Qual o potencial de doação do Brasil?

Qual o potencial de doação do Brasil?

Por Daiany França Saldanha 🏳️🌈✊🏿 , cearense, empreendedora social, doutoranda e mestra em Mudança Social e Participação Política pela USP, especialista em fortalecimento institucional de ONGs e líder de projeto no Instituto MOL, além de ser voz do Movimento por uma Cultura de Doação.

O potencial de doação de um país depende de muitos fatores, como a renda média da população, a cultura de solidariedade, os incentivos fiscais e a confiança nas organizações que recebem as doações.

Mas, olhando para o Brasil, qual é o nosso verdadeiro potencial de doação? Essa pergunta, que surgiu em um momento de curiosidade, me levou a consultar pesquisas recentes e a questionar especialistas sobre os nossos grandes números.

Conversei primeiro com JP Vergueiro, que compartilhou como costuma calcular o potencial de doação no Brasil. Ele disse: “[...] Eu sempre olho para dois indicadores principais: a PEA – População Economicamente Ativa – e a PO – População Ocupada. São números que o IBGE calcula, abrangendo dezenas de milhões de pessoas. A partir desses dados, fico refletindo sobre potenciais: se todos os ocupados doassem 1 real por dia, quanto seria? Ou se considerássemos toda a PEA, qual seria o montante total? Dá para fazer projeções interessantes com esses números”.

Resolvi entrar na “brincadeira” e fazer as contas. Segundo os dados mais recentes que encontrei na internet, a População Ocupada (PO) no Brasil é de 95,4 milhões de pessoas.

Cálculo da doação de R$ 1 por dia:

  • Cálculo diário: 95.428.000 pessoas x R$ 1 = R$ 95.428.000 por dia.
  • Cálculo anual: R$ 95.428.000 x 365 dias = R$ 34.824.220.000.

Resultado: se cada pessoa ocupada no Brasil doasse 1 real por dia, teríamos um total anual de aproximadamente R$ 34,82 bilhões.

Esse potencial é quase três vezes maior do que os R$ 12,8 bilhões em doações individuais reportados pela Pesquisa Doação Brasil 2022. Também supera em mais de oito vezes os R$ 4,026 bilhões investidos no âmbito corporativo conforme o relatório BISC 2023 e é cerca de sete vezes maior do que os R$ 4,8 bilhões registrados no Censo GIFE 2022-2023. Ou seja, esses números expressam o imenso potencial de doação que poderia ser mobilizado no Brasil por meio de contribuições voluntárias.

Esses números se tornam ainda mais impressionantes quando os comparamos com os gastos em apostas online, que, segundo levantamento do Itau, ultrapassaram R$ 23 bilhões no último ano. Como bem destacou Rodrigo Pipponzi, apostamos muito mais do que doamos. Nas palavras dele, enquanto as doações totalizaram R$ 17,6 bilhões (somando os valores apontados pelo Censo GIFE e pela pesquisa Doação Brasil), as apostas continuam a crescer, revelando uma cultura de consumo que prioriza o entretenimento em detrimento da solidariedade.

Seguindo com minha curiosidade, também conversei com a Mayara Cabeleira e o Thiago Alvim, agora sobre o potencial de doações via leis de incentivo. Mayara compartilhou que, para pessoas físicas, o Brasil tem um potencial de doação por meio do Imposto de Renda de R$ 12,46 bilhões, mas apenas R$ 284,51 milhões foram efetivamente utilizados em 2023, correspondendo a um uso de apenas 2,28%, de acordo com os dados da Receita Federal. 

Já Thiago destacou que, para pessoas jurídicas, dados de 2022, curados pelo Prosas, apontaram um potencial gigantesco de incentivos fiscais. No período, empresas investiram cerca de R$ 3,42 bilhões em projetos sociais por meio de leis de incentivo federal, como cultura, esporte, apoio à infância e ao idoso. No entanto, ainda restava um gap, ou seja, um valor não utilizado, de R$ 2,94 bilhões, representando 86% do total investido.

De acordo com Fernando Salum, da rede Igapó, utilizando a mesma base de dados do Prosas, há pelo menos 12.660 CNPJs com potencial para apoiar projetos incentivados por meio do Imposto de Renda, mas que ainda não aproveitam essa oportunidade. O que reforça a importância de mobilizar novos patrocinadores e doadores, um dos compromissos de um dos trabalhos que estou envolvida. Atualmente, estou nos Estados Unidos participando do Global Sports Mentoring Program (GSMP) até o final de novembro, e minha atuação tem se concentrado justamente em estratégias para ampliar o engajamento empresarial na Lei Federal de Incentivo ao Esporte.

E como destravar esse potencial de doação?

Essa é outra pergunta que me faço todos os dias: como podemos desbloquear o potencial de doação no Brasil? Aqui estão algumas estratégias que já estão sendo implementadas e podem transformar a cultura de doação no Brasil:

  1. Utilização de grandes audiências: projetos como o Doar Brasileiro, promovido pelo Instituto MOL, buscam mobilizar grandes audiências em torno da causa da doação. O esporte, em particular, tem um papel especial nesse processo. Um estudo do Instituto MOL revela que o universo esportivo é extremamente influente na cultura brasileira e pode ser um poderoso mobilizador de doações. Por exemplo, 93% das pessoas acreditam que é positivo para a imagem dos atletas estarem vinculados a campanhas de doação, e 91% teriam uma boa impressão ao ver campanhas de doação lançadas em eventos esportivos.
  2. Campanhas de comunicação em massa (educação e conscientização): campanhas de comunicação em massa podem informar a população sobre os benefícios das doações e o papel fundamental das ONGs no enfrentamento de desafios sociais e ambientais, promovendo uma maior participação da sociedade em iniciativas de doação. Um bom exemplo, é a iniciativa Sociedade Viva, que usa a força da comunicação para mostrar à população a importância e o impacto do trabalho das ONGs para as pessoas e a democracia.
  3. Melhorar nossas leis de incentivo: há um consenso no nosso campo de que é necessário um esforço contínuo para aprimorar as leis de incentivo no Brasil. JP Vergueiro, por exemplo, propõe a criação de uma Lei Unificada da Doação Incentivada, que visa simplificar e tornar mais atrativo o uso desses mecanismos. Segundo o autor, a complexidade das leis existentes desencoraja doadores, pois há múltiplas legislações que cobrem causas específicas e exigências complicadas. Uma legislação mais clara, que permita ao doador escolher a causa que deseja apoiar, pode aumentar a participação de empresas e indivíduos, resultando em um aumento significativo no volume de doações.
  4. Fomentar doações de empresas: uma das estratégias em andamento para aumentar o volume de doações é o Compromisso 1%, uma iniciativa promovida pelo IDIS e pelo Instituto MOL. Inspirado no Pledge 1% dos Estados Unidos, esse movimento incentiva empresas de diversos setores a destinar 1% de seu lucro líquido para causas sociais. As empresas participantes se comprometem a fazer essa doação em até dois anos para organizações da sociedade civil. Além de fortalecer sua responsabilidade social, elas ganham visibilidade e se conectam com uma rede de líderes engajados. 

Para encerrar: como você, como indivíduo ou empresa, pretende contribuir para o fortalecimento da cultura de doação no Brasil? 

Compartilhe suas ideias e vamos, juntas e juntos, promover um país mais solidário!

Boa, Dai! Fico com a 3, com o JP: unificar e simplificar mecanismo de incentivo.

Flavia Lang Revkolevsky

Engajamento, Mobilização de Recursos e Fundraising

1 m

Daiany França Saldanha 🏳️🌈✊🏿, super interessante a reflexão. Gostaria de sugerir um ponto adicional para reflexão para destravar o potencial de doação no Brasil: investimento e desenvolvimento de programas de captação de recursos nas organizações. Investir é essencial para o crescimento de qualquer organização. De acordo com muitas pesquisas, um dos principais motivos pelos quais as pessoas não doam (algumas indicam cerca de 85%) é porque as organizações não pedem, quero dizer com a comunicação correta, no momento certo, pelo canal adequado e valor alinhado com o publico. Esse é um fator importante e que pode fazer muita diferença no crescimento das organizações e no aumento das doações no Brasil.

Daiany França Saldanha 🏳️🌈✊🏿

Descentralizadora de recursos e informação no terceiro setor | Doutoranda e Mestra em Mudança Social (EACH/USP) | PMDPro | YLAI Fellow | 92Y Ford Fellow | S4D Fellow | ForbesBLK Member | GSMP Alumna

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Aproveito para agradecer ao Joao Paulo Vergueiro, Mayara Cabeleira, Thiago Alvim, Joana Ribeiro Mortari e Fernando Salum pelas ótimas trocas sobre esse tema. O texto é apenas uma da inúmeras formas de abrir conversa sobre nosso potencial de doação. Fiquei feliz com o resultado e espero que mais gente possa se sensibilizar e contribuir para um Brasil mais doador. :)

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