Profissionais 50+ no mercado de trabalho: o gap da diversidade etária
Martin Scorsese / Philip Montgomery for The New York Times

Profissionais 50+ no mercado de trabalho: o gap da diversidade etária

Tem sido incrível observar que a pauta de diversidade é cada vez mais relevante para a formação de times inovadores. Mas, nesses times diversos, onde estão os maduros?

Existe algo de único na formação de times multigeracionais. De um lado, a experiência, o repertório, o conhecimento e a plasticidade de lidar com situações muito diferentes. Do outro, a tomada de risco, a agilidade, o uso de tecnologia para automatizar processos. Quando essas duas forças se combinam, trabalhando por uma mesma causa, em um projeto ou iniciativa, uma terceira habilidade surge: a capacidade de inovação produtiva.

Se os conflitos são mediados e cada um, dos maduros aos mais jovens, entende sua contribuição para o todo, o resultado é uma entrega na sua máxima potência. Essa é a força da diversidade.

Porém, se você reparar bem no seu feed de LinkedIn, quantas empresas têm times com diversidade geracional?

Esse estudo apresentado na Psychology Today indica que mais da metade dos maduros acima de 50 anos foram obrigados a deixar seus trabalhos de forma involuntária por conta de demissões, aposentadorias inesperadas ou de organizações que fecharam as portas. Desses, menos de 10% conseguiram se recolocar no mercado causando um fenômeno que também temos visto no Brasil de expulsão dos maduros do mercado de trabalho.

O contraste torna-se cada dia mais evidente: enquanto a pirâmide se inverte fazendo crescer a população 50+, as organizações encurtam a carreira dos maduros.

É provável que você tenha vivido isso em casa: um tio que foi demitido depois de anos no mesmo emprego e nunca mais conseguiu se recolocar; um avô que se deprimiu depois da aposentadoria compulsória; uma vizinha que ficou doente e precisou se aposentar antes da hora. 

O tema foi inspiração para o filme Sr. Estagiário, com Robert de Niro

"Muitas empresas começaram a olhar para o assunto no último ano, mas práticas efetivas de diversidade etárias ainda são pouquíssimas e a maioria recente, de maneira que há pouco resultado mensurado ainda. Muitas estão fazendo pilotos. Isso tudo porque a cultura de desvalorização do mais velho no mercado de trabalho é muito forte no Brasil e se faz necessária uma grande conscientização das lideranças, com visão de negócio para o assunto" diz Mórris Litvak.

É questão de tempo, literalmente, para termos ambientes de trabalho multigeracionais.

Para acelerar essa mudança, existe um atalho: podemos sempre aprender com quem já está nessa trilha há um tempo. Por isso, fui conversar com dois amigos queridos sobre o processo de recrutamento e seleção de profissionais maduros no Brasil. O primeiro é o Jean Nogueira, Diretor Executivo de Gente e Cultura da Gol, que me contou como foi implementado o programa Experiência na Bagagem, uma iniciativa da Gol para atração de talentos maduros. Já o segundo é o Mórris Litvak, fundador da Maturijobs, que, a partir do contato e da relação com múltiplas organizações, nos ajuda a enxergar o cenário mais amplo do mercado de trabalho para profissionais acima de 50 anos. 

Experiência na Bagagem: um projeto que nasceu da conexão com a estratégia 

São 35 milhões de passageiros atendidos todo ano pela Gol. Famílias, executivos, PCDs e claro, os maduros. Desde cedo, a Gol sabia que, para atender a esses públicos, precisaria tê-los também representados internamente no quadro de funcionários. Porém, faltava um equilíbrio maior entre as idades dentro da organização. Nesse momento nasceu o Experiência na Bagagem.

O objetivo era recrutar profissionais com mais de 50 anos, especialmente, para funções de relacionamento com o cliente nos aeroportos ou na Central de Atendimento. A escolha da idade não foi à toa: na sua maioria, são pessoas com experiência suficiente para ter um alto grau de empatia com os clientes, entender o contexto sistêmico em um dado problema e fazer a leitura das pessoas para antecipar necessidades não atendidas. 

Por ser um experimento, foi lançada uma campanha interna para os funcionários da Gol em 2017. Logo, a campanha cresceu e chegou em muito mais gente. Os próprios funcionários compartilharam nas redes sociais, falaram com a família, indicaram os pais, os vizinhos e pessoas conhecidas. Um alcance que não era esperado na fase piloto do projeto. 

O que mais surpreendeu Jean durante o processo seletivo, foi a desconstrução dos próprios vieses inconscientes sobre esse público.

"O engajamento deles é impressionante. Eles têm uma energia muito alta. Conversei com pessoas que declaravam ter 65 anos, mas apresentavam uma vitalidade invejável. Eu vejo essa geração de novos maduros preocupada com a saúde física, mental, com a alimentação e, por consequência, são pessoas com mais disposição para continuarem ativos." comenta Jean Nogueira

A iniciativa faz parte de uma transformação cultural maior pela qual a Gol passou nos últimos anos. Na conversa com Mórris, entendi que projetos assim só se sustentam no longo prazo quando têm o apoio e o incentivo direto do CEO e da alta liderança, como é o caso da Gol. A iniciativa faz parte de uma estratégia maior chamada de Gol para Todos com incentivos à diversidade que vão além, mas também englobam a diversidade etária. Para isso, o programa de desenvolvimento de líderes da companhia aérea também incluiu módulos que trabalham com vieses cognitivos relativos à idade preparando todas as lideranças da organização para a chegada dos novos profissionais. 

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Na prática, a Gol não desenhou treinamentos específicos para os 60+, nem diferenciou o modo de acompanhar o desenvolvimento e a performance deles do resto da equipe. Para Jean, o mais importante é que eles sejam treinados, como todos os funcionários, em três pilares que formam a cultura da Gol:

  1. Segurança
  2. Empatia
  3. Simplicidade

Hoje, 13% do total de funcionários é formada pelo público 60+. O que torna essa oportunidade atrativa para os profissionais é a combinação de dois fatores: horários de trabalho flexíveis de 4 a 6 horas diárias, e a possibilidade de trabalho remoto, pela Central de Atendimento ao Cliente. Além de desenhar a vaga para a necessidade específica desse público, Jean compartilhou alguns dos aprendizados que teve nos últimos dois anos com o processo de atração de talentos maduros. 

  • Embarque em um projeto assim de corpo e alma. Você vai encontrar, no caminho, os próprios vieses cognitivos relacionados à idade. Se você tiver preconceitos enraizados, mesmo que inconscientes, será mais difícil desenhar um processo atrativo para esses profissionais e criar formas de retê-los na organização. 
  • Não segregue os maduros, eles são parte do todo. Desde os primeiros passos de seleção, eles estão fazendo dinâmicas e entrevistas ao lado de pessoas de todas as idades. Essa mistura de idades, ainda na seleção, gera uma vontade forte de querer se conectar e surpreender.
  • Não imponha a contratação desse perfil de forma direcionada. Quando os gestores da sua empresa podem escolher, de forma legítima, esses profissionais por conta dos diferenciais que apresentam, a entrada e o desenvolvimento deles no time serão mais naturais. Essa convivência cria estrada e abre portas para que pessoas com perfis semelhantes também sejam atraídas. 

O Mórris também foi enfático na nossa conversa sobre a necessidade inicial de reconstruir nossos rótulos em relação aos maduros, antes de qualquer iniciativa ser criada.

"É preciso tirar os 50+ das caixinhas nas quais são colocados e deixar de generalizar e rotular as pessoas em função da idade, principalmente com relação à custo, agilidade e tecnologia, que é onde vejo que mais pega. Precisamos quebrar esses paradigmas mostrando casos reais onde o que acontece é o oposto do que muitos pensam. Sensibilizar as empresas e, ao mesmo tempo, capacitar os 50+ para que estejam aptos a atuar no mercado de trabalho atual com todas as mudanças que vêm ocorrendo."
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Acima, foto do MaturiFest 2019, maior festival de trabalho para 50+ da América Latina, que reuniu 400 pessoas em 3 dias, realizado pela Maturijobs.

A falta de diversidade no ambiente de trabalho é um problema de negócio: limita a criatividade e as grandes ideias, um desafio enorme para agências de comunicação, por exemplo:

Temos muito a fazer! Por isso, se não dá apenas para esperar pela força do tempo para construirmos organizações com diversidade etária, vamos ao trabalho. 

Ótimo 2020 para vocês!

Layla Vallias é cofundadora do Hype60+, consultoria de marketing especializada no consumidor sênior e coordenadora do Tsunami60+, maior estudo sobre Economia Prateada e Raio-X do público maduro no Brasil. Foi também Diretora do Aging2.0 São Paulo, organização de apoio a empreendedores com soluções para o envelhecimento em mais de 20 países. Mercadóloga de formação, com especialização em marketing digital pela Universidade de Nova York, trabalhou com desenvolvimento de produto na Endeavor Brasil.

Dra. Eloisa Elena S.

Professora universitária na UNISAN | Mentora Acadêmica | Doutora em Administração pela UNINOVE | Pesquisadora em Empreendedorismo 50+| MSc. em Administração GSS

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Só hoje tive a oportunidade de ler seu artigo completo. Ele é incrível! O mundo está envelhecendo, mas isso não é uma fato ruim. Ele traz esperança, inovação e inspiração para as novas gerações. Parabéns!

Alexandre Barbosa

Gerente de marketing na GUÉP, Diretor de marketing na GRISTEC

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Sensacional artigo! Pertinente e vem num momento muito importante!

Ricardo Dias

Gerência, Coordenação e Gestão de Projetos. Sólida experiência, otimizando processos e custos.

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Sei muito bem o que é isso, aos 61 anos luto por uma recolocação, nem ao menos se é chamado à um processo seletivo. Passamos a viver a "síndrome do caramujo", você vai se isolando, evitando amigos e pessoas próximas, se retraindo dentro da própria casca. É claro que o número de desempregados em nosso país assusta, mas muitos recrutadores, independente da experiência do candidato, já faz a primeira barreira pela idade. Para muitos deles, os candidatos com mais idade, devem estar com alzheimer, ou algo do tipo. Pode-se ter uma formação acadêmica de ponta, mas algumas habilidades, só o tempo e a experiência lhe dará. Infelizmente, em sua maioria, preferem dar o comando do navio à um marinheiro de primeira viagem, e não para aqueles que já navegaram por mares revoltos. Layla excelente abordagem, que a sua visão seja um farol, guiando mais pessoas nesse caminho. Abs  

Cecília Xavier

Consultoria em transição de carreira | Carreira | aposentadoria | Longevidade | Mentoria | Projeto de Vida

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Vania Morato leia isso

Ana Carolina Duarte Pugliesi

Co-fundadora da ONVET. Mãe do Benjamin e 5 peludas. Mudando o status quo da Nutrição Pet, através da nutrição médica de precisão!

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