Qual a próxima onda culinária? Parte 2
Em 2017 eu escrevi este artigo sobre a tendência dos movimentos gastronômicos mudarem a cada cinco anos. Nele, propus que, desde o início dos anos 2000, passamos pelo global (ingredientes internacionais), premium (ingredientes diferenciados), gourmet (preparos e apresentações rebuscados) e artesanal (garantia de procedência).
Ao final, deixei uma indagação sobre qual seria o próximo movimento. Pois bem, passados cinco anos, acho que chegou a hora. Preparados?
O movimento gastronômico dos anos 2020 é: comida afetiva!
Mas peraí, Leandro, isso aí já existe há tempos, se chama Comfort Food (ou comida caseira, em bom português) e eu como toda vez que visito minha família! Bom, sim e não. Vamos às explicações:
De acordo com a Wikipédia, comfort food ou comida caseira “é um alimento que fornece um valor nostálgico e sentimental a alguém (geralmente relacionado ao lar) e pode ser caracterizado por alto teor calórico, alto nível de carboidrato ou pela simplicidade na preparação. Tal sentimento nostálgico pode ser específico para um indivíduo ou se aplicar a uma cultura inteira”.
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Em outras palavras, Comfort Food é a comida (geralmente gorda) de casa de vó, que remete a um período ou experiência do passado, quando as coisas eram mais simples e descomplicadas. Ou seja, uma comida que traz conforto.
O que a culinária atual está se propondo a fazer é encapsular esse sentimento para serviço a qualquer hora e em qualquer lugar. A memória afetiva e o preparo não são mais seus, e sim dos chefs, restauranteurs e cozinheiros, que resgatam receitas familiares antigas e as apresentam em releituras para inspirar nostalgia nos comensais.
Alguns anos atrás, Jamie Oliver lançou um livro de receitas da nonnas italianas, para “impedir que as tradições mantidas pelas avós caiam no esquecimento”. Ferrán Adriá, o bastião maior da culinária molecular, também se aventurou nesse campo, com o livro Refeição em família, no qual “as receitas passo a passo foram adaptadas dos pratos servidos diariamente para a própria equipe do elBulli, de modo que todos possam fazer refeições simples em casa a um baixo custo”. Ligue a sua televisão e você verá Claude Troigros e seu inseparável Batista falando sobre receitas e memórias de infância. Comida afetiva virou até mesmo categoria de culinária em alguns guias gastronômicos!
Talvez amparada nos movimentos sociais de ressignificação e pertencimento; quiçá inspirada pela tendência corporativa de impacto positivo e propósito; e certamente influenciada pelo isolamento social causado pela pandemia de Covid-19, a gastronomia caminha a passos largos na criação de propostas de valor baseadas em experiências simples e saborosas que tragam conforto caseiro.
Particularmente, acho o movimento, como um todo, benéfico. É importante recuperar nossas bases culinárias, manter essas memórias vivas e imprimir nas refeições um ato maior do que o da simples nutrição. Só não intitule a gastronomia do seu estabelecimento de "afetiva" pois isso tem significado diferente para cada um e ninguém precisa dessa banalização, certo?
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Leandro Henriques é Relações Públicas, especialista em Marketing, atuou como consultor de comunicação integrada e marketing por 15 anos e hoje comanda a Fogo.etc.br em Brasília/DF.