Olhares sobre o homo complexus e os três cérebros

Olhares sobre o homo complexus e os três cérebros

Por Prof Msc Jorge Ricardo Menezes da Silva

Na lógica binária e dualista estabelecida pelo pensamento ocidental entre idealismo e o realismo, entre uma coisa ou outra, o conflito acerca de qual órgão é o centro da intelectualidade foi o cerne dos questionamentos que mobilizaram os estudos sobre esta pauta na Grécia Antiga. Cérebro ou coração? Nesta arena de debates, Platão (427 - 347 a.C.) e sua defesa ao cefalocentrismo e Aristóteles (384 - 322 a.C.) e suas argumentações sobre o cardiocentrismo.

O cefalocentrismo se caracteriza por considerar o encéfalo como sede do processo mental e julgava a alma tríplice, sendo o coração a sede da afetividade e dos sentimentos, o cérebro da alma intelectual, e no abdome o lócus dos desejos . Já a tese cardiocentrista advoga ser o coração o centro das sensações, das paixões e da inteligência. Platão situa a sua parte racional no cérebro porque esta era a parte do corpo mais próxima dos céus. Já Aristóteles toma a hipótese cardíaca e situa os processos mentais no coração por estar no “centro do corpo”.

Pensamento e sentimento. Razão e emoção, as dualidades que são ora transversais, ora paralelas, ora concorrentes, por ora convergentes, noutro momento divergentes. Neste palco, a mente, como parte abstrata, é responsável pelos pensamentos, gerindo e gestando a forma como reagimos ao que vivenciamos, influindo, inclusive no funcionamento corporal.

O cérebro é a parte física, numa linguagem contemporânea, o hardware e a mente, a abstrata, programável, na mesma perspectiva da linguagem contemporânea, o software.

Nesta seara, o cérebro cuida do perfeito funcionamento do corpo, dos sinais elétricos e da resposta emocional quando pensamos em algo que nos gera emoção, a mente é a responsável por gerar o pensamento que induz o cérebro a iniciar seu trabalho. A mente cria o pensamento, o cérebro cria a imagem, que gera o sentimento, que leva à ação, ao fazer, ao agir. A mente cria o estímulo, o cérebro dá motricidade ao que se pensou, se imaginou, se programou.

Com o advento do pensamento complexo nas contribuições de Edgar Morin, que traduz o humano em suas humanidades, somos a um só tempo biológico, psíquico, cultural, social, histórico, físico, formando uma unidade, encontramos as possibilidades de ser uma coisa e outra simultaneamente.

Na concepção do homo complexus coexistem a integralidade humana em suas dualidades a priori concorrentes: o sapiens e o demens, o prosaicus e o poeticus, o faber e o ludens, o empiricus e o imaginarius, o economicus e o consumans. Neste sentido, houve e há uma hipervalorização dos aspectos sapiens, prosaicus, faber, empiricus, economicus e a hipovalorização dos antagonismos demens, poeticus, ludens, imaginarius, consumans.

O paradigma da complexidade caracterizado por ser o “tecido junto” e pelo diálogo sobre as relações e interdependências de todos os aspectos dos fenômenos sociais e da integração dos diferentes modos de pensar inerentes ao mundo social, objetiva a superação do paradigma da simplificação caracterizado por pelos princípios de generalidade (do particular para o geral), reducionismo (do todo em partes) e disjuntivo (fragmentação e isolamento de determinados conhecimentos que oculta as conexões).

Bebendo nas fontes de Hipócrates e de seu "Corpus Hermeticum", Platão traça em "O Timeu" que na cabeça - "cérebro craniano" abriga a alma, essência do próprio universo, segmento do corpo que manifesta o divino e o imortal, no coração - "cérebro cardíaco", locus da coragem e dos sentimentos, e o visceral - "cérebro entérico", a sede dos instintos, dos desejos e das necessidades fisiológicas. Estas, provavelmente, nos servem de pedra guia - bussola para o tratado atual sobre os três cérebros.

Trilhando sobre esta lógica do paradigma do homo complexus, e da própria complexidade, encontramos os princípios dialógico, recursivo e hologramático e suas convergências com a visão trina apresentada por Grant Soosalu e Marvin Oka e suas postulações sobre os três cérebros. Nesta perspectiva não existe apenas um cérebro craniano, mas na verdade temos três cérebros: cérebro craniano, cérebro intestinal e cérebro cardíaco. Os estudos mais recentes descobriram células nervosas com as mesmas características em outros órgãos, como o sistema digestivo e o coração.

Portanto, pensamos com três cérebros: cérebro, coração e intestino. Assim o sendo, as inteligências não são aspectos observáveis de forma única e exclusiva no cérebro craniano. Há um crescente conjunto de evidências de que esses cérebros estão profundamente envolvidos no controle e processamento de várias funções e competências comportamentais essenciais.

O cérebro craniano está conectado as funções neurológicas mais complexas, como aprendizagem, memória, tomada de decisão, dependem da formação de redes neurais. A estrutura desses circuitos varia de acordo com as necessidades e adaptação ao ambiente. Tem como aspectos observáveis a cognição, o pensamento, as comparações, as sínteses, codificações e as linguagens.

O cérebro entérico ou intestinal liga-se a inteligência visceral, aquela que mobiliza o corpo e a força de vontade. Está relacionado com a ação, a motivação, a luta pela sobrevivência, para encontrar o nosso espaço entre os outros e para marcar fronteiras saudáveis entre você e eu. Isso me permite aprender, lembrar e influenciar nossas percepções e comportamentos. Tem como nitidez a identidade central do ego, a autopreservação, a mobilização, o agir.

O cérebro cardíaco entrelaça a inteligência emocional, suas funções são filtrar informações, aprender, lembrar e tomar decisões de forma independente para o cérebro craniano, conectar o cérebro cardíaco-cérebro craniano. Os sinais que o coração envia constantemente para o cérebro, influenciam as funções dos centros mais importantes do cérebro craniano (processos emocionais, perceptivos e de conhecimento), é considerada a sede do inconsciente. Ficam em evidência as emoções, os valores e o afeto relacional.

Por fim, respondendo a esta óptica, Morin nos traz Pascal como resposta cuja posição pode ser definida na frase “O todo é maior do que a soma das partes”. O todo é maior porque contém algo que não existe nas partes: as relações entre elas. Nenhum sistema é totalmente isolado e fenômenos aparentemente díspares acabam influenciando um ao outro. Na frase de Blaise Pascal: “Sendo todas as coisas ajudadas e ajudantes, causadas e causadoras, estando tudo unido por uma ligação natural e insensível, acho impossível conhecer as partes sem conhecer o todo, e impossível conhecer o todo sem conhecer cada uma das partes”.

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