Posidônia trava 'batalha' contra Antaq e briga com armadores

Posidônia remete à ideia da morada de Poseidon, o deus dos mares na mitologia grega. No Brasil, Posidônia designa empresa criada em 2010 que tornou-se peça central em polêmica que mantém conflagrado o transporte de mercadorias entre portos do país. A Posidônia questiona na Justiça decisões tomadas pela Agência Nacional de Transportes Aquaviários (Antaq), órgão regulador do setor. A empresa impetrou cinco mandados de segurança contra a Antaq, e apresentou denúncia ao Ministério Público Federal (MPF) contra servidores da agência na qual afirmou ser "vítima de perseguição".

A denúncia da Posidônia ao MPF, feita em 2016, resultou na abertura de inquérito civil contra seis funcionários da agência. A investigação encontra-se em fase de coleta de informações e tramita em segredo, disse o MPF. Uma comissão conjunta de investigação formada pela Antaq e pelo Ministério dos Transportes, com o objetivo de apurar eventuais irregularidades apontadas na denúncia, sugeriu o "arquivamento" do caso, e fez sugestões para melhoria de procedimentos administrativos.

Na esfera privada, a Posidônia mantém relação litigiosa com o Sindicato Nacional das Empresas de Navegação Marítima (Syndarma), a quem acusa de formar "cartel", o que a entidade de classe nega. O Syndarma representa 45 empresas nas áreas de navegação de longo curso, cabotagem, apoio marítimo e apoio portuário.

Para o Syndarma, a Posidônia atua como empresa de "papel", acusação que a companhia rebate. Empresas de papel atuam como agentes intermediários e não como empresas de navegação de fato. Pela Constituição, a cabotagem é reservada a empresas brasileiras de navegação, conhecidas pela sigla EBN. É assim também em outros países como os Estados Unidos. A Posidônia recebeu autorização para operar como EBN em 2012, mas sua forma de atuação é criticada por concorrentes.

Apesar de a embarcação de bandeira brasileira ter preferência no transporte de cargas entre os portos do país, a lei 9.432, de 1997, determina em que condições as empresas podem afretar navios estrangeiros para operar no Brasil. A ideia é que o afretamento de navio estrangeiro seja a exceção e não a regra. Para afretar navios estrangeiros, as EBNs precisam ter autorização da Antaq, e fazer consultas ao mercado para saber se há navios brasileiros disponíveis para atender o frete.

O vice-presidente do Syndarma, Marco Aurélio Guedes, negou que as empresas reunidas na entidade limitem a concorrência: "Na cabotagem, temos empresas que competem entre si, não estamos dividindo o mercado. O que ocorre é que a Posidônia não quer seguir a regra [da Antaq]." O diretor-geral da Posidônia, Abrahão Salomão, afirmou: "Não somos aventureiros, tentam nos imputar irregularidades que não cometemos."

Salomão vem de família com atuação na navegação, e trabalhou na Transnave, empresa que pertenceu ao seu pai, Alarico Salomão. Abrahão é sócio da Posidônia com os irmãos Alex e Felipe Ikonomopoulos.

Apesar de nova, a Posidônia cresceu e prevê faturar R$ 90 milhões em 2017. Mas para o Syndarma, ao descumprir regras da Antaq com base em decisões judiciais, a Posidônia compete em condições mais vantajosas de custos do que as demais empresas.

Guedes, do Syndarma: empresas competem, mas Posidônia não segue regra

A situação estabeleceria relação competitiva "assimétrica" com a Posidônia conseguindo oferecer fretes mais baratos. Em nota, a Posidônia afirmou: "Os preços praticados pela Posidônia são menores nos casos em que se verifica indícios de cartelização e de concorrência desleal, com sobrepreços destinados a absorverem comissões e participações alheias ao objeto da operação, práticas essas que vem sendo evidenciadas em diversos casos investigados no país. A companhia não pactua com tais irregularidades e isso se reflete em política de custos justa e sem distorções."

Guedes, do Syndarma, argumentou: "Não cabe a ideia que é preciso onerar custos por meio de fatores externos aos fretes porque os armadores disputam o mercado entre si, e enfrentam ainda a concorrência do modal rodoviário. Essa é mais uma história criada pela Posidônia."

Desde que começou a operar, a empresa entrou em segmentos antes disputados por companhias tradicionais como Aliança (Hamburg Süd), Norsul (Lorentzen), Log-In, Mercosul Line (CMA CGM), Flumar (Odfjell) e El Cano. Essas empresas integram a Associação Brasileira dos Armadores de Cabotagem (ABAC), entidade ligada ao Syndarma, e operam no transporte de contêineres, de granéis sólidos e líquidos e na carga geral. Em 2015, a ABAC fez denúncia à Antaq contra a Posidônia (ver reportagem ao lado).

A partir de 2012, a Posidônia entrou em alguns desses segmentos. Mas a empresa tem enfrentado dificuldades regulatórias. Salomão disse que todos os assuntos de interesse da Posidônia na Antaq precisam ser resolvidos na justiça.

Uma das questões judicializadas pela companhia foi a resolução 01/2015 da Antaq que determina novas regras para afretamento de embarcações. A norma previu que na cabotagem - para afretar navio a casco nu (sem tripulação) por espaço, tempo ou viagem - a autorização fica limitada a quatro vezes a tonelagem das embarcações de registro brasileiro em operação comercial pela empresa afretadora. O armador também tem que ser dono de ao menos uma embarcação de tipo semelhante à afretada.

A Posidônia obteve mandado de segurança na Justiça Federal, em Brasília, para afastar pontos da resolução 01/2015 que considera "ilegais", disse Salomão. Assim, não precisa ater-se à regra que limita o afretamento em até quatro vezes a tonelagem, nem seguir o ponto que diz que precisa ser dona de barco semelhante ao que pretende afretar. Pode, portanto, afretar mais navios. Guedes, do Syndarma, disse que a lei 9.432/97, apesar de determinar as regras para afretamento, não previu todas as "nuances", o que levou a Antaq a fechar "brechas" para evitar "burlas".

O advogado Marcelo Borja, que representa a Posidônia, disse que a resolução 01/2015 ultrapassa limites da lei, e impede a empresa de crescer. Salomão disse que a resolução foi feita "sob encomenda" do Syndarma. Guedes afirmou que a entidade não tem o poder de definir "quem faz o quê". "A Antaq não é conivente", afirmou.

Em agosto, o Syndarma teve aceito pela Justiça pedido para participar como "amicus curiae" - parte que apresenta elementos técnicos - no processo movido pela Posidônia contra a resolução 01/15. O caso encontra-se na segunda instância da Justiça Federal depois de recurso da agência.

Procurada, a Antaq disse: "Estamos atuando em juízo em todos os processos referentes ao assunto. Todavia, em relação à resolução normativa nº 01-ANTAQ, de 2015, não há decisão judicial final. Internamente, há discussões sobre a possibilidade de eventual revisão da norma nos pontos judicializados." Para Diogo Rezende de Almeida, advogado do Syndarma, o que se quer é que a Posidônia cumpra os requisitos que as demais empresas do setor cumprem.

Nos bastidores, a Antaq é criticada por não ter atuação mais efetiva na defesa do marco regulatório que criou. O diretor-geral da Antaq, Adalberto Tokarski, afirmou, em nota: "A defesa da regulação tem ocorrido pela agência ao tempo em que tem aplicado seus normativos em suas decisões, isto não implica que todos os diretores devam ter o mesmo entendimento sobre a aplicação de determinado dispositivo-norma, em cada caso especifico." Tokarski disse que a Antaq tem atuado para "harmonizar" os interesses e conflitos existentes nos diversos mercados regulados.

Fonte: Valor

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