Por que este quadro deveria te fazer repensar a educação superior no Brasil?
Umas das poucas coisas que considero interessantes na programação da TV aberta brasileira são os programas, ou quadros, de perguntas e respostas. Sempre achei uma maneira divertida de testar meus conhecimentos (sim, tenho alma nerd) e aprender umas coisinhas novas.
No último sábado, eu tive um motivo especial para torcer por dois participantes em um desses quadros. Foi no The Wall, do Caldeirão do Huck, no qual uma aluna do curso de Ciência e Tecnologia da Universidade Federal Rural do Semi-Árido (UFERSA), do Rio Grande do Norte, e seu professor buscavam levar ao menos R$ 150 mil.
Minha torcida para eles levarem a grana era porque a razão de eles estarem ali era viabilizar um projeto de criação de um cateter feito a partir do reaproveitamento da castanha de caju, que poderia evitar infecções em pacientes que fazem hemodiálise.
O projeto, desenvolvido pela aluna, e ali candidata ao prêmio, Ekarinny, teve início devido a uma perda familiar da moça. O professor Felipe foi impecável ao acertar as seis perguntas feitas pelo Luciano Huck e os dois faturaram R$ 278.677, o segundo maior prêmio da história do quadro.
Além de financiar o projeto de Ekarinny, o dinheiro também vai apoiar outros jovens cientistas de sua universidade.
Por que isso importa?
E por que isso é tão interessante? Porque pouca gente conhece a produção científica de universidades públicas fora das grandes capitais. Mas é fato que essas instituições deram oportunidades a alunos que, de outra forma, não teriam acesso ao ensino superior e ao desenvolvimento de pesquisas.
Universidades como a UFERSA, a Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), a Universidade Federal de Campina Grande (UFCG), a Universidade Federal do Vale do São Francisco (UNIVASF) são exemplos de instituições que levaram oportunidades a jovens de cidades do interior do Nordeste brasileiro de frequentarem uma universidade sem ter que se mudar de suas casas.
Se você reparar na maioria das universidades públicas das capitais, vai ver que boa parte do corpo de alunos é formado por egressos de escolas particulares. Com excelente formação, eles tiveram mais facilidade em ter um lugar nas melhores universidades brasileiras de forma gratuita.
Outros alunos também privilegiados acabam ocupando os bancos das universidades particulares de primeira linha nas grandes cidades. Alunos que não tiveram um ensino médio tão bom, mas podem investir alguma verba, ficam com os bancos de instituições privadas com menor reconhecimento acadêmico.
Mas, você já parou para pensar o que acontece com aqueles alunos de cidades menores e mais pobres que não podem bancar a vida em uma cidade grande para fazer uma faculdade pública na capital, muito menos têm dinheiro para pagar uma faculdade privada?
Na maior parte das vezes, eles acabam ficando sem ensino superior. E em um país em desenvolvimento como o Brasil, deixar uma massa tão grande de jovens sem acesso a um ensino de qualidade é nos condenar a um eterno atraso social, tecnológico e econômico.
Vale lembrar, por exemplo, de países como a Coreia do Sul, que com fortes investimentos em educação, da básica à superior, passou em 40 anos de um dos países mais pobres do mundo a um dos mais avançados tecnologicamente.
Já na Alemanha, o ensino superior é tão valorizado, que até mesmo estrangeiros podem estudar da graça.
A importância do ensino no interior
No Brasil, instituições como a Universidade de São Paulo (USP), a Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) e a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) são frequentemente citadas por suas pesquisas, que colocam o estado de São Paulo na vanguarda do desenvolvimento tecnológico brasileiro.
O que não podemos esquecer é que o Brasil é um país de mais de 200 milhões de habitantes, e que as oportunidades de ensino de qualidade não podem e não devem estar restritas aos grandes centros, como São Paulo ou Rio de Janeiro.
A pesquisa Síntese de Indicadores Sociais (SIS) 2019, mostrou que, no Brasil, apenas 19,7% das pessoas entre 25 e 34 anos tinham ensino superior completo, enquanto a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) é de 36% (1).
Uma simples pesquisa na Internet pode jogar luz sobre o que está sendo desenvolvido pelas instituições federais nordestinas e a importância que essas pesquisas têm local e nacionalmente.
Na UFRB, por exemplo, alunos criaram uma animação acessível em Libras com informações sobre a pandemia do coronavírus. A iniciativa apresenta informações visuais de fácil assimilação e que possam circular tanto entre surdos que utilizam a linguagem brasileira de sinais quanto entre aqueles que não a dominam (2).
No Ceará, dois pesquisadores da Universidade Federal do Cariri (UFCA) lançaram um aplicativo que permite acompanhar as cidades com maior incidência da doença na Região do Cariri.
O app também apresenta um mapa que mostra os bairros onde estão os casos, a idade e o sexo das pessoas infectadas pelo novo coronavírus (3).
Se essas universidades não constam dos rankings das melhores do mundo, isso se deve à pouca valorização que a pesquisa científica no Brasil recebe de forma geral, com baixíssimos investimentos. Há também questões técnicas das formações destes rankings que analisam itens como a publicação de artigos em inglês, a quantidade de alunos estrangeiros e outros similares, que acabam deixando estas universidades do interior do Brasil de fora do pódium.
O que não falta, porém, são professores e alunos talentosíssimos e atentos a necessidades de suas regiões, tão negligenciadas pelas pesquisas desenvolvidas em laboratórios das universidades de países de primeiro mundo.
Assim, vale sempre ter em mente que o investimento em educação superior de qualidade deve ser uma prioridade no desenvolvimento de políticas públicas. E que essas políticas devem ser formuladas levando em consideração não apenas os grandes centros, mas todas as regiões do Brasil.
Nosso país é muito grande, e há muitos talentos como Ekarinny por aí apenas esperando por uma oportunidade de levar a pesquisa brasileira aos mais altos níveis de reconhecimento internacional.
Fontes: