Os cuidados necessários com as senhas pessoais e o perigo do empréstimo consignado realizado em caixas eletrônicos
O Brasil envelheceu. Na década de 60, possuía pouco mais de 3 milhões de idosos. Em 2010, já eram quase 20 milhões. Somados a isso, a chamada “melhor idade” possui atualmente uma expectativa de vida acima de 74 anos. Em face disso, novos nichos de mercado foram criados para atender esta faixa etária, e aí que entra o tema do referido artigo: os cuidados necessários com as senhas pessoais e o perigo do empréstimo consignado realizado em caixas eletrônicos.
O objetivo principal deste texto é esclarecer e alertar aposentados, pensionistas e cuidadores de idosos em geral. Sendo assim utilizarei, quando possível, de expressões mais claras e objetivas, fugindo do famoso “juridiquês”, que tanto afasta o leitor comum de textos jurídicos.
Em meados de 2014 minha sogra, aposentada e de baixa instrução, foi vítima de um golpe dentro de uma grande rede varejista de roupas. Enquanto uma golpista distraia a pobre senhora, outra, pelas suas costas, furtava todos os itens de sua bolsa.
A idosa logo percebeu o golpe (sua bolsa ficou mais leve), tomando quase que de imediato todas as providências possíveis: registrou boletim de ocorrência, informou ao banco o ocorrido e cancelou seus cartões. Infelizmente iniciava-se um verdadeiro inferno em sua vida que teve término faz apenas poucos dias...
Como muitos devem saber, existe uma grande parcela de idosos que não possuem grande intimidade com a tecnologia e necessitam de ajuda, por exemplo, para realizar saques em terminais de autoatendimento bancário. Neste mundo cibernético cheio de senhas, chaves de acessos e códigos fornecidos à população, é muito comum que o aposentado (e não só ele, diga-se de passagem) realize a anotação de suas senhas e leve consigo em carteiras e bolsas. Foi o que aconteceu com a minha sogra...
De posse dos cartões, documentos pessoais e senhas, as bandidas realizaram uma verdadeira “limpa” na idosa: Saques no caixa eletrônico, compras no cartão de crédito e um empréstimo consignado, via terminal, de quase R$8.000,00!!!
E esta aí o grande absurdo deste caso: O empréstimo consignado realizado em caixa eletrônico.
No caso da minha sogra, tentei administrativamente resolver o problemas mas os bancos foram relutantes, alegando que a idosa estava errada em portar sua senha pessoal na bolsa, sendo sua a culpa exclusiva no êxito dos bandidos em conseguir realizar saques, compras no cartão de crédito e empréstimos.
Bem, em minha opinião pessoal (e de centenas de julgados por todo o país) as instituições bancárias estão equivocadas neste entendimento e demonstrarei meu ponto de vista à seguir.
A instrução normativa inss/pres n. 28 de 16 de Maio de 2008 (com alteração de seu artigo 3 e 17 pelo instrução normativa inss/pres n. 39 de 18 de junho de 2009) estabelece critérios e procedimentos operacionais relativos à consignação de descontos para pagamento de empréstimos e cartão de crédito, contraídos nos benefícios da Previdência Social.
Verifica-se em seu artigo 3 do referido regulamento:
Art. 3º Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão por morte, pagos pela Previdência Social, poderão autorizar o desconto no respectivo benefício dos valores referentes ao pagamento de empréstimo pessoal e cartão de crédito concedidos por instituições financeiras, desde que:
I - o empréstimo seja realizado com instituição financeira que tenha celebrado convênio com o INSS/Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social - Dataprev, para esse fim;
II - mediante contrato firmado e assinado com apresentação do documento de identidade e/ou Carteira Nacional de Habilitação - CNH, e Cadastro de Pessoa Física - CPF, junto com a autorização de consignação assinada, prevista no convênio;
e
III - a autorização seja dada de forma expressa, por escrito ou por meio eletrônico e em caráter irrevogável e irretratável, não sendo aceita autorização dada por telefone e nem a gravação de voz reconhecida como meio de prova de ocorrência.
Sendo assim, existe manifesta falha na prestação de serviço bancária ao autorizar empréstimos consignados via caixa eletrônico, sem a apresentação dos documentos pessoais e assinatura do presente contrato, facilitando e fomentando a aplicação de golpes.
Sobre o tema, o próprio INSS já se manifestou alegando sua profunda preocupação na facilitação do crédito ao aposentado sem as formalidades previstas em lei:
“ Os titulares de benefícios de aposentadoria e pensão do RGPS poderão autorizar a contratação de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil, e, “ de forma irrevogável e irretratável que a instituição financeira na qual recebam seus benefícios retenha, para fins de amortização, valores referentes ao pagamento mensal de empréstimos, financiamentos e operações de arrendamento mercantil por elas concedidos, quando previstos em contrato,nas condições estabelecidas em regulamentos, observadas as normas editadas pelo INSSS (in Cláudia Salles Vilela Vianna, “ Previdência Social – Custeio e Benefícios”. Ed. Ltd, 2005 p. 533).
A possibilidade de realização de empréstimos mediante consignação nos benefícios pagos pelo INSS representa hoje um importante instrumento social, que permite aos beneficiários da Previdência contrair empréstimos a baixos juros para satisfação de suas necessidades, tendo vários gentes financeiros demonstrado interesse em face das garantias que tal forma de empréstimo oferece e foram regularmente cadastrados pelo Instituto Nacional do Seguro Social – INSS – com seus dados e atos constitutivos registrados pela DATAPREV
.Ainda assim, tal procedimento,em que pese representar uma facilidade para que os segurados disponham de melhor acesso aos bens de consumo, está sendo utilizado de forma indevida por alguns agentes que não tomam as cautelas necessárias à contratação.
Sobre o tema em questão apresento interessante acordão:
DIREITO CIVIL - REPARAÇÃO DE DANOS - CONTRATO BANCÁRIO- CAIXA ELETRÔNICO DE AUTOATENDIMENTO - REGULARIDADE DO NEGÓCIO - DEMONSTRAÇÃO INVERIFICADA - EMPRÉSTIMO CONSIGNADO - ORIGEM FRAUDULENTA - EFEITOS. Incumbe à instituição financeira velar pela segurança dos consumidores usuários de seus serviços, devendo amargar a ineficácia do contrato de empréstimo consignado contraído em terminal de caixa eletrônico através de cartão magnético e correspondente senha de uso pessoal quando a contratação, negada pelo autor, não foi regularmente provada. Aplicação dos artigos 333 , II , do CPC e 14 , do Código de Defesa do Consumidor . A dedução irregular de parcela decorrente de contrato fraudulento sobre benefício assistencial denota ilícito deflagrador de danos morais e materiais. Recurso provido.(TJMG - AC: 10145120248318001 MG, Relator: Saldanha da Fonseca, Data de Julgamento: 03/04/2013, Câmaras Cíveis / 12ª CÂMARA CÍVEL, Data de Publicação: 15/04/2013)
No acordão acima citado, o ilustre Relator, Exmo Dr. Desembargador Saldanha da Gama apresenta em seu voto verdadeira aula sobre o tema, tecendo brilhante reflexão sobre a vulnerabilidade do empréstimo consignado em caixas eletrônicos, com manifesta falta de segurança em seu sistema, acarretando em falha na prestação de serviço ofertada:
“ Na espécie, e não desconhecendo o caráter pouco incomum da atuação de falsários junto às instituições financeiras a quem, enquanto destinatárias de proveito econômico direto, incumbe mesmo proteger seus clientes de eventuais fraudes, furtos e roubos, tenho pela caracterização da responsabilidade do réu, ainda que assim o mesmo não compreenda.
É que a oferta de serviços, neste caso através de caixas eletrônicos de auto-atendimento, certamente disponibilizados pela instituição financeira no afã de proporcionar maior comodidade para seus clientes, menos demanda de mão-de-obra,e, por óbvio, maior lucratividade, deve estar suficientemente aparelhada para que possa, no que respeita aos respectivos usuários, garantir-lhes a necessária segurança.
Destarte, porque a regularidade do negócio não foi demonstrada pelo réu, a quem tocava o encargo probatório, a outra conclusão não se pode chegar senão de que o contrato em foco não foi mesmo celebrado em proveito do autor.
Se o autor, nas dependências do réu, foi vítima da atuação de terceiro, já que a contratação levada a efeito por ato próprio não foi demonstrada, não há dúvida de que o dever empresário atinente à segurança restou falho e, em razão disto, cedeu lugar à responsabilização a que alude a norma consumerista (artigo 14, do CDC). Em situações tais, incumbe ao banco demandado amargar as consequências de sua atuação ineficiente, não se permitindo mesmo que possa transferi-las para o apelante que negou ter firmado o empréstimo que sobre ele pesa.
Tenho, em arremate, que a instituição financeira negligenciou seu dever de segurança ao permitir - ou pelo menos não impedir, a ação nociva de terceiro golpista em desfavor de seu cliente consumidor no âmbito da prestação dos serviços colocados à sua disposição, o que, por óbvio, afasta suposta culpa de terceiro enquanto excludente legal.”
Se não bastasse tudo isso, temos ainda a manifesta falha na prestação de serviço bancária por omissão na busca por métodos mais eficazes de segurança ao usuário.
Explico. Uma importante e eficaz ferramenta de segurança, utilizada por algumas instituições bancárias, é a BIOMETRIA.
Biometria é uma avançada tecnologia de segurança. Com ela é possível fazer a leitura biométrica das veias da palma da mão e da corrente sanguínea ativa, permitindo que somente o correntista tenha acesso à sua conta.
Tal tecnologia parece nova mas foi introduzida em 2007 nas redes bancárias mas, infelizmente, não são todos os terminais e instituições que a utilizam. Se o caixa eletrônico da agência utilizada pelas golpistas possuísse a biometria certamente não conseguiriam realizar o empréstimo consignado que vitimou a minha sogra...
E não é só isso: existe falha na prestação de serviço quando o Banco não monitora as operações realizadas pelo correntista, mapeando se aquela atividade é ou não usual do usuário, conforme verifica-se no acordão abaixo:
APELAÇÃO CÍVEL. NEGÓCIOS JURÍDICOS BANCÁRIOS. AÇÃO INDENIZATORIA. FURTO DE CARTÃO VISA ELECTRON DE PESSOA COM 80 ANOS DE IDADE. SAQUES E COMPRAS EM SEQÜÊNCIA REALIZADOS NO MESMO DIA LOGO APÓS A OCORRÊNCIA DO FURTO E A SUA COMUNICAÇÃO AO BANCO. FRAUDE EVIDENTE.OPERAÇÕES ESTRANHAS AO PERFIL DA CLIENTE E QUE DEVERIAM TER SIDO DETECTADAS PELO SISTEMA. FRAGILIDADE DO CONSUMIDOR IDOSO. RESPONSABILIDADE DA INSTITUIÇÃO FINANCEIRA. DANO MORAL CONFIGURADO. A possibilidade de o saque ter sido efetuado no lapso existente entre o furto e a comunicação ao banco não afasta, no caso concreto, a responsabilidade da instituição financeira. Vulnerabilidade maior de pessoa idosa. Operações, como saques em seqüência, não usuais e que não faziam parte do perfil da cliente. Fraude que configura fortuito interno, porquanto parte do próprio risco do empreendimento e, por isso, previsível e, no mais das vezes, evitável. Dano in re ipsa. Dano vinculado à própria existência do fato ilícito, cujos resultados causadores de ofensa moral à pessoa são presumidos, independendo de prova, portanto. Quantum indenizatório. Quantum indenizatório mantido, pois fixado de acordo com os parâmetros adotados pela Câmara para casos similares. RECURSO IMPROVIDO.(Apelação Cível Nº 70066239492, Décima Segunda Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Guinther Spode, Julgado em 26/11/2015).(TJ-RS - AC: 70066239492 RS, Relator:Guinther Spode, Data de Julgamento: 26/11/2015, Décima Segunda Câmara Cível, Data de Publicação: Diário da Justiça do dia 01/12/2015)
Se faz importante, tratando-se do referido tema , apresentar parte do voto do ilustre Relator, Dr. Desembargador Guinther Spode no acordão acima apresentado, que relata a vulnerabilidade do idoso perante à instituição financeira, assim como a inexistência de culpa exclusiva do consumidor:
“ A autora, na inicial, afirma que, em 06/08/2012, teve furtado seu cartão da conta-corrente do Banrisul/réu e imediatamente teria registrado Boletim de Ocorrência e dirigindo-se à instituição financeira, solicitando cancelamento.
No entanto, foram efetuados saques e empréstimo na mesma data, em agências diversas, fato incomum Incontroversa a ocorrência do furto conforme comprovam as provas carreadas aos autos, ou seja, boletim de ocorrência (fls. 10) e a Declaração de furto formalizada junto ao Banco (fl. 11), em relação à qual não houve impugnação específica, como determina a regra do art. 302 do Código de Processo Civil .
Incontestáveis também os saques de R$ 30,00; R$ 100,00; R$1.170,00; R$ 1.000,00 e compras no valor de R$ 1.000,00 e R$ 1.990,00, todos efetuados no dia 06/08/2012.
Inegável que a parte autora foi vítima de furto, tendo sido os saques impugnados realizados por terceira pessoa, provavelmente pelo suposto autor do crime.
Cumpre ainda trazer à liça o disposto na Súmula 479 que dispõe sobre a responsabilidade das instituições financeiras por danos decorrentes de fortuito interno, a saber:
"As instituições financeiras respondem objetivamente pelos danos gerados por fortuito interno relativo a fraudes e delitos praticados por terceiros no âmbito de operações bancárias".
Logo, a responsabilidade pelos saques fraudulentos, no caso concreto, deve ser atribuída à instituição bancária. Ainda que o saque tivesse sido efetuado no lapso existente entre o furto e a comunicação ao banco não afasta a responsabilidade do réu.
A hipótese caracteriza a alegada falha na prestação do serviço, pela qual deve o fornecedor responder de forma objetiva. Isso porque, ainda que a correntista tivesse a obrigação quanto à correta utilização do cartão magnético,inclusive no que respeita à guarda da respectiva senha e à imediata comunicação ao banco do furto, as circunstâncias do caso revela que o sistema não tem absoluta segurança e não pode a tese suscitada em defesa servir de excludente da responsabilidade.
Releva ponderar que a autora é pessoa idosa (80 anos), razão pela qual não se mostra razoável exigir-lhe o tirocínio e a agilidade que a circunstância demandava. No entanto, tomou todas as cautelas para evitar prejuízos. E quanto às senhas, provavelmente levava anotadas em algum papel dentro da bolsa, ou até mesmo anexada ao cartão, fato pelo qual não pode ser censurada.
Caracterizam o idoso como consumidor de vulnerabilidade agravada, digno de tratamento especial.
Nessa perspectiva, há de se concluir que o ônus de responder pela falta é daquele que mais se beneficia desse sistema, sendo o risco inerente ao negócio, não podendo ser transferido ao consumidor.
Dessa forma, inegável que a ocorrência de fraudes, como no caso concreto, que resultam danos aos consumidores se inserem na categoria do fortuito interno, porquanto fazem parte do próprio risco do negócio e, por isso mesmo, previsíveis e, no mais das vezes, evitáveis.
Ou seja, para que se possa falar em exclusão da responsabilidade do fornecedor, importa que o fato da vítima seja a causa exclusiva do evento danoso; o que, no caso dos autos, não ocorreu.
Com efeito, incumbe às instituições bancárias investir na segurança dos seus clientes, criando mecanismos de proteção mais eficientes, acerca de alguma informação pessoal do titular da conta no momento do acesso ao caixa eletrônico.
De qualquer forma, certo é que, ao passo que as fraudes se tornam cada vez mais elaboradas, não pode a segurança dos correntistas, sobretudo daqueles idosos, restringirem-se à utilização de cartão/senha.
Assim, claramente caracterizado o dano moral e o dever de indenizar.
Não bastasse isto, os danos morais restaram caracterizados, porque se trata de dano in re ipsa, isto é, dano vinculado à própria existência do fato ilícito, cujos resultados causadores de ofensa moral à pessoa são presumidos, independendo, portanto, de prova”.
Neste mesmo sentido:
INEXISTÊNCIA DE DÍVIDA. ROUBO DE CARTÃO E SENHA. COMUNICAÇÃO DO OCORRIDO AO BANCO. BLOQUEIO DO CARTÃO. COMPRAS REALIZADAS PELOS CRIMINOSOS. CONSUMIDORA QUE NÃO PODE SER RESPONSABILIZADA. DANO MORAL. INOVAÇÃO RECURSAL. SENTENÇA PARCIALMENTE REFORMADA. 1. O roubo do cartão e da senha não foi contestado, de modo que se tornou fato incontroverso. Deste modo, tem aplicação o Enunciado 2.8 da TRU/PR, segundo o qual é inexigível a dívida contraída por terceiro em decorrência de furto/roubo/extravio de cartão de crédito, ainda que a comunicação à operadora tenha ocorrido posteriormente, configurando dano moral a inscrição do nome do titular do cartão em órgãos de restrição de crédito. 2. Tendo em vista que o cartão e a respectiva senha estavam na posse da recorrida, que foi assaltada, não há que se falar em negligência da consumidora, pois esta não teve alternativa senão entregar tudo ao criminoso. Assim, tendo ocorrido roubo e uso indevido do cartão pelos criminosos, não pode a consumidora ser responsabilizada por compras que não efetuou, até porque comunicou o ocorrido ao Banco no mesmo dia, conforme consta do Laudo elaborado pelo próprio recorrente (evento 15.3)(TJPR - 2ª Turma Recursal - 0004016-12.2014.8.16.0187/0 -Curitiba - Rel.: Manuela Tallão Benke - Rel.Desig. p/ o Acórdão:GIANI MARIA MORESCHI - - J. 25.06.2015)
Termino este “pequeno artigo” alertando que prevenir é melhor que remediar. Oriente o seu pai, avô, tios e tias, enfim, o idoso de sua família, que anotar e levar consigo as senhas dos cartões poderá acarretar em uma dor de cabeça sem tamanho mas, caso o golpe aconteça, procure um advogado e não acredite na palavra do Banco – Eles sempre dirão que a culpa é exclusivamente sua!
Ah, já ia esquecendo: No caso da minha sogra conseguimos anular todas as operações, restituir os valores indevidamente sacados e os bancos foram condenados ao pagamento de indenização por danos morais.
Fica o alerta!