Otimismo estranho

Otimismo estranho

Apesar do bom desempenho de bolsa e câmbio em janeiro, dificilmente este será o padrão do ano. Juros internacionais e eleições locais devem trazer instabilidade.


1 fevereiro 2022



Ao contrário do observado ao longo do segundo semestre de 2021 e da expectativa da maior parte dos analistas para 2022, o desempenho de câmbio, bolsa e juros surpreendeu em janeiro. Este otimismo dos mercados, no entanto, precisa ser visto com cautela.

Enquanto as bolsas das economias desenvolvidas apresentaram um desempenho ruim no início do ano, os ativos emergentes tiveram um resultado bem melhor. No caso brasileiro, o câmbio mostrou importante apreciação, saindo do patamar de 5,60 do quarto trimestre de 2021 para um valor abaixo de 5,30. A bolsa voltou para o nível de 113 mil pontos, após ter alcançado 100 mil pontos no final do ano, e os contratos mais longos de juros recuaram.

Uma explicação para este movimento pode estar na mudança de estratégia do investidor externo, que passou a se proteger de um aumento de juros nos Estados Unidos através de posições em mercados acionários mais descontados.

Como é o padrão, no entanto, sempre se procura achar uma explicação econômica e política local para movimentos de curto prazo nos preços de ativos. Neste momento, este redirecionamento de fluxos para o Brasil tem sido entendido como reflexo de um menor risco político doméstico. A transição política já estaria definida e o próximo governo seria pragmático, com políticas de melhor qualidade.

Este argumento, no entanto, possui seus problemas. O primeiro é que é muito cedo para dizer que o quadro eleitoral no Brasil já está definido. Considerando-se que o chamado índice de desconforto, ou a composição da taxa de desemprego e inflação, explica de modo importante a avaliação do governo e, com isso, as chances de reeleição do incumbente, é provável que a aprovação do governo suba ao longo do ano com a continuidade da melhoria do mercado de trabalho e, principalmente, com o recuo da inflação. Neste caso, o quadro mais provável ainda parece ser de elevada competição e polarização eleitoral, o que deve levar a mais, e não menos, incertezas.

O segundo argumento para cautela tem a ver com o debate eleitoral. De modo geral, o discurso de campanha não é um bom indicador antecedente das políticas a serem adotadas pelo governo. Enquanto os discursos eleitorais servem para conquistar apoios no mercado de votos, com maior foco em slogans que em debates aprofundados sobre agendas, a gestão efetiva de governo tende a ser racional para preservar a economia e, deste modo, as condições de governabilidade[1]. Mesmo assim, a sociedade e os mercados costumam considerar as declarações políticas como sinais efetivos de estratégias para gestão pública, em particular a econômica.

Ocorre que o atual ciclo político, marcado pela polarização, baixo crescimento e elevada insatisfação social, não incentiva a convergência de ideias. Ao contrário. A demanda por diferenciação de discursos ganha força e torna pouco provável que a oposição apoie as reformas feitas nos últimos cinco anos ou a manutenção da atual estratégia econômica.

Em particular, a pressão por políticas fiscais e monetárias que estimulem a atividade será forte, principalmente com a experiência norte-americana recente servindo de referência. Da mesma forma, não se descarta que o próprio governo seja estimulado a ampliar os gastos públicos diante de um cenário eleitoral competitivo, mantendo elevado os ruídos fiscais.

Como consequência, é natural que os investidores incorporem nos preços dos ativos financeiros a possibilidade de descontrole fiscal e de uma inflação mais elevada à frente, como já ocorreu na experiência populista de 2006. Ou seja, os discursos de campanha devem ampliar as indefinições e gerar mais instabilidades nos mercados financeiros.

Estas incertezas tendem a ser potencializadas pelo cenário global. Considerando que o ciclo monetário nos Estados Unidos está à frente do Europeu, então é provável que fortalecimento do dólar não ajude a sustentar a alta de preços de commodities, como em 2020 e 2021, reduzindo a atratividade dos mercados emergentes e, com isso, os fluxos de capitais.

Neste caso, o otimismo atual dos mercados deve ser explicado mais por uma oportunidade de curto prazo gerado por preços descontados que uma melhoria de fundamentos que sustente uma mudança efetiva dos fluxos de capitais para o País. É preciso cautela para que os mercados não influenciem as avaliações de risco. Seria estranho comprar tanto otimismo neste momento.


[1] Ver SCHUMPETER, J. “Capitalismo, socialismo e democracia”, São Paulo, Editora Unesp, 2017, em especial a parte IV, Socialismo e democracia.

ALEXANDRE MATTOS

Gestor CVM de Carteiras e Fundos de Investimentos/Administrador de Recursos - CGA - ANBIMA

2 a

Acrescentaria apenas que, o que vimos em Janeiro alem de pontual, foi propriamente um movimento especulativo do capital estrangeiro volatil se apropriando do "time" da alta das commodities, por conta de um dolar ainda aquecendo antes da alta dos juros do FED e também do estresse geopolitico provocado pela Russia! Ate os 116 mil ainda ha espaço e tempo para correções de preços, isso antes que nossos estimados politicos comecem a proferir riscos institucionais, aos olhos dos investidores esternos.

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