[Publicado originalmente em 17 de Agosto de 2015]*
Segunda-feira, 10 de agosto, 5h da manhã. O aeroporto Santos Dumont já estava acordado, e nós também. Antecipamos nosso voo para o primeiro rumo a São Paulo, às 6h15. Queríamos estar em casa quando nossa campanha de financiamento coletivo entrasse no ar pelo Catarse, às 9h.
Havíamos ido dormir depois de 1h da manhã, perpetuando uma rotina de privação do sono que nos persegue há 4 meses, desde que começamos a pensar o Gente Extraordinária. Na ponte aérea, apagamos. Em Congonhas, passei mal.
Chegamos em casa às 8h, mas não conseguimos trocar de roupa ou tomar café da manhã. Abrimos nossos computadores e voltamos a revisar tudo o que havíamos escrito no rascunho de nossas redes sociais. Quando respiramos, eram 8h59. Apertamos o publicar.
O tempo ganha contornos muito loucos quando se está nervoso ou ansioso ou apaixonado, que talvez seja uma junção dos dois primeiros. Nós estávamos vivendo os três ao mesmo tempo. O momento pelo qual a gente tanto tinha esperado estava ali, acontecendo. Estávamos no ar, e estávamos juntos pela primeira vez em nossa empreitada independente: nós, as cadeiras duras de madeira e a mesa de jantar de tampo de vidro que não tem altura para se trabalhar.
Esse foi meu primeiro dia sem emprego.
Voluntariamente. ~Apesar da crise~. No dia 7 de agosto, às 17h, cruzei pela última vez a catraca da TV Globo, em SP. Deixei meu cargo de editora sênior no maior portal de notícias do país para me dedicar integralmente a um sonho. Essa foi a 11ª vez que deixei um emprego, mas a 1ª que saí sem procurar o próximo.
Alguma coisa engraçada acontece quando você conta por aí que pediu demissão. E que é jornalista. E que, sendo jornalista, pediu demissão para se dedicar a um projeto que não tem absolutamente nenhuma garantia de que vai ser rentável. Um grande amigo me disse outro dia: "O jornalismo está perdendo uma boa repórter". Outro me disse: "Um dia eu também consigo largar tudo pra viajar o mundo".
A má notícia — pra mim, claro — é que não é nada disso. Eu não larguei tudo para viajar o mundo: troquei trabalhar com o conforto de um emprego com salário e carga horária bonitinha para me afundar em 80 horas semanais de pura loucura e dor nas costas. E também não abandonei o jornalismo. Ao contrário, só o amor por ele me faz apostar tão alto em uma nova forma de produzir conteúdo.
Trabalhar em casa é uma fonte absurda de prazer. Cozinhamos nossas refeições e comemos juntos, e às vezes até cochilamos depois do almoço.
Podemos ouvir música durante o expediente e tomar umas cervejas durante a tarde. Deitar na rede bebendo chá e lendo a extensa bibliografia sobre felicidade que preparamos também faz parte do nosso trabalho.
Nesses 10 dias me senti muito mais realizada do que em qualquer emprego que tive — e ainda nem caímos na estrada. Acontece que trabalhar em casa também tem seu lado exaustivo. Meu expediente foi das 8h às 23h todos os dias, sábado e domingo incluídos, mas me sinto menos cansada do que quando trabalhava as regulamentares 40 horas por semana. Só saímos de casa para ir ao mercado comprar comida, e só paramos de trabalhar para comer e para fazer yoga. Ainda assim, não lembro de encontrar tanto propósito e realização em uma atividade profissional.
Jornalistas lançam projeto para mapear a felicidade ao redor do mundo | Jornal O Globo
Como resultado, muita coisa aconteceu. Pela primeira vez nossos nomes saíram em um jornal, e não foi assinando uma matéria. Pela primeira vez um vídeo de projeto de financiamento coletivo virou trailer de cinema durante a campanha de arrecadação: e foi o do Gente Extraordinária, que está em cartaz nas salas Cine Santa Teresa, Cine Cândido Mendes e Cine Museu da República.
Nesse tempo, vimos também a força que tem uma corrente formada por pessoas com os mesmos ideais. Em uma semana de campanha no Catarse, conquistamos mais de 30% da meta de arrecadação. Muita gente curtiu e compartilhou o Gente Extraordinária, e alcançamos 15 mil pessoas com a nossa vontade de investigar a felicidade pelo mundo.
É verdade que o jornalismo passa por um momento delicado. A crise nas redações é real, e é com muita tristeza que a gente acompanha amigos perderem seus empregos em jornais, revistas, TVs e portais de notícia. O Felipe mesmo foi uma das baixas desse processo: foi saído da Veja em um passaralho em abril.
Mas não é verdade que a profissão está em decadência. A gente acredita que não há momento melhor pra ser jornalista, com tantas ferramentas e formas de atingir os leitores. É por isso que aposto todas as minhas fichas no projeto Gente Extraordinária.
Tenho 28 anos e já passei por 11 empresas. Quatro delas fecharam as portas. E nós seguimos aqui. Sem emprego, mas não sem trabalho.
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* Já passa da hora de este ensaio ganhar uma atualização. Ela está para sair do forno.