A pior sentença e a performance pessoal
"Há uma espécie de conforto na auto-condenação. Quando nos condenamos, pensamos que ninguém mais tem o direito de o fazer". Oscar Wilde
Trabalhando há 24 anos com pessoas que buscam a sua melhor performance, "a melhor versão de si" e maior produtividade (como acordar as 4 horas da manhã e produzir sem parar), percebi que muitas cuidam do seu corpo, praticam exercício, se alimentam adequadamente, mas esquecem um dos principais problemas para ter uma melhor performance: tratar o seu crítico interno. Aquela voz, que todos conhecemos, que costuma dizer que não iremos conseguir, que "isso não é para nós", que nós não merecemos alcançar essa meta que nos traria mais alegrias e satisfação.
As origens dessas vozes podem ser muitas: a educação de casa (falas dos pais e familiares sobre nossas competências), comentários de professores na escola, padrões da cidade/sociedade em que vivemos, enfim, da cultura na qual estamos inseridos que determina quem são os "losers e os winners".
Até aí, quase todo mundo sabe. O que muitas pessoas ignoram, se refere à frase de Oscar Wilde, citada acima: "há uma espécie de conforto na autocondenação". As pessoas costumam se surpreender quando trabalhamos isso. Quando nos julgamos culpados, temos que cumprir uma "pena", ficamos inertes na cadeira dos réus, aguardando a condenação. E o que fizemos enquanto isso? Remoemos pensamentos negativos sobre nós e nossas competências, pensamos em possíveis "penas" a serem cumpridas, alimentamos fantasias de fracasso e rejeição, de que erraremos ainda mais. Mas essa é a pior sentença que podemos sofrer: nos condenamos ao medo de errar, ao isolamento, à inércia, ao ciclo da negação das vulnerabilidades pessoais, da culpa e da vergonha. Quando nos condenamos, todas as atitudes positivas - acordar cedo, alimentar-se bem, correr, ler - terão resultados limitados e a máxima performance ficará comprometida.
Neurociência da autocondenação
A dificuldade de alcançar a superação quando nos criticamos decorre dos seus efeitos sobre o nosso equilíbrio. "O sistema de ameaça-defesa se desenvolveu de modo que, quando percebemos uma ameaça, nossa amígdala (que registra o perigo no cérebro) é ativada, liberamos cortisol e adrenalina e nos preparamos para lutar, fugir ou congelar. Sentir-se ameaçado provoca estresse na mente e no corpo, e o estresse crônico pode causar ansiedade e depressão, motivo pelo qual a autocrítica habitual é tão prejudicial para o bem-estar emocional e físico. Com autocrítica, somos tanto o atacante quanto o atacado" (Neff & Germer, 2019). Essa condição psicofisiológica drena a energia vital, diminui o fôlego e leva ao isolamento.
Como interromper o ciclo e sair da cadeira dos réus?
- Treinamento da respiração para ampliar a variabilidade da frequência cardíaca. Toda prática que amplia esse índice no nosso corpo, promove a autorregulação do sistema nervoso autônomo, reestabelecendo o equilíbrio entre o sistema nervoso simpático e o parassimpático. As reações de luta/fuga estão relacionadas à ativação do sistema nervoso simpático, que desencadeia os sintomas de estresse. Parar para fazer uma respiração diafragmática, ativa o nosso sistema de cuidados e a respectiva fisiologia, facilitando que o córtex pré-frontal participe da mudança.
- Biofeedback e Neurofeedback. São ferramentas não invasivas, que através de sensores corporais, monitoram os sinais psicofisiológicos e suas mudanças, como a variabilidade da frequência cardíaca já citada. São treinamentos para favorecer a autorregulação através da autoconsciência, permitindo o desenvolvimento de estratégias adaptativas para lidar com os desafios ambientais.
- Ler muito, especialmente as obras de Brené Brown. Essa autora discorre nos diversos livros de sua autoria, sobre as consequências nefastas da vergonha na nossa vida. Ela diferencia culpa e vergonha. Enquanto a primeira está vinculada ao pensamento "Eu errei", a segunda está relacionada ao pensamento "Eu sou um erro". A vergonha desperta emoções muito primitivas, decorrentes do medo da exclusão do grupo. A culpa desencadeia o medo da punição, afinal, todo culpado sofrerá uma pena.A culpa e o medo são emoções produzidas no sistema límbico, e ainda são muito instintivas, provocando as reações de luta e/ou fuga. Precisamos evoluir para outra condição: "Errei. O que eu posso fazer?" Aqui, requisitamos a participação do córtex pré-frontal, associado à capacidade de analisar nossas ações e planejar as próximas. Assumir a responsabilidade, questionando sobre novas possibilidades, é função do córtex pré-frontal e começa a mudança de fato. Porém, para facilitar esse processo de saída da culpa e da vergonha para a responsabilidade que liberta, o índice da variabilidade da frequência cardíaca faz toda a diferença. Melhorar esse índice permite uma mudança sem racionalizações, mas sim pela auto-aceitação. O banco dos réus torna-se obsoleto.
- Mindfulness. A autocompaixão, proposta da prática de mindfulness, está associada ao nosso sistema de cuidados, ajuda a diminuir a sensação de ameaça e por isso amplia a variabilidade da frequencia cardíaca. Quando praticamos a autocompaixão, estamos desativando o sistema de ameça-defesa e ativando esse sistema de cuidados. "Quando esse sistema é ativado, são liberados ocitocina (o hormônio do amor) e endorfinas (opiáceos naturais do bem-estar), o que auxilia a reduzir o estresse e aumenta os sentimentos de segurança e proteção. (Neff & Germer, 2019)
Finalmente, é preciso correr riscos. Ter experiências, interagir, relacionar-se para desfazer preconceitos consigo (e com outros). Aprender competências, descobrir as que sempre tivemos e não sabíamos. Resumindo, para sair do banco dos réus, é preciso: autocuidado (respiração, autocompaixão) - treinamento (psicofisiológico, mindfulness) - experiências. Essa tríade pode nos levar à nossa máxima performance autossusentável.