez mais longas (e juros disfarçadamente altos). Quando uma rede realizava uma promoção, quase todas acompanhavam.
Uma simples confrontação dos concorrentes existentes em cada pequena cidade, contra o índice de potencial de consumo por domicílio (IPC) da localidade mostrava que distribuído de forma linear por todos os concorrentes presentes (uma assunção razoável, já que não apresentavam diferenças significativas de preço, produto ou promoção), não havia capacidade de consumo que suportasse os custos fixos para manter a loja funcionando, na maioria dos casos. Ou seja, virou um jogo de resistência. Quem saia primeiro aumentava a chance dos concorrentes se manterem.
Outro fator importante a considerar é que os resultados advinham quase que totalmente da receita dos juros dos parcelamentos, pois as margens (já pequenas) foram sendo apertadas cada vez mais. A Casas Bahia tinha uma posição mais tranquila pois não operava seus títulos até entregar a gestão de sua carteira de recebimentos para o Bradesco, acabando com o modelo que o consumidor pagava no fundo da loja (considerado por muito tempo uma estratégia inteligente de retenção de cliente). Apenas alguns anos depois, precisou fundir-se com o Ponto Frio para diluir custos e permitir a sobrevivência de ambas.
Então, o que aconteceu historicamente e com cada vez mais frequência, foi que a cadeia que já tinha consumido todo seu caixa para financiar seu crescimento ininterrupto e sobrevivia através do alongamento dos prazos com o fornecedor, antecipação de recebimentos, tomada de empréstimos ou venda de participação (privada ou em bolsa) chegava ao limite do seu crédito. Acumulavam atrasos e entravam em default. Fornecedores vinculavam novos fornecimentos ao pagamento e os bancos passavam a reter as receitas que conseguissem. A rede ficava desabastecida. O cliente não achava o que queria. Comprava em outro lugar. Este ciclo continuava até que o magazine fechava operação, deixando fornecedores, colaboradores, bancos e investidores na mão. Mas sua saída tinha um efeito positivo. Para os concorrentes.
Sempre, depois do colapso de um player importante, se seguia um período de expansão das redes remanescentes ou de novos entrantes. E sua estratégia nesse momento era de realimentar o ciclo. Aumentar rede. Comprar com mais desconto. Expandir estoques e contas a pagar. Para se recuperar das perdas na rede anterior, fornecedores e bancos os recebiam de braços aberto. Depois de algum o tempo (geralmente o mais ousado da turma, o que crescia mais rápido que os outros) demonstrava fraqueza e passava de campeão a vilão. E começava tudo de novo.
Me permito discordar do senhor Barsi em só um ponto. Inflação alta não é inimiga dos magazines, pelo contrário ela ajuda a alongar o tempo da desgraça. Primeiro pode valorizar estoques altos comprados a longo prazo, depois aumenta as taxas de juros aplicadas ao consumidor fazendo com que o resultado seja maior. Desta forma, eu acredito que a contração da inflação e a estabilidade em baixa seja o período de maior risco, pois além de gerar o efeito oposto, pode atrair novos concorrentes em melhor condição financeira.
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É bastante evidente a consolidação que este mercado teve ao longo do tempo, indicando que o jogo poderia estar chegando a um ponto de equilíbrio, mas o fator novo do comércio eletrônico trouxe novos e poderosos players para esse mercado. O jogo me parece ser o mesmo, só mudou muito a escala. E assim, manter esse processo, exige cada vez mais recursos e se alguém cair, quando bater no chão vai fazer muito mais estrago do que os que já ficaram pelo caminho.
Haverá vontade e espaço para o Magazine Luiza adotar um caminho alternativo?
Qual é a sua opinião?
O tempo dirá...
Sobre o autor
Formado em Engenharia Civil e Administração pela Universidade Mackenzie. Foi Diretor Administrativo Financeiro (CFO), Diretor de Operações (COO), Controller Corporativo e Diretor Geral Estatutário de diversas empresas.
Com 29 anos de experiência profissional já realizou trabalhos nos segmentos têxtil, hospitalar, material médico, distribuição de energia, aeronáutico, administração de shopping centers, metalurgia, mineração, indústria alimentícia, automobilística, moveleira, produtos veterinários, farmoquímica, química industrial, televisão e hotelaria, entre outros.
Consultor em Gestão Estratégica e Reestruturação Empresarial atua através de sua empresa e há mais de 20 anos auxilia negócios a entender e ajustar problemas operacionais e financeiros, com linguagem acessível.
As ilustrações utilizadas são de domínio público (Wikipidia Commons), exceto o logo da Dex
DIRETOR/HEAD COMERCIAL | HEAD PRÉ VENDAS | GESTÃO DE BUREAUS | DADOS | BUREAU | DESENVOLVIMENTO NOVOS NEGOCIOS
2 aInteressante. Gostaria de ver sua análise sobre outros setores.
Gestora Financeira Sênior | Consultora em Finanças Corporativas | Especialista em Reestruturação e Planejamento Estratégico
2 aExcelente reflexão! Lembro de termos conversado a este respeito, e você deu uma visão, que nunca tinha passado pela minha cabeça, e fez total sentido!