Quem mexeu no queijo da Roberta Sudbrack? Parte 2
(Para ler a primeira parte, clique aqui)
Foi sancionado, em 14 de junho de 2018, o Projeto de Lei nº 13680/18, de autoria do Deputado Federal Evair Melo (PP-ES), que visa desburocratizar e regulamentar a produção e comercialização dos produtos artesanais de origem animal no país, como queijos, salsichas, linguiças, presuntos, mortadelas, salames e geleias.
O texto, aprovado menos de um ano após o fatídico imbróglio do Rock in Rio, define o produto artesanal como sendo aquele feito segundo métodos tradicionais ou regionais próprios - empregando-se boas práticas sanitárias - e identificados em todo o território nacional com um selo único com a inscrição ARTE. Os produtos estarão sujeitos à responsabilidade de órgãos de vigilância e saúde pública dos estados e DF, que tratarão do registro do fabricante e do produto, a classificação, o controle, a inspeção e a fiscalização quanto aos aspectos higiênico-sanitários e de qualidade.
A Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil (CNA) afirma que o PL vai beneficiar pequenos e médios produtores, impulsionar a produção de alimentos artesanais e tradicionais e que contribuirá com a construção de um decreto regulamentador que efetivamente atenda às necessidades e características específicas dos produtores rurais.
Por sua vez, o Conselho Federal de Medicina Veterinária (CFMV) emitiu uma nota técnica de 12 pontos em que enumera, entre outras questões, a falta de conceituação do que seriam produtos artesanais; a impossibilidade de apreensão de produtos impróprios ao consumo; e os perigos da comparação da existência de selo similar em países europeus, onde a fiscalização prévia é mais eficiente.
Certo, mas o que muda de fato?
Pela lei original de 1950, produtos de origem animal só podiam ser comercializados fora do estado de produção se tivessem o selo do Serviço de Inspeção Federal (SIF), que pode levar cerca de dois anos para ser emitido pelo Ministério da Agricultura.
Com a alteração, produtores identificados com o selo ARTE, concedidos pelos órgãos de saúde pública em cada estado, terão procedimentos de comercialização interestadual simplificados e inspeção e fiscalização adequados às dimensões de cada empreendimento.
Isso significa que centenas, senão milhares, de pequenos produtores que já comercializam regionalmente mas não dispõem de estrutura, logística ou autorização de comercialização com abrangência nacional poderão escoar sua produção para restaurantes e estabelecimentos em outros estados, respeitadas as regras de manuseio e transporte (como é o caso específico do episódio Roberta Sudbrack no Rock in Rio, cujo fornecedor tinha o selo de inspeção estadual mas não o federal). Essa é a boa notícia.
Entendido. Qual o problema então?
No ímpeto da desburocratização (e com uma celeridade impressionante, note-se), o PL esvazia o poder do Ministério da Agricultura ao: a) transferir parte da fiscalização de seus órgãos federais para as entidades estaduais e municipais de vigilância e saúde; e b) inexigir selos de inspeção, substituindo-os por um outro consideravelmente menos criterioso. Isso gera duas questões:
Uma de ordem corporativista, pois a incumbência foi transferida sem consulta ou manifestação dos órgãos de saúde e vigilância (e é público e notório que eles não a queriam). Assim, a falta de aparelhamento e dimensionamento corretos podem gerar entraves no exercício da fiscalização.
E uma de ordem operacional, que permite a comercialização antes da regulamentação plena, já que a inspeção e fiscalização terão natureza prioritariamente orientadoras. Ou seja, pode ocorrer uma enxurrada de emissão de selos ARTE sem o devido crivo e critério, permitindo a comercialização de produtos potencialmente danosos sem recolhimento ou punição.
A gente até tenta mas falta boa vontade...
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Leandro Henriques é Relações Públicas, especialista em Marketing, atua como consultor de comunicação integrada e marketing há 10 anos e desenvolve pesquisas de mercado, trabalhos de campo, treinamentos e organização de eventos nas áreas de gastronomia e turismo desde 2002.
Esse e outros casos referente a mídia e gastronomia serão explorados nos cursos Gastronomídia e Marketing e Gastronomia da BMS - Brasília Marketing School
Gerente Jurídico l Diretoria Jurídica l Jurídico Corporativo l Gerente de Compliance l CPC-A
6 aÓtima análise!