Operação Loki e Eficiência Tributária: Uma Análise Jurídica
Em julho de 2024, o Governo do Estado de São Paulo deu início à Operação Loki, a qual trouxe à tona uma discussão relevante sobre eficiência tributária e planejamento sucessório, visto que seu objetivo é justamente identificar possíveis simulações de compra e venda destinadas a mascarar doações de cotas de empresas, evitando assim o pagamento do ITCMD devido ao Estado.
Referido imposto, previsto no artigo 155 da Constituição Federal e regulamentado entre os artigos 33 e 45 do Código Tributário Nacional, tem as alíquotas e formas de cobrança definidas pelos estados, com legislação elaborada e votada nas Assembleias Legislativas de cada unidade federativa e visa tributação das operações relativas a transmissão causa mortis e de doação de quaisquer bens ou direitos.
A Operação Loki, nomeada em alusão ao deus da trapaça na mitologia nórdica, iniciada pela Secretaria da Fazenda e Planejamento do Estado de São Paulo (SEFAZ/SP) enviou notificações a contribuintes por falta de pagamento do ITCMD em operações realizadas em 2020, convidando-os à autorregularização, sem configurar ainda uma autuação formal ou início de ação fiscal. No entanto, a fiscalização deverá se estender para os anos subsequentes até o final de 2026.
Visando justamente a regularização destas operações imobiliárias a SEFAZ/SP realiza o cruzamento dos dados disponíveis com os da Junta Comercial e da Receita Federal, com o escopo de analisar indícios de grau de parentesco entre sócios participantes da operação, a falta de declarações de ITCMD a respeito da respectiva operação, a falta de patrimônio do adquirente para arcar com a aquisição das participações societárias e o preço de venda muito abaixo ao de mercado (inclusive valor patrimonial das cotas).
Ou seja, os contribuintes notificados são aqueles que realizaram planejamentos sucessórios supostamente simulando a venda de cotas ou ações de empresas para transmitir heranças de forma disfarçada, evitando assim o pagamento adequado do ITCMD. Contudo, muitos buscam na criação de uma holding uma alternativa para controlar e administrar o patrimônio familiar, com o objetivo principal de alcançar eficiência tributária.
E justamente pela iniciativa de muitos contribuintes em tão somente obter a eficiência tributária dentro dos limites concedidos pela legislação é que, em recentes decisões, o Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo tem se posicionado em favor dos contribuintes, decidindo que as operações ditas suspeitas pela SEFAS/SP referiam-se a contratos de compra e venda onerosos, e não a doações sujeitas a ITCMD, mesmo quando o valor adotado no negócio jurídico foi abaixo do entendido como negocial para a SEFAZ/SP (Apelação Cível nº 1000353-04.2023.8.26.0168 e da Apelação Cível nº 1001299-20.2023.8.26.0024).
“APELAÇÃO. Imposto sobre Transmissão “Causa Mortis” e Doações de Quaisquer Bens e Direitos - ITCMD. Ação Anulatória. Fisco que atribui para as quotas sociais transmitidas o valor de mercado. Artigo 14, §3º, da Lei Estadual nº 10.705/00 que prescreve que referido tributo deve ser recolhido sobre o valor patrimonial contábil daqueles bens. Inexistência de prova de doação simulada. Sentença de procedência que merece ser mantida. Honorários Advocatícios Aplicação do Tema 1.076 do STJ à espécie. RECURSO DA FAZENDA DESPROVIDO, ACOLHIDO O APELO DO PATRONO DO AUTOR.”
(Apelação Cível nº 1000353-04.2023.8.26.0168, 11ª Câmara de Direito Público, Juiz de Direito: Marcus Frazão Frota, Voto nº 3622, Desembargador Relator: Márcio Kammer de Lima, data de julgamento: 26/03/2024, Data de Publicação: 02/04/2024)
“APELAÇÃO - Ação anulatória de débito fiscal - Escopo de anulação de auto de infração e imposição de multa – ITCMD - Quotas de Capital de Sociedade Limitada - Alegação do autor de transferência onerosa de quotas do capital da empresa e não doação - AIIM lavrado no pressuposto de doação, porquanto ocorreu cessão das quotas por valor inferior ao de mercado - Prova documental comprobatória da transferência onerosa das quotas - Aquisição de quotas de sociedade - Pressuposto fático da ocorrência da transferência patrimonial, por doação, não confirmado – Exação tributária indevida - Inexigibilidade do crédito fiscal Base de cálculo do ITCMD, em caso de doação que deverá ser o valor patrimonial das quotas (valor contábil) e não o valor de mercado, nos termos do disposto no art. 14, § 3º, da Lei Estadual nº 10.705/00 -Precedentes desta Corte - Sentença mantida RECURSODESPROVIDO.”
(Apelação Cível nº 1001299-20.2023.8.26.0024, 1ª Câmara de Direito Público, Voto nº 27.597, Desembargador Relator: Vicente de Abreu Amadei, data de julgamento: 13/05/2024, Data de Publicação: 22/05/2024)
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Assim, a questão central aqui é a utilização inteligente de holdings como ferramenta para organização patrimonial e planejamento sucessório, permitindo a concentração de investimentos de pessoas físicas ou jurídicas, protegendo, dessa forma, o patrimônio com regras especiais.
No entanto, é preciso ter cautela para que essa estratégia não seja interpretada como uma tentativa de evasão fiscal, visto que para a SEFAZ/SP, a venda de cotas para herdeiros não pode ocorrer por um valor inferior ao patrimônio líquido ou patrimonial da holding. Quando isso ocorre, a Secretaria entende que há uma simulação do negócio jurídico, configurando uma doação disfarçada de contrato de compra e venda.
O que se percebe é um jogo de xadrez entre o fisco e os contribuintes, sendo que de um lado, o governo estadual busca aumentar a arrecadação e combater possíveis fraudes fiscais e de outro, os contribuintes buscam maneiras legais de proteger seu patrimônio e minimizar a carga tributária brasileira.
E a Operação Loki trouxe ao debate a necessidade de um debate mais amplo sobre a eficiência do sistema tributário brasileiro, haja vista que a complexidade das regras fiscais muitas vezes leva a interpretações divergentes e a disputas judiciais. É preciso buscar um equilíbrio entre a necessidade de arrecadação do Estado e o direito do contribuinte de planejar seus negócios da maneira mais eficiente possível.
Portanto, importante mencionar que o planejamento tributário é um direito do contribuinte, desde que realizado dentro dos limites da lei. A utilização de holdings para organização patrimonial e planejamento sucessório é uma estratégia legal e amplamente utilizada e que não necessariamente visa qualquer tentativa de simulação ou fraude para evitar o pagamento de impostos, o que de fato deve ser combatido.
A holding patrimonial, por conseguinte, pode ser constituída sob a forma de sociedade limitada ou por ações e pode ser classificada como (i) Pura, modalidade de administra bens e direitos do seu titular, sem exercer atividade produtiva, (ii) de Participações, modalidade que objetiva participação em outras empresas, seja para controla-las ou para obtenção de rendimentos, (ii) Mista, modalidade que possui atividades secundárias, além da administração patrimonial, ou (iii) Familiar, modalidade voltada à administração do patrimônio familiar, protegendo em face de problemas cotidianos, como conflitos familiares, separações e falecimentos, entre outros.
Dessa forma, além de possibilitar uma redução da carga tributária, a proteção patrimonial através da constituição de uma holding constitui uma medida preventiva e eficaz contra futuros credores e riscos empresariais, aperfeiçoando a gestão de ativos e resguardando as atividades econômicas e os problemas familiares, sendo considerada uma ferramenta valiosa na organização patrimonial e no planejamento sucessório, desde que realizada de maneira transparente e legal.
Igor Wolkoff é advogado atuante nas áreas Trabalhista, Empresarial e Contratos. Possui especialização em Direito e Processo do Trabalho pela Faculdade Cândido Mendes e MBA em Direito Empresarial pela FGV.
Ricardo Jorge Velloso é sócio fundador do Velloso Advogados Associados e é advogado atuante nas áreas de Infraestrutura, Imobiliário, Constitucional e Ambiental. Possui especialização em Direito Processual Civil pela PUC Campinas e especialização em Direito Administrativo e Constitucional pela PUC Campinas.
LinkedIn Real Estate Top Voice | Especialista em Terrenos (áreas, glebas fazendas) para Incorporação, Construção, Loteamento, Comércio de Grande Porte e Indústria | Especialista no Mercado Imobiliário e Construção Civil
4 m.
Desapropriações, servidões administrativas, infraestrutura
4 m👏👏 parabéns, texto explicativo de forma clara e objetiva