Conhece-te a ti mesmo
"Conhece-te a ti mesmo" (transliterado do grego gnōthi seauton) é uma frase atribuída a Sócrates, Tales de Mileto e Pitágoras. Não se sabe ao certo a origem dessa frase, que, de acordo com o escritor Pausânias, foi inscrita na entrada do templo de Apolo em Delfos.
Conhecer envolve ter intimidade, algo que não fomos ensinados a ter com nós mesmos. Além disso, envolve também a observação dos nossos sentimentos, emoções, sensações no corpo, pensamentos e nossas ações.
Para entender porque o autoconhecimento é um caminho desafiador, precisamos resgatar alguns conhecimentos que foram perdidos. Muitos pesquisadores dividem o nosso cérebro em dois: o cérebro racional e o emocional. E no livro, Inteligência Emocional, do Daniel Goleman, ele diz que essas duas partes funcionam de forma conjunta e não separada, conforme muitos dão a entender. Além disso, para um bom funcionamento e equilíbrio, é importante que as duas partes sejam nutridas.
No entanto, sabemos que desde o surgimento do Iluminismo, estamos vivendo uma exaltação do pensamento racional em detrimento dos sentimentos e emoções. O saudável seria usarmos os dois lados do cérebro para nos guiarmos através da vida. Mas fomos ensinados a entender o mundo através de resultados, e racionalizamos até mesmo as nossas emoções. Há mais de 2 mil anos o ser humano insiste em esquecer o lado emocional do seu cérebro, focando apenas nas respostas racionais às situações. Esse comportamento foi responsável por boa parte das neuroses que observamos na nossa geração, perdemos aos poucos a capacidade de sentir, de utilizar o nosso instinto, de enxergar o mundo pela ótica do nosso cérebro emocional. Suprimimos a emoção, tão importante para nos deixar mais forte frente aos reveses da vida.
Existe um segundo ponto do qual não podemos fingir:
Aceitando ou não, somos seres duais e cercados de fenômenos duais para nos lembrar que vivemos em um universo dual.
Começando pelo nosso cérebro que tem dois hemisférios, vivenciamos a luz e a escuridão, temos dois luzeiros principais nos céus - o sol e a lua, sentimos o que é quente e frio, vemos o masculino e feminino, bom e mau, certo e errado, e assim por diante. Eu poderia ficar um par de horas dando exemplos dessa dualidade, mas todos nós conhecemos, vivenciamos e entendemos esse fenômeno.
Essa dualidade é bem representada na carta de tarot da Papisa (La Papesse), que detém o conhecimento (racionalidade) e a intuição (emoção), ela é o princípio binário, seu reino é binário, o que equivale a conflito, no sentido de que há um rompimento da unidade, ou seja, ela deixa explícita toda a dualidade do nosso mundo, nós não vivemos uma unidade, vivemos os dois lados de tudo o que há. O que podemos fazer é um paralelo com o princípio da Polaridade, explícito nas Leis Herméticas. Além disso, o binário corresponde a um conflito no sentido de que é uma etapa dolorosa e imprescindível para a via iniciática, o início da busca por si mesmo.
Isto posto, temos um terceiro aspecto que precisa ser entendido: somos ocidentais. Isso implica que, através de 2 mil anos, sofremos a influência da Igreja Católica Apostólica Romana, que moldou a cultura ocidental a partir das lentes dos seus princípios, dogmas e crenças. De modo que passamos a pensar culturalmente e espiritualmente, através dessa programação. Com o surgimento do Iluminismo, vamos passar a dar ênfase ao pensamento racional. Tudo que não tem explicação racional, passará a ser visto como superstição, paganismo, crendice, etc. Com o movimento do positivismo, as civilizações antigas passaram a ser vistas como atrasadas e antiquadas, mediante o poder tecnológico das civilizações europeias. Sendo assim, falar do mundo espiritual passa a ser visto com deboche, um pensamento retrógrado e atrasado.
Dessa forma, perdemos a noção do que é sagrado e profano. Mircea Eliade diz que o homem precisa se orientar através do tempo, através dos mundos. Para isso, ele cria o calendário para se orientar no tempo. Mas e para nos orientar no mundo oculto? Ele nomeia como "hierofania" a revelação do sobrenatural - aquilo que não pode ser entendido a partir do nosso cérebro racional - dentro da nossa realidade ordinária - o mundo material. Quando isso acontece, é uma manifestação do sagrado.
Esse conceito de hierofania, pode também ser visualizado através da lâmina do tarot O Hierofante. Ele representa a espiritualidade, a conexão do homem com o sagrado, o invisível, ele é o mestre interior. Essa hierofania é transmitida às gerações através da tradição oral, pelos mitos - que são uma tentativa do homem de contar uma história da sua relação pessoal com o sagrado.
Perdemos a capacidade de entender esse simbolismo, as coisas profundas, que dependem do nosso cérebro emocional, da nossa intuição, ou seja, aquilo que não pode ser explicado através da racionalidade. Perdemos isso porque as hierofanias começaram a ser vistas como coisas do diabo, superstição, crendice, magia, coisas ruins.
Nós fomos colocados em caixinhas, recebemos uma programação da sociedade, dos nossos pais, escola, família, amigos. Não somos treinados a olhar para dentro de nós e entender quem somos, quais nossas qualidades, contradições, ambiguidades, vontades, desejos, necessidades, e a abrangência da nossa personalidade.
Em essência, o autoconhecimento serve para que possamos superar o processo de coletivização, superar o processo de homogeneização da sociedade, superar o que os nossos pais, religião, escola, familiares fizeram de nós, para conseguirmos nos tornar nossa essência e natureza, para vivenciarmos nossa totalidade. Saber nossa sombra e nossa luz, perceber e integrar o masculino e feminino dentro de nós. Aceitar quem você é com todos os seus defeitos e limitações.
Um segundo ponto pelo qual o autoconhecimento é importante, é porque tudo o que temos consciência podemos manifestar livre arbítrio, aquilo que não sabemos, que permanece na ignorância, se torna o nosso destino, porque não enfrentamos isso. É preciso enfrentar as nossas dificuldades e fraquezas, para que você se torne mais forte, para que se torne senhor do seu destino, para que você desenvolva conscientemente o que está enfraquecido dentro de você.
Além disso, quando você começa a se conhecer em sua totalidade, e se depara com seus demônios, suas características ruins, projeções, preconceitos, você tem a oportunidade de transmutar essas características que não são bem aceitas por você.
O autoconhecimento envolve iluminar suas sombras, é navegar na noite escura da alma, é um processo íntimo e doloroso.
Envolve nos despirmos de todas as máscaras que vamos acumulando para as diversas situações ao longo do tempo, o que vai nos iludindo e nos atrapalhando. Quanto mais você conhecer os seus disfarces e as mentiras que você conta para você mesmo, maior será a sua clareza na vida. E com maior clareza, mais fácil é você estabelecer objetivos e direcionar melhor sua vida.
O que você acha mais difícil sobre o autoconhecimento? Me conta aqui nos comentários. Sua opinião é importante!