Ponto de vista
É inegável a presença marcante de K’ung Fu-Tzu, ou Confúcio, como personagem da história da humanidade. Nasceu em 551 a.C. na região nordeste da China, e viveu até 479 a.C. como um filósofo de grande importância na corte, e até hoje influencia milhares de pessoas com seus pensamentos.
O confucionismo pode ser aceito como uma religião, mas também como um sistema ético adotado por qualquer pessoa
Pois se refere principalmente ao respeito em relação à família e à sociedade e também à justiça moral e social exercida através da virtude suprema do altruísmo e da benevolência.
Confúcio deixou muitos seguidores, sendo os mais citados Mêncio Mangtzú (371 – 289 a.C.) e Hsun-tzu (300 – 230 a.C.). Ambos desenvolveram pensamentos que são nitidamente confucionistas, no entanto, o que intriga é que os mesmos apresentam diferenças conceituais marcantes.
Mêncio parte do principio confucionista da benevolência e cria a doutrina da bondade inata do homem.
Segundo ele, o ser humano é naturalmente bom, virtuoso, precisando apenas identificar e aprimorar essas qualidades, e para tanto ele sugere a meditação.
Já Hsun-tzu considera o homem um ser dotado de maldade inata.
De acordo com ele o ser humano é mau, agressivo e indisciplinado por natureza, e, portanto precisa da aplicação das leis e do controle social para permitir o convívio e a harmonia entre as pessoas. Dois seguidores do mesmo mestre, estudiosos da mesma filosofia, co-precursores da mesma religião, com diferenças tão grandes sobre um tema tão importante: as características originais do homem e a contribuição da organização social para sua conduta.
Como explicar tal (aparente) discrepância?
Simplificando, trata-se apenas do exercício de uma das mais peculiares características humanas: o “ponto de vista”. As religiões cristãs parecem concordar com Hsun-tzu, pois aceitam a existência de um pecado original, já alguns pensadores importantes, do quilate de Jean Jacques Rousseau e Carl Gustav Jung concordam com Mêncio, pois apontam, através de seus escritos, para a existência de um bem natural, que a sociabilização e a educação podem exacerbar, ou a sociedade pode sufocar. Pontos de vista!
É claro que essa gente toda exerce o direito de externar seus pontos de vista, suas percepções próprias a partir da autoridade de suas mentes respeitáveis. Não falaram disparates. Externaram suas visões e as sustentaram. São estudiosos, pessoas inteligentes, observadores sagazes do comportamento humano, mas não compartilham das mesmas opiniões.
o consenso nem sempre é possível, e às vezes é até indesejável.
Como disse o teatrólogo e grande frasista Nelson Rodrigues: “toda unanimidade é burra”.
Somos seis bilhões de pessoas vivendo no mesmo mundo, o planeta Terra. E o curioso é que cada pessoa vê este mesmo mundo com seus próprios olhos, de seu jeito, usando sua própria óptica, o que o transforma, para vários efeitos, em seis bilhões de mundos diferentes. Isso é ótimo, pois é justamente a partir dessa imensa diversidade é que surge a capacidade humana de interagir e construir novos e variados cenários, mas ao mesmo tempo, é dessa diferença que surge algo que nos incomoda: o conflito.
Em uma roda de conversa, o que mais se ouve são frases que começam invariavelmente por “- eu acho que…”, ou “- em minha opinião…”, ou ainda “- minha visão sobre esse assunto é…”.
Trata-se do exercício democrático da manifestação da individualidade. Por isso a importância da dialética, que é a arte de discutir, de argumentar, de comunicar idéias, de debater. A dialética pressupõe a existência do diálogo, e não da coincidência de idéias, de pontos de vista semelhantes.
No dicionário encontramos a palavra “idiossincrasia” que, com freqüência é muito mal utilizada. Significa: “disposição do temperamento do indivíduo, que o faz reagir de maneira muito pessoal à ação dos agentes externos”; ou ainda: “maneira de ver, sentir, reagir, própria de cada pessoa” (Aurélio). No entanto, não é incomum alguém se referir a outra pessoa, com quem não concorda, ou com quem acaba de ter uma discussão, dizendo: “- o problema dele é a idiossincrasia!”.
Ora, a idiossincrasia representa a riqueza da diversidade humana.
Não somos iguais, ainda bem.
Todos sabemos que não há duas impressões digitais iguais, como também não há duas íris nem dois registros de eletrocardiograma que sejam idênticos. Também não encontraremos duas percepções dos fatos do mundo absolutamente coincidentes. Como dizem os franceses: “vive la différence”.
A igualdade não é inteligente, já o entendimento é. Voltando a falar na dialética, é bom lembrar que ela apresenta três protagonistas: a tese, a antítese e a síntese. Nesse conjunto de três elementos, uma pessoa apresenta uma proposição (tese), que é contrariada ou refutada por seu interlocutor (antítese), o que faz surgir uma nova tese, permitindo uma discussão construtiva que leva a uma conclusão híbrida, com elementos retirados tanto das teses quanto das antíteses, construindo um consenso (síntese).
Dada sua importância, a dialética nasceu como um movimento filosófico ainda na Grécia antiga, e tem como fundamento o fato de que, uma vez que as pessoas não são iguais, elas podem, e devem, para poder viver em sociedade, construir uma comunidade harmônica, bastando para tanto o exercício do respeito pelas idéias do semelhante e da comunicação clara.
Para o filósofo alemão Georg Wilhelm Friedrich Hegel a dialética é o processo fundamental das mudanças históricas. Estudando a história da humanidade, ele citava o que chamou de “momentos dialéticos”, nos quais os conceitos e as instituições então existentes atravessam um período de grandes conflitos internos, que só são superados pela criação de um novo “momento” – a síntese.
Hegel afirma que a realidade não é estática e sim dinâmica, e que sua modificação, que é necessária ao desenvolvimento das pessoas, deriva do aparecimento de momentos de oposição, de contradição, de perda de unidade, e da busca de uma nova unidade. A percepção da realidade é dependente da dialética, das discussões, dos debates, sendo que o próprio pensamento individual deve ser dialético, o que pressupõe discussões e debates internos.
A negação das diferenças pessoais e da dialética levaria à estagnação.
Até a natureza é dialética.
Hegel cita o exemplo da planta, em que o botão precisa desaparecer para que surja a flor, e esta também deve desaparecer para que surja o fruto, e compara essa seqüência com a vida de todas as coisas, que passam por permanentes processos de conflitos e transformações dinâmicas, o que leva a uma síntese superior.
É a dialética da vida. Nada mais simples!
Entre duas ou mais pessoas, com visões, idéias e propósitos individuais, só o exercício da dialética poderá construir. Para que uma síntese surja é necessário que teses e antíteses sejam expostas e sepultadas, através da substituição pela síntese – o crescimento. Portanto, o crescimento deriva das diferenças, e não das igualdades. Viva os diferentes pontos de vista.
A psicologia também se preocupa com o crescimento a partir das diferenças de visão dos fatos, e aposta na possibilidade do aprimoramento permanente na maneira de ver o mundo e encarar os problemas. Uma de suas correntes mais interessantes recebe o nome curioso de Psicologia da Gestalt. Trata-se de uma palavra alemã que não encontra tradução literal para nossa língua, e quer dizer algo como “forma” ou “partes que se somam para formar um todo”. A Gestalt dedica-se a compreender as diferentes “formas” que o mundo toma, a partir das diferenças de percepção das pessoas.
Utiliza, para facilitar as coisas, a percepção visual e suas variações. Há, hoje, um grande número de imagens clássicas que mostram exatamente a diferença de percepção, ou de “ponto de vista”.
Voltemos para a vida prática: lembro-me de um amigo que teve sua vida mudada, para melhor, em apenas uma sessão de terapia, com um gestalt terapeuta, quando este o estimulou a perceber uma situação de sofrimento como uma oportunidade de crescimento pessoal. Foi uma pequena mudança de ângulo de visão, uma nova percepção da realidade, mas operou um milagre. Um novo “ponto de vista” pode ser um novo “ponto de partida” para uma vida mais plena, mas mais rica em realizações e em felicidade.
Meu “ponto de vista” existe porque é o que permite a “vista do meu ponto”, ou seja, é assim que eu enxergo o mundo a partir do ponto, físico ou psicológico, em que me encontro.
Uma pequena mudança em relação ao meu ponto poderá provocar uma grande mudança em minha visão. De preferência para ver uma paisagem mais bela, é claro. E ser mais feliz, que é a única coisa que interessa, no final. Simples assim!
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8 aParabéns pelo texto Eugenio e “vive la différence”!
Sócio 360ºOOH
8 aGrande Eugenio! Acompanho vc sempre. Ainda por cima, com uma dedicatoria! A vida é cheia de curvas,...que sejam suaves! Abraço.