Os 2 lados do mesmo Altar

Os 2 lados do mesmo Altar

A facada em Bolsonaro cortou mais do que a carne do ex-capitão ou a dignidade da democracia brasileira. O ato tresloucado deixou o processo eleitoral brasileiro numa posição inédita. Talvez seja a primeira vez que tenhamos 2 “candidatos” messiânicos na disputa e precisaremos olhar com cuidado como a razão política vai conseguir sobreviver ou se adaptar.

Candidatos com essa postura mítica são comuns na política brasileira. Getúlio, o pai dos pobres, Collor, o caçador de Marajás, Juscelino, o pai do desenvolvimento brasileiro, Brizola e o socialismo moreno. Em todos esses casos, a imagem vendeu bem mais do que o conteúdo. Esses senhores vestiam personagens e imagens que iam muito além da sua “humanidade” e suas ideias.

Não que os outros políticos não criem imagens para competir. O Marketing político está aí para garantir a cada um o seu quinhão de escudo midiático. Afinal, vivemos num mundo de imagens e, numa pequena digressão filosófica, as imagens são criadas para ajudar a explicar o mundo, mas se tornam obstáculos entre o homem e o mundo, ou sejam, ajudam a embaralhar.

Lula é um outro caso de produção de imagem forte. O homem do povo que superou os poderosos para transformar o Brasil. Só ele conhecia as agruras do povo, só ele conhecia os rincões desse país. Pois bem, em 2018 Lula, mesmo não sendo candidato, era a presença mais marcante do pleito até o atentado. Desde a decretação de sua prisão, ele e o PT criaram uma “via Crucis” para Luiz Inácio. Os eventos pré-cadeia, a ida para Curitiba, a vigília dos militantes, o lançamento da chapa, a visitação dos companheiros, a insistência em recursos que já se sabiam derrotados. Lula foi vitimizado para poder, no último instante, ressuscitar no corpo de Fernando Haddad e ungi-lo com a aura de representante do homem e a chance de se vingar a democracia ferida pelo impeachment.

No lado oposto, a eleição já tinha Jair Bolsonaro, o representante de um conservadorismo que tinha perdido a vergonha e deixado de brincar de centro. As manifestações pró-impeachment abriram a porta para que essa parcela relevante da sociedade brasileira pudesse sair de um véu onde tinha permanecido desde o fim da ditadura militar. E, Bolsonaro, era o representante perfeito. Ex-militar, político de discurso forte e polêmico que “combatia” os inimigos. Foi elevado a candidato da nova política mesmo tendo uma carreira parlamentar de mais de 20 anos (faz parte do sistema há mais tempo que outros candidatos ditos “tradicionais”). Era o libertador contra a opressão do petismo esquerdopata e totalizante.

Disparou nas pesquisas. Era o mais bem colocado entre os candidatos viáveis (perdia para Lula está impedido de competir). Mas esse discurso conservador e até em alguns momentos agressivo contra minorias espantava parte importante do eleitorado possível dele. É o contigente que fica no centro e vai para a direita ou para a esquerda conforme a conveniência. Bolsonaro era o líder que perderia para todos no segundo turno. Vale lembrar que entre os motivos da vitória de Lula em 2002, está a escolha de um vice empresário e conservador e o aceno que fez ao mercado como o candidato que mudaria tudo sem mudar o modo como se ganhava dinheiro. Atitudes que o deixaram viável para esse eleitor de centro.

Nesse cenário, de liderança sem futuro de Bolsonaro, surge Adélio, o esfaqueador na multidão. Ao furar o seu desafeto, jogou a unção que faltava a Bolsonaro. Carregado no meio do povo, de braços abertos, sofrendo com dores, o polêmico candidato acabava de ser crucificado. Bolsonaro nem tinha entrado na sala de cirurgia e os filhos e colegas de campanha já tinham iniciado o discurso. Ele era o mártir que sobreviveria à morte para fazer a nossa redenção e livrar o Brasil dos infiéis petralhas.

 As cartas foram quase todas postas à mesa. Falta apenas a cartada final de Lula – o dia da unção de Haddad -, o que deve ocorrer na próxima semana. Teremos, então, 2 candidatos místicos. A esquerda, o ungido pelo pai para salvar a democracia brasileira; a direita, o mártir que vai livrar o Brasil da polarização e dos males da corrupção. E esse quadro é ainda mais perigoso para o país porque exacerba ainda mais a irracionalidade do pleito. Não são precisos propostas e posicionamentos claros sobre as questões que afligem o povo. Basta apenas a mão forte de um desses Salvadores da Pátria. E, seja qual for o resultado, o Brasil seguirá dividido entre o Céu e o Inferno, o que já aconteceria desde o impeachment, mas que agora tende a ser mais radical.


 

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