Porque acidentes ocorrem em ambientes supostamente seguros?

Porque acidentes ocorrem em ambientes supostamente seguros?

PORQUE ACIDENTES OCORREM EM AMBIENTES SUPOSTAMENTE SEGUROS?

Geraldo Taveira Neto

 

A história da segurança no trabalho ensina-nos que a maneira mais econômica e eficaz de se prevenir acidentes consiste em organizar e capacitar os trabalhares para o exercício correto do trabalho. Dessa forma, evita-se, por todos os meios viáveis, o cometimento de erros que possam comprometer, direta ou indiretamente, as atividades laborais, especialmente as de rotina. E isso se obtém mais facilmente com a conjugação de alguns fatores, internos e externos às pessoas e ao ambiente de trabalho, dentre eles os que se seguem:

1.   Relacionados ao trabalhador:

a)        Possuir conhecimento, habilidades e disciplina indispensáveis ao exercício correto do trabalho, comprovadamente avaliadas. Essa variável é de fundamental importância na prevenção de acidentes uma vez que a maioria dos acidentes continua acontecendo em decorrência de erros de percepção e de tomada de decisão cometidos no exercício do trabalho.

b)        Estar sempre disposto a fazer o melhor, de buscar incessantemente o acerto. É importante salientar que erros como acertos, que resultam em prevenção ou em ocorrência de acidentes, derivam-se de matrizes causais cujas origens e fronteiras, nem sempre se delimitam mediante indicadores facilmente perceptíveis. A distância que separa o erro do acerto é ínfima, requerendo, por isso, atenção especial no que tange às suas matrizes causais. Erros e acertos não ocorrem por acaso, são frutos de uma determinada ordem. Daí a necessidade do conhecimento, das habilidades e da disciplina férrea no exercício do trabalho.

c)        Manter os sentidos aguçados, capacidade de perceber e estabelecer conexões entre as diversas variáveis que gravitam em torno da atividade que executa e/ou do ambiente do trabalho como um todo. Os sentidos se constituem num poderoso arsenal de sobrevivência e de adaptação às demandas do ambiente, não resta dúvida. Todavia, em se tratando de segurança no trabalho, não bastam. Para se trabalhar corretamente é necessário, além da adequação dos elementos constitutivos da organização e do ambiente de trabalho; de parte do trabalhador, desenvolver conhecimento, habilidades e disciplina. 

d)        Manifestar, por meio de ações concretas, comprometimento com o trabalho, não sendo permissivo com os desvios de conduta, própria e de colegas – que comprometam a realização correta do trabalho. Ter domínio daquilo que se propõem a fazer é apenas uma das vertentes para se trabalhar corretamente. O trabalho correto demanda níveis elevados de conhecimento, de habilidades e de disciplina férrea na sua realização.

e)        Promover e valorizar, em todas as situações e momentos, o trabalho em equipe, sendo menos individualista. Não basta, individualmente, ser competente e disciplinado. Essas qualidades produzem melhores resultados quando postas a serviço do grupo. 

f)          Perceber e tratar o trabalho como um referencial de valor. Essa postura não serve apenas para promover o crescimento individual e prevenir toda sorte de distúrbios nas relações de trabalho, mas serve ainda para promover a integração e crescimento do trabalho em equipe. 

2.   Relacionados ao ambiente e à organização do trabalho:

a)        Existência de procedimentos ou regras de trabalho, testadas e aprovadas. As regras formais que orientam o exercício do trabalho devem ser claras e de fácil entendimento por parte de quem tem a incumbência nominal de cumpri-las. Quando a regra ou procedimento, por questões técnicas, é de linguagem complexa e escrito em várias páginas, o recomendável e extrair dele o conteúdo que será exigido do trabalhador e treiná-lo para o seu correto cumprimento.  

b)        Condições de trabalho favoráveis ao seu correto exercício. Não se espera que o trabalho seja realizado de maneira correta em ambientes desfavoráveis ao seu exercício. O corpo humano, embora resistente, é suscetível de exaustão quando exigido além dos limites de tolerância orgânica.

c)        Disponibilidade de recursos necessários ao trabalho. O exercício correto do trabalho demanda organização e planejamento, onde todos os recursos necessários ao seu exercício estejam disponibilizados.

d)        Liberdade e incentivo para questionar a qualidade e validade dos procedimentos formais de trabalho. Sem liberdade de expressão dificilmente haverá inclusão dos trabalhadores e sem ela é impossível promover o crescimento dos grupos de trabalho. A participação dos trabalhadores na utilização correta das ferramentas de SST, idealizadas e implementadas pela empresa, requer incentivo de parte dos supervisores e líderes de equipes.

e)        Carga e ritmo de trabalhos compatíveis com os níveis de tolerância do organismo. Fazer segurança requer medidas de controle, entre elas as que previnem a fadiga no trabalho.

f)          Direito de recusa ao trabalho que oferece risco grave sem as medidas de controle requeridas. A recusa de tarefa é uma ferramenta de extraordinário valor na prevenção de acidentes graves. Seu emprego, contudo, requer treinamento especifico e incentivo por parte das chefias imediatas dos trabalhadores.

Com base nesse princípio, nas vivências e experiências dos próprios colaboradores, o foco das atenções volta-se para os três fatores mencionados abaixo, que se constituem, necessariamente, nas principais referências da abordagem da Segurança no Trabalho: 

i.        FATORES OU ASPECTOS RELACIONADOS COM O AMBIENTE DE TRABALHO. É a partir desse item que se identifica e estuda os perigos e os riscos existentes no trabalho (como riscos físicos, químicos, biológicos, riscos de acidentes e os problemas relacionados à ergonomia).

ii.        FATORES OU ASPECTOS RELACIONADOS À ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO. É a partir dos fundamentos básicos da organização do trabalho que se compreendem os traços fundamentais da cultura dominante de Segurança e Saúde no Trabalho na empresa.

iii.        FATORES OU ASPECTOS COMPORTAMENTAIS. O comportamento das pessoas, em sua vivência com o trabalho, resulta da interação e da conjugação dos aspectos que denominamos ambientais e organizacionais, além dos traços de personalidade, das experiências, das habilidades, da formação cultural e das influências do contexto de vida.

Dos três fatores mencionados, o comportamento das pessoas expostas às situações de riscos no trabalho é o que se afigura como sendo o principal fator gerador de acidentes e, paradoxalmente, o mais difícil de ser plenamente compreendido e corrigido de maneira adequada. Essa dificuldade se explica pelo fato de ser o comportamento comumente tratado, na investigação dos acidentes, como causa, quando na realidade deveria ser abordado como consequência de uma série de distúrbios que podem estar ligados ao trabalho e ao contexto de vida do trabalhador. É importante enfatizar que as pessoas não se comportam no trabalho apenas em função das condições e das exigências do próprio trabalho, mas em função de todos os determinantes de suas vidas, independentemente da natureza e da origem.

Porém, uma pessoa que sabe perfeitamente o que deve ser feito no trabalho, sabe como realizar corretamente as suas atividades e dispõe das condições materiais necessárias para realizá-las, como definidas nos procedimentos de trabalho, e não o faz da forma esperada, certamente alguma coisa de anormal está desviando-a do comportamento desejado. Nessa circunstância, o que se deve fazer é identificar, estudar e controlar os fatores desviantes, não importando a sua origem, se relacionados diretamente com o trabalho ou não. 

Certamente, não é fácil para a empresa estudar e corrigir, em nível individual, os desvios de comportamento das pessoas envolvidas com o trabalho – principalmente daqueles que decidem sobre o trabalho de outrem. Todavia, é perfeitamente possível relacionar o comportamento das pessoas a determinados traços da cultura dominante da empresa, que podem estar interferindo, de maneira negativa, no desempenho de suas atribuições.

Essa observação é importante por não ser possível ignorar, como fatores causadores de problemas nas organizações, aqueles traços próprios da cultura, dos modos de ver e sentir as coisas, dos valores vivenciados no cotidiano interno e externo dos indivíduos. Levar aos colaboradores da empresa a possibilidade dessa discussão, ainda que sem a pretensão de esgotá-la numa abordagem sucinta, certamente abrirá novos horizontes na compreensão do tema. Sem discussão não haverá inclusão, e sem ela, dificilmente haverá participação compromissada.

As experiências de anos lidando com a questão da segurança no trabalho ensinam-nos que o conhecimento dos riscos existentes no trabalho sem o conhecimento de suas verdadeiras origens constitui-se num dos principais obstáculos, não apenas na correta definição das medidas de controle, mas também na sua implementação e principalmente na sua manutenção. E não há dúvida de que as verdadeiras origens dos riscos, sobretudo relacionados a atitudes incorretas, se localizam no jeito como as pessoas concebem, organizam e exercem, no dia a dia, o seu trabalho. E isso só será percebido quando se conhecem minimamente os traços marcantes da cultura de SST da empresa. É conveniente ressaltar que todas as situações de riscos existentes no trabalho foram geradas, num dado momento, por atitudes premeditadas ou não, de alguém, orientada, sobretudo pela lei do menor esforço ou do menor custo (economia de tempo) ou simplesmente por desleixo.

Para quem deseja, de fato, promover segurança no ambiente de trabalho, o que importa não é a percepção do risco como ele se apresenta no momento da sua constatação, mas os porquês de sua origem – porque ele foi gerado, quem o gerou, quem o mantém, quem tem a incumbência nominal de corrigi-lo ou de responder pelas suas consequências. 

Denominamos cultura de SST da empresa o jeito de ser, pensar e agir das pessoas em relação ao seu trabalho. Lembrando que as decisões, acertadas ou equivocadas, que repercutem nas ações de SST, são tomadas pelas pessoas pertencentes ao quadro da empresa. O desafio está, portanto, em fazer com que o jeito de ser e agir das pessoas, em relação ao mundo do trabalho, seja, além de correto, o mais convergente e uniforme possível. Quanto mais convergente é o jeito de ver e avaliar a realidade do trabalho, menores são as dificuldades no estabelecimento e adoção de meios para corrigir os desvios que concorrem para a ocorrência de acidentes.

Quando se estuda os traços preponderantes da cultua de SST da empresa é perfeitamente possível verificar que as posturas assumidas pelos seus colaboradores em relação à condução das ações de SST, positivas ou negativas, derivam-se das políticas de SST definidas e explicitadas pela própria empresa. Quando as políticas de SST são incisivas, com definição clara de atribuições e responsabilidades dos colaboradores, incluindo ocupantes de cargos de chefia, não há ambiente favorável à manifestação de dúvidas ou de quaisquer outras alegações que caracterizam desapreço à segurança no trabalho. Ressaltando que as diretrizes de SST, explicitadas na política da empresa, só funcionam adequadamente em ambientes:

a)   Onde as ações de SST são integradas aos processos produtivos e adequadamente planejadas;

b)   Onde há métodos (ferramentas) apropriados de gestão de SST.

c)   Onde existem gestores, sobretudo das áreas operacionais, comprometidos com SST;

d)   Onde os resultados de SST fazem parte dos elementos constitutivos da avaliação de desempenho dos ocupantes de cargos de chefia;

e)   Onde os trabalhadores detêm conhecimento e habilidades suficientes para o exercício correto de suas funções;

f)    Onde há disciplina para se fazer o que se espera que seja feito. Quando falamos em disciplina não nos referimos apenas à conduta assertiva dos trabalhadores, mas também e principalmente, das posturas assumidas pelos seus respectivos gestores, traduzidas em ações concretas, que possam ser avaliadas e medidas.

Lembrando que não basta dispor das melhores condições para se fazer o que é esperado, é preciso determinação, traduzida em disciplina.


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