Por que autoajuda não funciona, mas viraliza.
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Por que autoajuda não funciona, mas viraliza.

Este meu artigo foi previamente publicado na DEEP, plataforma de conteúdos da Wylinka, onde escrevemos sobre empreendedorismo, inovação, políticas públicas e muito mais :)

As modas da autoajuda vêm e vão: um dia é um novo método infalível para superar a preguiça, outro é um empreendedor de sucesso com o growth hack do momento, num dia à frente é uma prática sobre como encontrar a iluminação desligando-se dos apegos do mundo. São livros e mais livros que chegam aos milhões de vendas, mas, após meses (ou anos), caem no esquecimento. O que acontece? Aquela receita infalível para o sucesso parece funcionar num primeiro momento, mas não se sustenta a longo prazo. O curto prazo atrai os grandes evangelistas do método (que realmente tem os ajudado), mas, com o tempo, a baixa efetividade faz com que eles desistam e se agarrem no próximo método, guru ou boa prática infalível. Essa primeira onda de evangelistas leva à viralização, e a ineficácia da solução mágica leva ao esquecimento. E por que isso funciona? Tentei organizar algumas reflexões sobre o assunto, dado que essas ondas muitas vezes desencadeiam em má alocação de recursos por parte de pessoas e empresas - e isso é bem ruim. Assim sendo, vamos aos detalhes.

Por que as receitas milagrosas sempre parecem funcionar?

Não dá para simplesmente achar que uma montanha de pessoas adere às fórmulas de sucesso sem motivo — muitos inclusive podem comprovar o resultado dessas receitas de sucesso. O erro aqui é que correlação não é causalidade. A mudança ocorre, mas não por causa da receita infalível. Para explicar, primeiro vou recorrer a um textos excelente — o "por que procrastinadores procrastinam", do Wait But Why.

Quando queremos fazer alguma mudança, ela sempre parece fácil. Mas, de repente, vem o "macaquinho irracional" que nos faz não seguir os planos e toma o controle da nossa vida:

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("Esse é um ótimo momento para cumprir alguma meta" // "Nem pensar!", diz o macaquinho.)

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("Em vez disso, vamos nos perder no Linkedin, whatsapp, youtube, instagram e outras distrações!")

A única coisa que espanta o "macaquinho irracional" é o monstro do último minuto, aquele medo que surge quando as coisas já estão fora de controle — e aí estudamos na última hora, terminamos aquele trabalho que estávamos enrolando, fazemos o que precisava ser feito, mas tudo de um jeito descuidado e no sufoco.

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(O monstro do último minuto entra em ação e o macaquinho foge.)

Já falei isso em um post chamado "Acídia: a doença dos empreendedores e a procrastinação". Basicamente, o momento em que o macaquinho assume o controle, ou seja, o momento em que mergulhamos em distrações, nada mais é que um momento de fuga, um momento em que estamos tentando silenciar uma voz nossa que diz "eu não sou bom o suficiente para isso, não vou conseguir, vou passar vergonha". Esse padrão de fuga só some quando surge um medo maior, uma voz mais forte que diz "eu tenho que fazer isso porque se não irá tudo por água abaixo". E assim a gente se mantém em um padrão vicioso nas dinâmicas de prazos e períodos de entregas/provas/fechamentos: enrolamos até o momento em cima do prazo em que o medo de tudo desabar fica mais forte que a força do macaquinho na nossa cabeça.

E o que a auto ajuda tem a ver com isso? A autoajuda nos dá uma confiança inicial. Ela minimiza a primeira voz de fracasso que nos leva à fuga, que nos leva a ceder o comando para o macaquinho irracional. Ao ver histórias de sucesso que seguiram a receita milagrosa, sentimo-nos impelidos a fazer o mesmo, a seguir a receita confiantes de que aquilo vai dar certo. Correlação não é causalidade: o segredo não estava na receita, mas na confiança que nos empurrava e atropelava qualquer fuga irracional (a procrastinação) do caminho. E, como em toda jornada de aprendizado, altos e baixos vêm e esse boost de confiança da autoajuda vai minimizando. Após alguns meses, já não seguimos mais a receita, já não temos mais a mesma força de vontade e aquele sonho vai ruindo. E isso se aplica não só à promessa de autoajuda, mas a planos de mudança de vida e tantas outras coisas que dão um gás inicial, mas não se sustentam com o tempo. O pior? Nas primeiras semanas, nas quais parece funcionar, as pessoas engajadas na receita infalível divulgam a solução para os quatro ventos, e, como uma reação em cadeia, a viralização acontece (e a receita nunca funciona). E isso se mantém até a próxima onda ou moda de autoajuda.

A autoajuda corporativa

Em ambientes corporativos o padrão é o mesmo, só que com maior sofisticação. As modas surgem, métricas de vaidade começam a ser apresentadas e o FOMO (fear of missing out — traduzido como um medo de ficar de fora da tendência) ataca. As empresas começam a injetar dinheiro em estratégias/boas práticas que sequer têm compreensão porque esse é tema do momento. Foi assim com Oceano Azul e Design Thinking, agora tem sido mais forte com Cultura Ágil ou Transformação Digital - todos conceitos importantes, mas vendidos em cima da ignorância de um coletivo de pessoas que não quer parecer que não está entendendo nada. E infelizmente muita coisa é vendida como o segredo do momento (ou imersão no Vale do Silício do momento). Dois grandes elementos da sofisticação da autoajuda corporativa que se deve atentar:

(i) Viés do sobrevivente: grande parte das ferramentas/boas práticas corporativas de sucesso é apresentada contando um caso de uma empresa que as implementou e foi bem sucedida com isso. O viés do sobrevivente fala sobre a estratégia de apresentar o caso que se utilizou da prática e sobreviveu — sendo que ninguém sabe dos muitos casos que também seguiram o mesmo caminho e morreram afogados. É mais um caso de correlação apresentada como causalidade. Casos únicos vivem sob o risco de apresentar sobreviventes tratando suas estratégias como as causadoras do sucesso, e, muitas vezes, essas estratégias estavam presentes nos muitos outros casos que fracassaram.

(ii) Overfitting data: o "overfitting data" é a tendência de encaixar todos os dados de modo a tentar comprovar um modelo. Por exemplo, pegar pontos específicos de uma situação empresarial para explicar como esses pontos foram o uso da "estratégia XPTO" que você também deveria implementar na sua empresa. Na verdade, a única diferença foi a lente que a pessoa utilizou para analisar um caso de sucesso e encaixar em um discurso de vendas elegante. Fique muito atento, pois é algo bastante comum em livros de liderança ou gestão. Por exemplo: o Vale do Silício sendo apresentado como um caso de sucesso por causa dos escritórios descolados, dos 20% de tempo livre para fazer o que quiser e da aposta em XPTO nas empresas. Segundo professores de Stanford, a história é outra - o sucesso da região se deu pelo papel específico em pesquisas nas grandes guerras mundiais e por figuras singulares que realizaram as conexões certas em um modelo de aproximação indústria-universidade-governo (como prof. Terman conectando dois alunos de Stanford, Hewlett e Packardt, ou a criação da Fairchild Semiconductors após rompimento de 8 grandes empreendedores com seu chefe, o Nobel William Shockley). O "overfitting data" é o ato de isolar características pontuais para justificar uma narrativa que se encaixa aos meus interesses e agendas, e isso geralmente leva a uma construção vaga/superficial, mas muitas vezes viral/sexy, de conselhos pouco efetivos.

Uma excelente leitura sobre a autoajuda corporativa está no livro "O lado difícil das situações difíceis", do Ben Horowitz:

“Toda vez que leio um livro de gestão ou de autoajuda, me pego dizendo: 'tudo bem, mas isso não foi realmente a coisa mais difícil da situação'. O difícil não é definir um grande, complexo e audacioso objetivo. O mais difícil é demitir as pessoas quando se perde esse grande objetivo. O difícil não é contratar pessoas ótimas. O difícil é quando essas 'pessoas ótimas' desenvolvem um senso de grandeza e começam a exigir coisas irracionais. O difícil não é criar uma estrutura organizacional. O difícil é fazer com que as pessoas se comuniquem dentro da organização que você acabou de estruturar. O difícil não é sonhar grande. O mais difícil é acordar no meio da noite suando frio quando o sonho se transforma em um pesadelo. O problema com esses livros é que eles tentam fornecer uma receita para desafios que não têm receitas. Não há receita para situações dinâmicas e realmente complicadas. Não há receita para construir uma empresa de alta tecnologia; não há receita para liderar um grupo de pessoas sem evitar problemas; não há receita para fazer músicas de sucesso em série; não há receita para ser um quarterback da NFL; não há receita para concorrer à presidência; e não há receita para motivar equipes quando a sua empresa se torna um lixo. Esse é o lado difícil das situações difíceis: não existe uma fórmula para lidar com elas."

E como sair disso tudo?

Bom, não há receita. :)

O importante é ter uma atenção redobrada com as ondas e as febres: muitas delas são importantes e podem ensinar muito, mas isso exige a mentalidade correta, racional, sobre o que se está consumindo. O maior perigo é seguir uma boiada que abraça o discurso do momento muito mais por desespero que por possibilidades concretas. Não existe fórmula mágica, não existem atalhos: consistência e disciplina serão sempre o segredo. Este texto não é sobre negar 100% qualquer moda que surgir, mas sobre ficar atento a fórmulas mágicas e receitas infalíveis — geralmente o único que sai bem sucedido da situação é o autor que vende milhares de livros e palestras enquanto está na crista da onda. Como disse o Naval (um dos grandes nomes do mercado de tecnologia):

"There are no get rich quick schemes. That’s just someone else getting rich off you." @Naval em "How to get rich (without getting lucky)"

Alguns outros livros interessantes sobre o assunto são: (i) O lado difícil das situações difíceis, como citei acima; (ii) Criatividade S.A., no qual o fundador da Pixar conta como ele, um nerd de tecnologia, não conseguia lidar com os livros de gestão na melhoria da sua empresa; (iii) Rápido Devagar, uma aula sobre vieses de pensamento (outro livro, o "Projeto Desfazer", é uma biografia dos autores do livro, também recomendo muito).

Já escrevi outras coisas sobre produtividade que se alinham um pouco com o tema desse artigo - e você pode conferir aqui:

Glória Carolina R. Dalla Costa

Agronomia| Nutrição de plantas| BioInsumos| Vendas| Comercial

5 a

Esse texto é o mais racional e verdadeiro que já li no linkedin. Parabéns, sensacional!

Elizete Ignácio

UX Manager and Research Lead

5 a

Esse texto é tão bom que devia constar nas disciplinas de pós-graduação em gestão. Obrigada.

Jussara Souza

GRC | Compliance | Gestão de Riscos | Auditoria Interna | Governança | Canal de Denúncias | Programa de Integridade | Due Dilligence | Ouvidoria | Investigações internas

5 a

Excelente perspectiva!

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