Os municípios são laboratórios da democracia

Há no Brasil 5570 municípios e infinitas realidades. Enquanto as cidades do estado de São Paulo, por exemplo, detêm os maiores orçamentos, a realidade de uma grande parte dos municípios é de não arrecadar nem o suficiente para cobrir suas próprias despesas. O Índice de Gestão Fiscal da Firjan (Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro) trouxe essa situação em cerca de 35% dos municípios do país. E onde há escassez, muito se cria. Não que eu deseje que seja assim, mas a necessidade aguça o senso de pragmatismo dos gestores. E gera maior abertura para novos aprendizados e inovação.

Principalmente, se as lideranças receberem as ferramentas necessárias para construir soluções. E tudo começa com a evolução na gestão de pessoas nos municípios. Papo de RH mesmo. 

Em contextos de restrição orçamentária e fragilidade administrativa, muitos municípios se voltam para “dentro de casa” e encontram formas de gerar valor para os cidadãos, a partir do potencial humano disponível no serviço público. Topam superar desafios: baixos salários, falta de capacitação e, muitas vezes, baixo engajamento. Aí é que se destacam lideranças corajosas e capazes de desenvolver pessoas. Elas criam saídas criativas para o labirinto administrativo das nossas cidades. 

EVOLUIR O RH COMO FORMA DE MELHORAR OS SERVIÇOS PÚBLICOS À POPULAÇÃO 

Esse argumento precisa estar no centro das estratégias dos governos, inclusive dos municipais. Embora o tema RH não costume ser dos mais populares, são muitos os bons exemplos de como uma gestão de pessoas eficiente traz resultados positivos para a população. Instintivamente, os gestores reconhecem que, por trás de toda grande inovação em políticas públicas, há sempre uma inovação na gestão de pessoas. No entanto, a consciência ganha força quando precisam resolver problemas na prática. 

Trago um dos exemplos mais conhecidos no Brasil, nesse sentido. O de Sobral, no Ceará. Talvez você já tenha ouvido sobre a fama da cidade, em educação. 

 Artigo do Banco Mundial intitulado “O Estado do Ceará e a cidade de Sobral, no Brasil, são modelos para a redução da pobreza de aprendizagem” apresenta várias informações relevantes, mas esse trecho joga luz na escassez e gera curiosidade sobre como superaram o desafio orçamentário. 

“Apesar de ter o 5º menor PIB per capita entre os 26 estados brasileiros, o Ceará teve o maior aumento no índice nacional de qualidade da educação no ensino fundamental e médio desde 2005. Dez de seus municípios estão agora entre os 20 melhores do país. Desses municípios é Sobral, com a maior pontuação do país.”

Para chegar a esses resultados incríveis, o trabalho feito, ao longo dos anos, foi além do pedagógico. Toda a gestão se estruturou para desenvolver as lideranças do sistema municipal de educação. E essa gestão de pessoas garantiu talentos para fazer o sistema rodar e se aperfeiçoar constantemente. Como? Com avaliação e seleção de diretores de escola, por competências; criação de uma cultura de  avaliação de desempenho entre professores e suas equipes; criação de uma cultura de diálogo de desempenho efetiva, entre gestores e servidores de linha; reconhecimento de bons resultados. E, também,  muitas outras ferramentas de RH que proporcionaram os meios para, na ponta, cada profissional fazer o seu trabalho, e atingir os resultados que transformaram Sobral em um exemplo para o Brasil e para o mundo.  

SOLUÇÕES INOVADORAS VÊM DE QUEM CONHECE AS REAIS DEMANDAS

É nos municípios que se conhece de perto as demandas sociais. É sobre eles que recaem grande parte da pressão popular por melhores serviços públicos. Por esse mesmo motivo, pela maior fricção entre demandas reais e os governos, os municípios são os grandes laboratórios da democracia. Ali, surgem políticas públicas inovadoras. E, reforçando,  toda boa política pública tem uma dimensão interna de RH, nem sempre reconhecida. 

Os municípios são Laboratórios da Democracia, porque é nas cidades que se testa e se aprende. Assim, surgem soluções eficientes escaláveis, com potencial de resolver grandes desafios. 

O termo “Municípios como Laboratórios da Democracia”  surgiu nos EUA, em 1932. O ex-ministro da suprema corte americana, Louis Brandeis, disse o seguinte:  “a single courageous state may, if its citizens choose, serve as a laboratory; and try novel social and economic experiments without risk to the rest of the country".

A evolução da assistência social no Brasil é exemplo de como grandes soluções surgem nos municípios: a experiência do Distrito Federal, com o Bolsa-Escola, da prefeitura de Campinas, com o Programa de Garantia de Renda Familiar Mínima, e de outros programas desenvolvidos localmente inspiraram o desenho do que viria a ser o Bolsa Família, em 2003.

Gosto de citar também o exemplo do Sistema de Alta Direção Pública, reconhecido mundialmente e adotado nos Estados Unidos na década de 70 do século passado, e na Austrália, em 1984. Batizado de Senior Executive Service (SES), essas experiências, antes de serem adotadas como programas nacionais, surgiram em governos locais, décadas antes. Compartilho esses casos porque reforçam o argumento sobre a capacidade de inovação dos entes subnacionais. Inovação com raiz em desafios reais, vividos no dia a dia.

O PAPEL DAS LIDERANÇAS

 Para inovar é preciso desenvolver pessoas capazes de enxergar o potencial de solução dos desafios, que conheçam boas práticas sobre gestão de RH e possam adaptar essas práticas para suas realidades, dando  origem a algo totalmente novo. Líderes que incentivem a experimentação são fundamentais nesse processo. Porque só a experimentação gera aprendizado, e só o acúmulo de aprendizado gera transformações institucionais de longo prazo. O desafio é garantir que o aprendizado  gerado seja usado. Até porque, o conhecimento evolui assim. Se a gente não usa, ele desaparece - e isso se repete tanto em nível individual como organizacional. 

+ LÍDERES 

Um dos desafios atuais do Motriz está em desenvolver lideranças e aprimorar a gestão de pessoas nos municípios. Uma vontade que a gente tinha desde o começo do Vetor Brasil e só agora vamos tirar do papel com o programa + Líderes, recém-lançado. A ideia é alavancar a capacidade de inovação que os municípios já têm, a partir da formação de quem atua nos governos. Essa inovação surge do conhecimento das demandas do mundo real, não dos laboratórios. É atuação prática, não experimentos em ambientes “controlados” ou discussões teóricas. 

Nossa ambição é ajudar os municípios a encontrar respostas sobre o que faz uma gestão de pessoas eficiente. A partir de experimentação, com “ownership”, liderança e protagonismo dos municípios. E as soluções que serão desenvolvidas no programa podem se tornar referências nacionais. O papel do Vetor Brasil será divulgar os processos bem-sucedidos de modernização do RH, no setor público. E iremos apresentar os primeiros resultados em março de 2023.