Partilhar.com (Ou "A fina arte de dizer nada")
O que você compartilha? Algo significativo ou apenas nada?

Partilhar.com (Ou "A fina arte de dizer nada")

Nos anos 80, a confiança de boa parte da população ocidental estava nas coisas. Quanto mais coisas você tinha, mais respeitável você era. Famílias grandes, carros grandes, casas grandes. Lembro-me do costume de encher o carrinho de compras mensais com produtos "tamanho família", das ombreiras largas, das muitas parafernálias milagrosas que se vendiam na TV e dos que se gabavam por ter isso ou aquilo. A vida era infeliz para uma criança que não tinha um super estojo gigante cheio de funções, como eu.

Os anos seguintes foram um tanto diferentes. Muitos já não conseguiam comprar tudo. As diversas crises no sistema econômico obrigaram o cidadão comum a tomar uma decisão esperta: Não ter. Mas fingir que tem. Fingir que tem um bom salário, fingir que tem muitas coisas, fingir que tem respeito.

Aqui nasceram as Artes Cênicas. Mentira, mas bem que poderia ser.

De lá para cá, as coisas mudaram sim. A internet surgiu como uma mola propulsora de novas ideias. Ouvimos falar de globalização, conectividade e compartilhamento. Compartilhe suas coisas, suas experiências, sua vida. Surge um enorme crescimento aqui, com novas possibilidades de comunicação e interação. Mas calma, lá! O DNA humano é implacável e sempre carrega consigo seu histórico de estupidez.

Quem nunca deixou de experimentar plenamente uma viagem ou acontecimento para poder ter o ângulo certo para o Instagram? Quem nunca postou um clique de uma deliciosa refeição e nem reparou no seu gosto? Às vezes o "coraçõezinhos" de um aplicativo são o prato mais saboroso para alguns.

O poder das redes é gigantesco. Um estudo divulgado pela Kaspersky mostrou que terço das pessoas mudou a forma de se comunicar pessoalmente, passando a conversar menos com os pais (31%), filhos (33%), parceiros (23%) e amigos (35%). Estas pessoas estão lá, nas redes sociais.

Aí que tá a responsabilidade da coisa. Qual o conteúdo que compartilharmos? É algo verdadeiro? É algo agregador? É algo que contribuirá? Ou é apenas algo que nos dá espaço neste palco?

Compartilhar é bom. Mas compartilhar algo significativo é bem melhor. E essa minha preocupação pessoal afeta meu trabalho. Não quero ser apenas mais um que sugere um post engraçadinho para um cliente. Preciso que sua substância seja sólida, consistente, eficaz. E isso começa fora de qualquer telinha. Acredito que preciso ser assim, ou serei alguém vivendo no passado. E não me refiro à tecnologia. Me refiro ao ainda achar que a realização está em se obter coisas. Me refiro à fina arte de fingir, aquela das décadas anteriores. Ou você realmente acha que todos são felizes, bonitos, saudáveis e com muitos amigos e viagens, como vemos nas redes sociais?

Não dá para compartilhar o vazio. Até dá, mas aí seria um grande buraco cheio de nada.


(Mais artigos em www.nandoirineu.com )

 

Eric Kutchukian

Senior Data Scientist at MPAC

4 a

Excelente! Quanto mais a sociedade se enche de mentiras e atuação, maior o contraste que as pessoas mais sábias e perspicazes vêm nos que têm realidade, e nao atuação, a oferecer, e estando no lugar certo, tais recebem não só palavras, mas ações.

André Ferreira Vieira

Finanças I Tesouraria I Gestão I Consultoria I FP&A | Mercado Imobiliário | CFO

7 a

Muito bom os seus textos Nando! Abraços

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