Once upon a time em Liverpool
Jornal do Luxemburgo

Once upon a time em Liverpool

É a tal pequena fronteira que existe entre não se ser incompetente e ter-se falhas pontuais. Acontece que, para se eliminar o Liverpool, é necessário estar no limite. Constantemente no limite. E estar no limite significa reduzir ao resíduo, ou mesmo eliminar, todas as falhas pontuais. Sabendo-se do poderio do Liverpool, é a única forma de se seguir em frente.

Se o F.C.Porto viu os jogos do Liverpool, também é certo que o Liverpool viu muitos jogos do F.C.Porto. E encontrou várias debilidades. Desde logo o primeiro golo, cujo desenho é em tudo semelhante ao do golo do Rafa, no Dragão. O F.C.Porto é permeável a situações de entrada pela ala e posterior serviço à zona central em posição de remate frontal. Se com Herrera as coisas teriam sido diferentes? Provavelmente. O mexicano é muito mais astuto em termos de transição defensiva e, em vez da dita prensa, talvez o remate nem sequer se tivesse realizado. Mas são tudo suposições.

Seja como for, a principal característica do Liverpool é a sua monumental reacção à perda. Assim que perde a bola, toda a equipa abafa o adversário, tornando o campo extraordinariamente pequeno para quem recupera a bola. Tal é resultado de muitas horas de treino e de um conjunto de jogadores que aliam a capacidade física à capacidade técnica. Dizer-se que o Liverpool é uma das três melhores equipas do mundo não é uma ilusão. É mesmo uma constatação muito pouco discutível.

Voltando ao início, o F.C.Porto até que nem jogou mal. E surpreendeu o Liverpool. Pelo arrojo, pela vontade em jogar alto e em cima do adversário. Os dragões apresentaram-se com Maxi Pereira colado a Felipe e Militão, compondo um linha de três na defensiva e exponenciando dois falsos laterais – Alex Telles e Corona – referidos como verdadeiros alas. Corona do lado direito, sempre com apoio próximo de Otávio, procurava ferir o lado esquerdo da defesa inglesa, que não tinha Robertson, o habitual lateral titular. Os dragões procuravam desequilibrar por aí e, em diagonal, servir Marega do lado contrário. De facto, se o Liverpool é a melhor equipa do mundo ao nível da reação à perda, também Marega será dos melhores do mundo no campo das transições. Impressionante força, velocidade, capacidade de exploração de profundidade e a quem só falta um pouco mais de técnica para fazer a diferença.

A quem faltou um pouco mais foi a Alex Telles. Se por um lado tenho criticado o brasileiro por entender que explora pouco as zonas centrais do terreno, por outro também lhe reconheço uma enorme competência na exploração da faixa e do cruzamento. Nessa lógica, e tendo em conta a presença de três homens na zona defensiva central, parecia não haver outra solução senão a de colocar Alex Telles, mesmo debilitado, em campo. Faltou foi um pouco mais de miolo. O cenário não era fácil, sobretudo devido à tal monumental reação à perda que já mencionei. O Porto para estar mais perto das meias-finais tinha de marcar em Anfield Road, e os riscos finais foram dados em 4x4x2, com Fernando Alexandre a juntar-se a Marega na dianteira.

O que não se se entende, de facto, é a não expulsão de Salah após aquela entrada assassina a Danilo Pereira. De pé em riste, à canela, jogo perigoso assumido. Não se entende numa altura em que a Liga dos Campeões se faz com VAR, que deveria servir para anular situações destas e punir quem entrou daquela forma agressiva e maldosa. Porque ninguém duvida da justiça do vencedor. Nada disso. Agora sem Salah o Liverpool perderia muitos dos seus movimentos interiores, da sua capacidade de desequilíbrio em 1x1 e seria quase que obrigado a jogar mais recuado no Dragão. Não foi justo.

Não há prémios de consolação. O F.C.Porto está mais próximo de ser eliminado do que de se qualificar. Faltou, quanto a mim, um pouco mais de clarividência em termos de organização ofensiva, sobretudo capacidade dos médios em saírem rapidamente e em transição da pressão asfixiante. Os dragões vão ficar melhores com Herrera. Será o grande reforço de uma segunda mão em que se torce para o lado do ilógico. Porque também, na temporada passada, ninguém percebeu de que forma a Roma eliminou o Barcelona. Seja como for haja azar. Estou convencido que ao F.C.Porto calhou o pior adversário que podia ter calhado: o Liverpool. Que deveria ter vencido a Liga dos Campeões da temporada passada e que julgo poderá vencer esta temporada. Fortíssimos. Acima de todos os outros. Que grande equipa construiu Jurgen Klopp!

Miguel Nicolau 🔷

NDC - Nicolau da Costa Engenharia

5 a

Excelente artigo Gil!

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