Oportunidade, às vezes só tem uma!
Todo trabalhador faz uma ou várias pequenas pausas durante o expediente, por necessidades diversas. Mas quem trabalha em emissora de TV tem alguns bônus impagáveis na hora da paradinha para reabastecer a alma!
Ao longo de quase vinte anos na mesma empresa fiz minhas pequenas pausas para ver e ouvir (ao vivo e ali ao lado) O Rappa, Charles Aznavour, Tony Bennett, Capital Inicial, Nando Reis, Roberto Carlos, Victor e Léo, Laura Pausini e alguns tantos que nem me lembro.
Praticamente virou rotina. Quando chego ao trabalho dou uma passadinha na porta do estúdio pra checar a hora de ensaio e de gravação. Quando gosto do cardápio, dou uma “passadinha” no estúdio em vez de parar pra tomar café ou fumar (coisa que eu não faço nunca).
O ensaio é sempre mais bacana. Como estudante de música, gosto de ver os bastidores da afinação dos instrumentos, de testemunhar o nascimento de um arranjo de última hora, de descobrir uma parceria improvável. Tudo temperado pelo descompromisso de não ser o show, propriamente dito.
E como a minha paixão por música tem sido recompensada! Meu marido é diretor de TV de shows que já entraram para a história. Quem mais poderia transmitir especialmente pra mim -- ao vivo e pelo celular -- um ensaio de sir Paul McCartney em Porto Alegre? Tá certo que logo um segurança tratou de arrancar o aparelho da mão dele. Mas eu ouvi uns bons 2 minutos.
Com ele passeei em bastidores de festivais e shows inesquecíveis, sempre de ângulos privilegiados. Como a apresentação “banquinho e violão” de Roberto Carlos numa praia de Copacabana lotada e completamente em silêncio. Uma serenata do Rei para um milhão de pessoas.
Hoje eu corro mesmo atrás das oportunidades de ouvir e fazer o que gosto, de dizer o que precisa ser dito, de desfrutar a companhia de quem me faz bem por que já não tenho mais tempo a perder.
Como já perdi.
O ano era de 2006.
O U2 tinha acabado de chegar para shows no Estádio do Morumbi onde reuniria 70 mil pessoas em torno de suas mensagens pacifistas e engajadas.
A banda ficou hospedada no Grand Hyatt, a uma distância de um estacionamento do meu local de trabalho. Não tinha conseguido comprar ingresso para o show, mas ficava de olho nas janelas do hotel para ver se o Bono dava um tchau.
Veio o domingo e eu na firma de plantão. O ânimo era daqueles que só quem tem que trabalhar num domingo de verão sabe como é. Passei a tarde contando as horas, pensando na pizza, na rede na varanda de casa, na TV a cabo, no cachorro, no gato, na segunda-feira que já estava bem aí.
Quando o relógio marcou o fim do expediente, sai correndo – literalmente – olhando para o chão... pra não tropeçar. O único som no ar era do meu salto alto no piso duro. Só olhei pra frente quando estava a dois passos da catraca.
E sente só o meu espanto!
No sentindo contrário vinha Bono Vox com seus indefectíveis óculos e chapéu de cowboy ao lado de The Edge, com sua badana na cabeça.
Passamos ao mesmo tempo na catraca: eu saindo, eles entrando. Dava pra sentir a respiração, olhei nos olhos dele por trás dos óculos de lentes lilás. Notei dois brincos de argola.
E não diminui o passo, nem falei nada, nem perguntei nada. Ainda não vivíamos a era “sélfica” das vaidades. Acho até que a minha mente nem processou direito que era ele. Era mais um rosto familiar dentro da firma.
Podia ter voltado (depois soube que ele ficaria até tarde na TV para entrar ao vivo no Fantástico), podia ter dito que o admirava mais como político que como bandleader. Podia isso, podia aquilo, podia tudo. Talvez ele fosse tomar um café, comer um pão de queijo na lanchonete...talvez eu ficasse de plantão na porta do camarim.. sei lá.
A história não aceita talvez.
Não fiz nada. Mentalmente paralisada segui para o estacionamento, peguei meu carro e fui pra casa comer pizza margherita.
Isso aconteceu tem mais de uma década. E lembro sempre disso, não só agora que a banda vai voltar a São Paulo, não.
Esse domingo de 2006 me ensinou muita coisa. Aprendi que as oportunidades são únicas e que alguns momentos jamais, jamais vão se repetir.
A vida é agora.
Eu deixei o Bono escapar das minhas mãos por uma inércia mental súbita.
Mas foi só essa vez.