Os Barões Ladrões


Os sucessivos e intermináveis escândalos de corrupção a que diariamente assistimos passam a impressão de que o Brasil, além de ser uma terra abençoada por Deus, seria também um paraíso mundial da corrupção. No mundo inteiro sempre houve muitos corruptos; a diferença é que em certos lugares eles são alcançados pela lei e exemplarmente punidos.

         A expressão “barões ladrões” origina-se dos Estados Unidos, especificamente de um capítulo de sua história, recheado de muita imaginação, intrigas, mistérios, golpes, corrupção, imensas fortunas, etc. Após a Guerra Civil (1861-1865), os Estados Unidos assistiram à ascensão de uma nova classe de homens arrojados e empreendedores, que em pouco tempo ficariam riquíssimos; hoje, seriam bilionários.

         Eram empresários que atuavam em diversos setores, todos estratégicos e vitais para o crescimento do país: ferrovias, portos, petróleo, mineração, aço, bancos, navegação marítima, entre outros. Com o tempo, passaram a ser chamados de “barões ladrões” (robber barons, em inglês), devido ao assombroso crescimento de suas fortunas, havidas por métodos nada ortodoxos, para dizer o mínimo.

         Por meio de esquemas combinados com políticos e autoridades governamentais, esses empresários conseguiam montar verdadeiros monopólios de seus negócios. Para isso, valia tudo: a aniquilação da concorrência, muito suborno, corrupção, picaretagem, chantagem, altos índices de sonegação de impostos, exploração dos empregados, violência física, etc.

         A partir daí, passavam a impor suas próprias regras, impondo os preços e as quantidades a serem fornecidas ou adquiridas; enfim, assumiam o controle total dos mercados, e, dessa forma, viam seus lucros aumentar de forma incalculável. Daí vinha a origem das fortunas tão imensas, que perduram até os dias de hoje. Consta que, para isso, muito dinheiro foi gasto com propinas aos parlamentares, para que aprovassem leis que favorecessem os seus negócios, quando não mesmo garantissem o próprio monopólio.

         Por exemplo, um único empresário tinha o controle de praticamente todo o serviço ferroviário norte-americano, cuja malha rasgava o imenso território, de leste a oeste. Sem concorrência, o detentor desse monopólio impunha um alto valor para as passagens e os fretes. E assim, ocorria com a exploração do petróleo, da rede bancária, cujo controle era exercido por um pequeno grupo de empresários. No auge do poder, o empresário J. P. Morgan (1837-1913) participava de 48 diretorias de empresas.

Um aspecto muito deplorável, que favorecia o espantoso enriquecimento dos “barões ladrões”, estava ligado à exploração dos trabalhadores. Como ainda não havia leis trabalhistas, as condições de trabalho eram bastante precárias, numa época em que, além de haver muito desemprego, não parava de chegar imigrantes da Europa. Diante desse quadro, os empresários tinham absoluta liberdade para praticar todo tipo de exploração de seus empregados que, sem opção, resignavam-se a cumprir jornadas de até 72 horas por semana, em condições extremamente inseguras, e recebendo salários irrisórios.

Consta que milhares de trabalhadores perderam a vida durante a abertura das estradas de ferro, um serviço brutal, muito perigoso e que favorecia a ocorrência de acidentes graves. Esses fatos colaboraram muito para que a imagem daqueles empresários ficasse definitivamente comprometida, pois todo mundo sabia que a origem daquela riqueza assentava-se na exploração dos empregados, na corrupção de políticos e autoridades, no favorecimento pessoal, na rapinagem, etc. Representavam, na verdade, tudo o que havia de mais antiético, para não dizer criminoso, mesmo.

Entretanto, com o tempo, todos providenciaram uma mudança radical no perfil de sua reputação. Por meio de seguidos e polpudos atos de filantropia e caridade, que incluíam doações de milhões de dólares para hospitais, escolas, asilos, entre outros, a reputação dos “barões ladrões” adquiriu um aspecto de alta respeitabilidade e elevada nobreza. Fundaram museus, universidades, colégios e hospitais para o povo; a partir de então, aqueles empresários, outrora inescrupulosos e gananciosos, passaram à condição de homens justos, generosos e tementes a Deus.

Um dos mais famosos “barões”, o banqueiro Andrew Mellon (1855-1937), que também foi secretário do Tesouro dos Estados Unidos, para se livrar de uma acusação de sonegação fiscal, doou um soma descomunal para o governo americano, suficiente para a construção de um dos maiores museus do mundo, a National Gallery of Art, na capital, Washington, DC. De quebra, doou também um acervo de quadros e esculturas de valor incalculável. Só para se ter uma ideia, apenas uma das telas doadas – a magnífica “A Anunciação”, do pintor holandês Jan van Eyck (1390-1441) – valia por uma coleção inteira.

Hoje, aqueles “barões ladrões” são coisas do passado, mas seus descendentes constituem as famílias mais distintas dos Estados Unidos. Muitos livros e revistas especializadas retratam os “barões ladrões” como exímios empreendedores, que muito contribuíram para o progresso e o desenvolvimento sem precedentes que ocorreram nos Estados Unidos.

Até no Brasil estenderam suas garras. Em 1904, o megaempresário americano Percival Farqhuar (1864-1953) iniciou um avanço que resultou no controle de grande parte das ferrovias brasileiras da época, e participou de um trágico e curioso empreendimento: a construção da "Ferrovia Madeira-Mamoré". Vale aqui ressaltar que, apesar de tudo, a época dos “barões ladrões” proporcionou o maior surto de crescimento econômico havido nos Estados Unidos.

Enquanto isso, por aqui, ainda estamos às voltas com a rapinagem deslavada dos “mensalões” e “petrolões” da vida. Ademais, os “nossos ladrões” nunca chegaram ser barões, pois, ao que tudo indica, pouco ou nada proporcionaram de positivo para o país.


João Francisco Neto - mestre e doutor em Direito Econômico e Financeiro (Faculdade de Direito da USP) - jfrancis@usp.br

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