Porque a maioria das pessoas estão erradas sobre a dor. O que é a dor?! De onde ela vêm?!

Porque a maioria das pessoas estão erradas sobre a dor. O que é a dor?! De onde ela vêm?!

Eu como sempre, muito questionador e intrigado para tentar responder alguns questionamentos, certo dia no consultório com uma senhorinha com seus 82 anos de muita sabedoria fez uma certa pergunta um tanto quanto capciosa: (...)mas doutor de onde vem a dor?!!!! e agora?! pensei eu com meus botões. Como vou responder isso?! Realmente, foi uma bela pergunta que me colocara em uma senhora “sinuca de bico”.

Eu, como muitos profissionais de saúde, bem como muitos leigos também, aprendi na faculdade e acreditava que a dor "vinha" de uma lesão ou era causada por algum bloqueio de articulação, desalinhamento articular, fraqueza muscular, alterações degenerativas...e por ai vai. O fato é: a dor significa que algo está errado com você.

Vamos lá!!! Pra você que é curioso como eu: Esta crença é baseada no que é popularmente chamado de modelo "cartesiano" de dor, invocado pelo filósofo Descartes quase 350 anos atrás. Descartes escreveu em seu livro, Treatise of Man: "A partícula de chama salta do fogo, toca o dedo do pé, desloca-se até a medula espinhal  e dispara um pequeno sino no cérebro e diz: Pqp. Isso doi!!!!

Isto está intimamente relacionado com o quê aprendemos ao longo da nossa infância, onde a dor sempre tem uma causa clara. Um exemplo: Jogando o famoso futebol na rua, depois do colégio, e dar uma “topada” com o dedão do pé, meu amigo, tenha certeza que o  resultado disso será uma dor sinistra!!!! ou então caiu do skate e ralou o joelho, outra baita dor.... Tudo isso é uma resposta natural, oque não deixa de ser uma coisa muito boa, porque nos leva a proteger a área lesada evitando mais ferimentos. Essa resposta natural nos leva a agir, e isso promoverá a cura através do repouso.

Essas experiências levam as pessoas a tirar a seguinte conclusão: se têm dor, é porque ralou, bateu, “magoou... (têm danos nos tecidos, músculos, tendões e articulações). Infelizmente, esta conclusão é, por vezes errada, especialmente quando a dor dura mais tempo do que o tempo normal de cicatrização. Muitas pesquisas em neurociência sobre dor nos mostram que, quando você tem dor, tem menos a ver com o estado atual do seu tecido, e mais a ver com o seu cérebro e sistema nervoso.

Vamos ser franco: a dor não é tão simples como a maioria das pessoas, e até mesmo alguns profissionais de saúde, pensam. A dor é uma experiência multifacetada que é produzida por várias influências e fatores . Ela não é simplesmente uma sensação causada por uma lesão, uma inflamação no corpo, ou uma patologia de tecido.

No caso de lesões,no ato do ferimento são ativados receptores específicos no corpo chamados nociceptores. “Esses caras” são neurônios especializados que nos alertar de estímulos potencialmente prejudiciais; eles detectam temperatura extremas, pressão e compostos produzidos por uma lesão. Um nome não técnico para eles é receptores de PERIGOOOOO ou DEU RUIM!!!!

Uma pesquisa recente mostrou que você realmente pode ter dor no corpo sem nada estar errado na área da dor. Você também pode ter "dano" e as chamadas alterações degenerativas no corpo, sem qualquer tipo de dor.

A meu ver, e de alguns colegas, existem quatro possibilidades:

  • Ter danos nos tecidos --------------------------------   Com dor;
  • Não ter nenhum dano tecidual ---------------------   Sem dor;
  • Ter dor, mas nenhum dano tecidual;
  • Ter danos no tecido, mas sem nenhuma dor.

 

As duas primeiras possibilidades são as que quase todo mundo toma como certo, enquanto as duas últimas possibilidades são muitas vezes esquecidas. No entanto, as duas ultimas possibilidade são muito importantes e manter em mente. Um exemplo, se você tem dor por três a seis meses, é normalmente classificado como uma dor crônica. Este tipo de dor, muitas vezes tem mais a ver com o seu cérebro e o sistema nervoso do que com a condição real do tecido.

Vejam só; neste artigo, vamos olhar para a última possibilidade: Ter danos nos tecidos sem dor. Há muitas pessoas que andam por aí com dor no joelho, dor nas costas ou dor no ombro que limita drasticamente a sua capacidade de ser ativo ou viver uma vida normal. Curiosamente, há também muitas pessoas que têm algum "dano" significativo no seu corpo, também conhecido como alterações degenerativas, mas sem quaisquer sintomas ou dor.

Alguns exemplos de pesquisa incluem:

  • Pesquisadores olhando para as ressonâncias magnéticas de área de coluna lombar dos participantes revelou que 80% dos participantes sem quaisquer sintomas ou dor pode ser diagnosticado com uma ligeira saliência no disco, o famoso bico de papagaio, ou uma hérnia de disco na coluna lombar, e 38% dos participantes tinham dois ou mais destas alterações degenerativas.
  • A Ressonância magnética feita dos ombros dos participantes que não tinham nem sintomas nem dor mostrou que 34% deles tiveram lesões do manguito rotador. Isso aumentou para 54% quando os investigadores só olharam as pessoas acima de 60 anos de idade.
  • Os pesquisadores descobriram que 37% dos pacientes em uma clínica de emergência (que eram de alerta, racional e coerente) não sente dor no momento da sua lesão. A maioria destes pacientes relataram dor em um tempo de uma hora de lesão, mas alguns pacientes relataram atrasos de até nove horas, ou até mais. Em pacientes com lacerações, cortes, abrasões e queimaduras, 53% tinham um período de tempo sem dor e, mesmo no grupo de pacientes com fraturas, entorses, contusões, amputação de um dedo, facadas, 28% tiveram um período sem dor.
  • Em um grupo de participantes em outro estudo, 20% a 57% tinham diferentes tipos de alterações degenerativas, como hérnia de disco ou estenose espinhal, variando de acordo com a idade. A incidência mostrou também que isso aumenta com a idade.
  • Em um estudo com pessoas com sintomas clínicos de osteoartrose do joelho, 76% foram encontrados com lesões meniscais sem quaisquer sintomas ou dor.
  • Em uma nova avaliação sistemática da degradação da coluna vertebral, os investigadores determinaram que as mudanças degenerativas pode ser visto como uma parte normal do envelhecimento, e que são comuns em indivíduos sem dor.
  • Numa outra pesquisa quando os ombros dos sujeitos em estudo foram fotografadas por ultra-som, os pesquisadores descobriram "anormalidades" em 96% deles; novamente sem quaisquer sintomas ou dor.
  • Em um editorial publicado no British Journal of Sports Medicine, um professor de medicina desportiva afirmou que lágrimas degenerativas no menisco (no joelho) devem ser encaradas como "rugas com a idade".
  • Em um outro estudo transversal de ressonancia magnética de coluna cervical realizado em 1.211 participantes com idade entre 20 e 70 anos constatou-se que 87,6% deles tinham uma hérnia de disco. Nos participantes com 20 anos, 73,3%(homens) e 78,0%(mulheres) tiveram abaulamento discos; novamente sem qualquer dor.

 

E se olharmos mais de perto os dados de uma Revisão Sistemática de  Literatura as características de imagem de degeneração espinhal em população assintomáticos, iremos ver que 60% das pessoas na casa dos 40 anos de idade têm a degeneração do disco, 50% têm um abaulamento disco , 33% têm “bico de papagaio”, 18% têm degeneração da faceta, e 8% tiveram espondilolistese. No entanto, nenhum deles tinha sintomas ou dor.

Essa incidência aumenta drasticamente quando olhamos para os dados com indivíduos na casa dos 80 anos. Esses dados mostram que 96% deles têm a degeneração do disco, 84% têm um abaulamento disco, 43% têm “bico de papagaio, 83% têm degeneração de faceta, e 50% têm espondilolistese. Ainda assim, acreditem, não tem dor.

Todos os participantes e pacientes nos estudos que mencionei, com exceção do papel em pacientes na clínica de emergência - todos tiveram algum os tipos de coisas "erradas" em seu corpo, mas nenhum deles sentiu dor.

Dai vem o questionamento da senhorinha que citei lá no inicio do post: Como pode ser? Porque é que o ombro de seu tio que teve manguito rotador rasgado pula de dor, enquanto as pessoas que fizeram parte da pesquisa mencionada não tinha dor? E por que você sente dor nas costas quando vai lavar o carro ou dirige até o supermercado, enquanto todas aquelas outras pessoas podem ter alterações degenerativas e não sente qualquer dor? E sobre o seu vizinho, que já é senhor de idade, que tem artrite em ambos os joelhos, mas somente o esquerdo dói? A resposta é: a dor é longe de ser tão simples como pensamos.

Mas o que as pesquisas modernas sobre dor nos dizem e o que podemos aprender com os últimos 30 anos de pesquisa sobre a experiência da dor?

Lorimer Moseley, que é professor de Neurociências Clínicas na School of Health Sciences at the University of South Australia, e está na vanguarda da pesquisa da dor relata em seus inúmeros estudos científicos que têm aumentado bastante a compreensão do que é dor, e o que não é. Moseley disse que: "a dor é uma experiência consciente desagradável que emerge do cérebro quando a soma de toda a informação disponível sugere que você precisa proteger uma parte específica do seu corpo."

A dor é, portanto, a soma do seu contexto ambiental (ou seja, um ambiente calmo ou estressado), o grau de sinal de perigo (nocicepção), suas crenças, suas expectativas e suas experiências passadas, bem como muitos outros fatores.

E você vai sentir dor apenas quando o seu corpo percebe uma ameaça grande o suficiente em relação ao seu contexto. Em termos leigos, você poderia reconceitualizar dor como sistema de alarme do organismo, que reage à ameaça, perigo e lesão. O alarme (dor) é muitas vezes ativado quando temos um ferimento, mas o sistema de alarme é muito inteligente e tem a capacidade de nos avisar antes de se chegar a uma lesão, aumentando assim a probabilidade de que podemos evitar o prejuízo.

O lendário dinamarquesa médico Dr. Finn Bojsen-Møller, declarou: É essencial para o corpo a capacidade de auto-protecção da dor . Nesta investigação científica, e suas implicações, estão a boa notícia e uma má notícia:

  • A boa notícia é que, através de avanços na pesquisa em ciências da dor, temos uma compreensão muito mais completa do que a dor é.
  • A má notícia que emerge a partir desta pesquisa é que a dor é uma experiência complexa influenciada por múltiplos fatores.

Isto significa que não há soluções rápidas para esse complexo problema da dor e este é um grande desafio para todos nós. Por isso, cuidado com soluções rápidas e ditas milagrosas. Mas também, por outro lado, sabemos dar esperança para os novos avanços em tratamentos da dor que integram a complexidade e natureza multifatorial da dor.

Espero ter respondido bem o questionamento daquela senhorinha. E você também pode dar seu “piteco” por aqui pelo comentário.

Grande abraço à todos e excelente semana!!!!!!!!!

Reference:

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  14. Bojsen-Møller, F. 2001. Bevægeapparatets anatomi. 12th ed., Denmark: Munksgaard.

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