Porque estratégias de gamificação e engajamento falham?
Olhe ao seu redor. Você pode estar lendo esse artigo do seu computador ou do seu celular. Nesse momento várias coisas podem estar tentando tirar sua atenção desse artigo. Se estiver vendo ele do seu celular, provavelmente já chegaram várias notificações. Se está vendo do seu computador, você deve estar doido pra pegar o seu celular e ver se chegou algum e-mail ou quais as últimas notícias a respeito do corona vírus.
É muito difícil prender a atenção das pessoas hoje em dia. Nós somos bombardeados com conteúdo 24 horas por dia. Aplicativos mandando notificações, notícias, cupons de desconto, cada dia um novo guru surge na internet prometendo ensinar como ganhar dinheiro ou perder peso de maneira rápida e fácil. Nesse momento você se pergunta: o que é importante pra você?
E com essa pergunta eu vou puxar o gancho para o assunto do engajamento e da gamificação. Eu gosto sempre de começar dizendo que gamificação é muito mais design do que games. A base está no design comportamental, que nada mais é do que utilizar elementos de design para encorajar um determinado comportamento de uma pessoa. Sim, você pode usar elementos de jogos, mas também pode criar uma estratégia de gamificação extremamente efetiva sem utilizar nenhum elemento de jogo.
Utilizar o design comportamental para facilitar e encorajar o engajamento de pessoas com um determinado aplicativo, marca ou serviço é um trabalho muito difícil, mas que tem trazido resultados incríveis para muitas empresas. O primeiro grande desafio é conseguir a atenção do seu público-alvo.
Você pode fazer isso com uma notificação, oferecendo algo para ele ( uma informação relevante, um cupom de desconto ), propondo um desafio ( dependendo do perfil do seu público ). É preciso saber o que é importante para o seu público. Onde ele vê valor, quais são suas dores. E muitas empresas falham já no começo. É preciso ser assertivo para conseguir chamar atenção. O público alvo precisa estar muito bem definido. As pessoas não se surpreendem com promessas genéricas do tipo "ganhe dinheiro fácil", "perca peso em pouco tempo". É necessário escolher e entender um nicho. Quanto mais específico é o problema que você resolve e mais bem definido é o seu público, mais assertiva pode ser sua comunicação. Pense em programadores brasileiros que tem entre 20 e 35 anos de idade e sonham em trabalhar na Europa. Se você tem uma empresa que oferece consultoria para vistos de trabalho no exterior você pode facilmente fazer um conteúdo para esse público falando sobre diversos países europeus que criaram vistos especiais para profissionais de TI, como as startups desses países tem uma cultura super atraente para millenials e como a sua empresa pode ajudá-los a obter esse visto de maneira mais rápida e fácil. Você já tem um gancho certeiro para atrair esses jovens. Muito mais efetivo do que "Trabalhe no exterior com nossa ajuda".
É claro que eu simplifiquei muito as coisas por aqui. Gerar conteúdo não é trabalho fácil nem barato. E não adianta fazer um post legal e achar que ele vai fazer todo trabalho sozinho. As pessoas querem novidade, o tempo todo. Aplicativos como Instagram e Facebook conseguem uma alta retenção e engajamento porque eles não precisam gerar conteúdo. Os próprios usuários já o fazem por conta própria. E isso é muito poderoso porque o usuário cria um sentimento de dono daquele conteúdo todo. Aquela foto, aquele comentário, curtida ou compartilhamento, é dele. O sentimento de ser dono de algo e de criar algo são muito explorados no design comportamental. Bens virtuais fazem cada vez mais parte das nossas vidas. Eu tenho centenas de seguidores no Instagram. Eu tenho vários artigos no LinkedIn. Eu tive centenas de compartilhamentos no meu post. É tudo virtual. Mas é tudo meu e eu que conquistei.
Nem todo app, serviço ou plataforma consegue dar o poder de permitir que os usuários gerem algum tipo de conteúdo que tenha apelo suficiente para querer ser compartilhado e que desperte um sentimento de dono. Na maioria dos casos tem que se usar uma boa dose de criatividade e trabalho duro para conseguir ganhar a atenção das pessoas continuamente.
Uma vez que você tem a atenção do seu público, você precisa que ele faça alguma coisa. Pode ser uma coisa simples, como responder uma enquete, assinar uma newsletter ou algo mais complexo como efetuar uma compra pela internet. Nessa etapa existem dois fatores que vão garantir o seu sucesso:
1) A pessoa tem facilidade para executar a ação desejada
2) A pessoa está motivada o suficiente para executá-la
Eu já vi empresas falharem em ambos. Ás vezes a forma de se realizar uma compra online era tão complicada, seja por erros de design e usabilidade ou por uma quantidade exorbitante de etapas e informações, que mesmo querendo comprar, o usuário desistia. E também existem casos em que o usuário só precisava apertar um botão, mas o gancho que capturou sua atenção não foi capaz de motivá-lo a seguir em frente.
Muitas empresas negligenciam a importância da etapa logo após o seu público alvo realizar a ação desejada. Meu cliente fez a compra. Missão completa. Ele baixou meu app. Consegui o que eu queria. O processo de engajamento é um processo contínuo. É necessário entender como pode-se continuar agregando valor para o seu público alvo mesmo após o comportamento desejado ter se realizado. Esse é um dos maiores desafios das empresas de software: a retenção.
O sentimento que você quer despertar aqui é o de que seu público fez um investimento no seu serviço, aplicativo ou plataforma. Pode ter sido um investimento financeiro de fato ou apenas de alguma informação ( e-mail, telefone, foto ou acesso a informações de uma rede social ). Mas tem que ter esse sentimento. E vale ressaltar que o sentimento de investir em algo é completamente diferente do sentimento de pagar por algo. Se eu compro um sanduíche para matar minha fome na hora do almoço, como ele com pressa e volto para o trabalho, eu apenas paguei pelo meu almoço. Se eu compro um notebook novo, com muito mais memória e capacidade de processamento que o meu, para ter mais facilidade no meu trabalho e aumentar minha produtividade, eu fiz um investimento. A questão aqui é a expectativa. O meu sanduíche vai matar minha fome e pronto. O notebook vai me tornar mais produtivo. Logo o notebook é um investimento.
O que define se a sua entrega vai ser uma compra ou investimento é retorno que isso vai trazer para o seu cliente ou usuário. Quanto mais contínuo for esse retorno, melhor. E é aí que a gamificação consegue fazer a diferença. Pense numa tarefa ou processo chato, repetitivo e entediante, mas que quando feito continuamente, trás ótimos resultados. Podem ser exercícios físicos chatos e repetitivos, mas que quando consistentes, te permitem perder peso. Podem ser exercícios para aprender mandarim, mas quando realizados continuamente, te tornam fluente na língua.
O desafio é fazer você tirar sua bunda do sofá, pegar o seu caderno, pegar o seu lápis, sentar na sua mesa, ler aqueles exercícios e respondê-los. Ser fluente em mandarim é um ganho incrível a longo prazo, mas é muito chato. Por isso, poucas pessoas o fazem. Mas mesmo assim vários aplicativos de aprendizado de línguas conseguem chamar a atenção através de notificações de competição entre usuários ou de lembretes de metas, fazem eles abrirem o app, treinarem alguns minutos, receber feedbacks e prêmios virtuais para continuarem voltando. E fucniona. Não é à toa que o Duolingo é o maior aplicativo de educação do mundo.
É claro que não se pode generalizar o sucesso de um app ou serviço para qualquer coisa. Mas a base dele é o design comportamental. Ele consegue chamar a atenção do usuário, fazer com que ele se comporte de uma determinada maneira e que sinta que seu comportamento é um investimento em algo. A melhor parte disso é que quando o usuário estiver sentindo que fez um bom investimento, ele vai compartilhá-lo com outras pessoas. Todos os produtos, serviços ou apps virais tem esses elementos em comum.
Para implantar com sucesso uma estratégia de engajamento ou gamificação, todas as etapas devem ser assertivas. Se uma delas falhar, a estratégia como um todo também falha.
Com isso espero ter ajudado a entender um pouco melhor alguns conceitos básicos de gamificação e design comportamental e como aplicá-los de forma efetiva.