Porque o Banco Central não deveria elevar juros
Artigo publicado no jornal Valor Econômico em 09/12/15
O comunicado do Banco Central, após a última reunião do Copom, abriu espaço para elevações da taxa de juros ao retirar o trecho em que garantia a estabilidade da Selic “por período suficiente prolongado” e ao apresentar divisão entres os membros do Comitê. Com isso, passamos a projetar um novo ciclo de alta com elevação total de 100 pontos-base nas reuniões de janeiro e março, 50 pontos-base em cada reunião, o que faria com que a Selic atingisse 15,25% a.a.
Apesar de esperarmos novas altas da Selic, em nosso entendimento o Banco Central não deveria iniciar um novo ciclo de aperto monetário. A principal razão é que os custos à sociedade, refletidos em queda do PIB e aumento do desemprego, já são suficientemente elevados. Para manter a credibilidade do Regime de Metas, e não ser acusado de leniência no combate à inflação, sugerimos que o Banco Central passe a trabalhar com metas ajustadas de inflação para 2016 e 2017, artifício que já foi utilizado em outras oportunidades.
Uma política monetária mais apertada tende a promover desinflação via desaceleração da atividade, entre outros canais, já que desestimula o consumo e investimento privados. Este é o principal canal de impacto da política monetária sobre a inflação. Acontece que a atividade já está muito deprimida, com queda forte do PIB para 2015 e expectativa de novo recuo intenso em 2016. Nesta conjuntura, entendemos ser indesejável promover contração ainda maior da atividade para uma convergência mais rápida da inflação as metas. De fato, projetamos queda do PIB de 3,8% este ano e de 3,0% em 2016, números que já incorporam o novo ciclo de aperto monetário. A taxa de desemprego, outra face do atual quadro de atividade, segue em trajetória ascendente, movimento que deve perdurar ao longo de todo 2016. Alguma recuperação da atividade deve ficar apenas para 2017, mas mesmo assim de forma bastante tímida.
Em suma, o hiato do produto já se encontra em nível suficiente negativo para promover uma desaceleração da inflação, especialmente via preços de serviços. Elevações adicionais da taxa de juros ampliam esse canal, mas questionamos a validade de o fazer neste momento.
A estabilidade da Selic em 14,25% por longo período, que era até então a estratégia adotada pelo Banco Central, já garantiria uma forte elevação da taxa de juros real, que atingiria 6,4% em 2016, a maior taxa desde 2007, contra 2,6% em 2015. Com a expectativa de alta de juros, a taxa de juros real deve alcançar 7,4% em 2016.
Adicionalmente, embora o Brasil não se encontre em um quadro que possa ser classificado como de dominância fiscal, é fato que a dinâmica desfavorável da dívida interna reduz o poder da política monetária. Nesse sentido, os juros mais elevados e o consequente acréscimo à dívida implicam em um aumento da percepção de risco por parte dos investidores, acarretando em saída de capitais, ainda que não necessariamente saída líquida, o que reduz a apreciação cambial esperada em momentos de elevação de juros. Assim, um dos principais canais da política monetária sobre a inflação – o cambial – fica enfraquecido.
A razão da expectativa de alta de juros, apesar do quadro apresentado acima, é que em um regime de metas de inflação como o adotado no Brasil, o Banco Central possui como mandato único a convergência da inflação para o centro da meta estabelecida. Assim, independente do cenário de atividade, a resposta do Banco Central deve ser a elevação da taxa de juros se as expectativas de mercado, e principalmente, do Banco Central, estão acima do centro da meta.
O estabelecimento e consolidação do Regime de Metas foi um dos principais ganhos institucionais observada pelo Brasil ao longo da década de 2000. Não o abandonar deve, portanto, ser uma prioridade do governo e do Banco Central.
Como, então, permitir a continuidade do Regime de Metas com credibilidade sem que o Banco Central tenha que iniciar um novo ciclo de alta de juros?
A melhor saída seria o anúncio de metas de inflação ajustadas para os próximos anos. O Banco Central poderia aproveitar a carta aberta a ser divulgada em janeiro de 2016, na qual seu Presidente terá que justificar as razões do descumprimento da meta e listar as providências tomadas para assegurar o retorno da inflação à meta. A oportunidade para a colocação de metas ajustadas surge ao apontar o prazo no qual se espera que as providências produzam efeito.
Os números exatos das metas ajustadas demandam maior estudo, mas poderiam incluir os mesmos itens das metas ajustadas em 2003 e 2004, que levaram em conta a meta para a inflação preestabelecida pelo CMN, os impactos inerciais da inflação do ano anterior e o efeito primário dos choques de preços administrados por contrato e monitorados. Sem fazer as respectivas contas, entendemos que uma meta de 6,5% para 2016 e de 5,5% para 2017 seriam adequadas. Para 2018, poderíamos ter a meta em 4,5%, com nova redução da banda, para 1 ponto percentual, mostrando comprometimento com a redução da inflação nesse horizonte de tempo.
Dessa forma, com uma comunicação adequada, o Banco Central poderia anunciar metas críveis para a inflação, sem a necessidade de promover ajustes monetários adicionais, que agravariam ainda mais um quadro já desfavorável em termos de atividade econômica.
É claro que a adoção de metas ajustadas não é suficiente isoladamente. O ajuste fiscal precisa ser concluído, gerando uma situação que garanta uma trajetória sustentável da relação dívida/PIB. De fato, para que um regime de metas seja sustentável, é necessário que haja coordenação entre política fiscal e monetária, em linha com o observado nas experiências internacionais bem-sucedidas e em nosso próprio passado recente. Ao mesmo tempo, é necessário que se encerre a interferência setorial do governo, que está na raiz de nossos problemas fiscais e inflacionários. Por fim, é essencial que o câmbio siga flutuante.
Elevar a taxa de juros agora não corrigiria em nada a fonte dos desequilíbrios da economia brasileira, gerados ao longo de anos de gestão desastrosa de política econômica. Observaríamos apenas e tão somente uma redução marginal das taxas de inflação. Ao mesmo tempo, teríamos um agravamento do já lastimável cenário de atividade e uma piora na dinâmica das contas públicas. Ou seja, o Banco Central não deveria elevar os juros.
Juan Jensen: Mestre e doutor em economia pela USP, sócio da 4E Consultoria e professor do Insper (jensen@4econsultoria.com.br)
Thiago Curado: Mestre e doutorando em economia pela EESP-FGV, sócio da 4E Consultoria (curado@4econsultoria.com.br)