Quando talentos são punidos por terem talentos

Quando talentos são punidos por terem talentos

por Alvaro Gomes

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Na mitologia grega, havia uma jovem cujo nome era Aracne, que era detentora de uma extraordinária habilidade na arte de tecer. Seus trabalhos eram tão perfeitos e admirados que chamavam a atenção de todos, deuses e mortais. E devido a tanta admiração, Aracne começou a ser comparada à deusa Atena na qualidade de seus trabalhos. Quando a notícia chegou no Olimpo, Atena ficou furiosa ao saber de tal comparação. Sentiu-se desafiada! Resolveu então, disfarçar-se de mortal e promover uma competição com Aracne para ver quem merecia de fato ser considerada a melhor na arte de tecer. Quando foram conferir os trabalhos, Atena ficou desolada ao ver que todos preferiram o tecido de Aracne, e como punição a moça, transformou-a em uma Aranha e a condenou a tecer teias por toda sua descendência.

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A mitologia também conta sobre uma mulher chamada Medusa cuja beleza era tão intensa, que os olhos de todos se enchiam a ponto de ser cobiçada até mesmo pelos próprios deuses. E ao descobrir o interesse que Poseidon, o “Senhor dos mares” tinha pela moça, Atena por ciúmes e mero capricho, puniu Medusa transformando-a em um monstro cujo os fios de cabelo foram substituídos por serpentes, e a todo homem que olhasse sua face seria transformado em pedra por toda a eternidade.

A mitologia descreve os deuses como seres privilegiados, detentores de grandes poderes. E, dentre os privilégios, está o fato de serem imortais.

Deuses foram criados deuses, e sempre entenderam sua posição sobre os outros seres que se encontram abaixo de seu esplendor.

Habitam o Olimpo, “paraíso celestial” de onde observam tudo o que acontece na Terra.

Porém, como descrito nos exemplos que citei acima, nem mesmo a condição de seres superiores fez com que os deuses deixassem de se sentirem ofendidos pelo simples fato de alguns meros mortais também mostrarem-se detentores de qualidades e de talentos. Como se isso fosse uma afronta a sua posição de "deus."

Quando no ambiente profissional você ouve uma expressão como, por exemplo, “Seja bom, mas não bom demais” significa que dependendo do meio onde você está inserido, nem sempre ter vantagens do tipo "boa formação", especializações, diplomas, enfim, são de fato uma “vantagem”, principalmente quando esses atributos passam a incomodar alguns profissionais que compartilham do mesmo espaço.

Quando o que se sente incomodado encontra-se no mesmo nível hierárquico ao qual você também se encontra, no aspecto positivo, isso pode levar até a uma competição sadia onde seus conhecimentos passam a servir de inspiração para que o outro também os busque, mas, quase sempre o que prevalece é o aspecto negativo, onde seu currículo acadêmico desperta a inveja no outro.

Só que pior que incomodar alguém que se encontra no seu mesmo nível hierárquico, é quando o incomodado é o seu gestor imediato, pois, assim como os deuses do Olimpo utilizam de seus poderes para punir os homens, ele usará de seu poder para te punir, e se não conseguir através de uma demissão, irá puni-lo de outra forma, te transferindo para outro setor, delegando tarefas as quais venham a lhe trazer total desconforto, fazendo exigências desnecessárias que não agregam valor algum, ou mesmo, chegando a invadir um campo delicado que é o do assédio moral.

Essa é a "tirania" dos tempos de Nero e que se perpetua até os dias de hoje dentro das organizações.

Um chefe com dificuldades em gerenciar pessoas, se incomodará com um subordinado que demonstre habilidade em liderança. Assim como um profissional egocêntrico que é pago para desenvolver boas ideias, irá incomodar-se com um subordinado esforçado e criativo.

Muitos profissionais ao serem contratados por uma determinada empresa, torcem para que seus gestores imediatos sejam profissionais com currículos acadêmicos de encher os olhos, do tipo doutorado em Harvard com PhD em Oxford, porque assim, poderão fazer sua tão sonhada especialização na USP, que isso não irá de maneira alguma fazer com que eles sejam vistos como uma possível ameaça a suas posições. Porém, é possível que seu futuro gestor não seja esse cara, e dependendo do caso, é melhor ter cuidado em expor seu objetivo de prestar a Fuvest.

Essa é a falsa ilusão de superioridade enraizada dentro das organizações, onde o talento é algo que só deve pertencer àqueles profissionais que ocupam posições mais privilegiadas, onde os mesmos se colocam sempre como “astros” em um sistema onde os corpos menores obrigatoriamente orbitem ao seu redor.

Certa vez, ouvi de um profissional, na época "Supervisor de produção" que para chegar até a sua atual posição, foi preciso lamber o chão das pessoas que o ajudaram a chegar até ali. Já de uma outra então "Coordenadora" que quando estagiária perdeu a conta de quantos copos de água teve que buscar para seus chefes. Não julgo a forma que cada um age ou, agiu para conquistar seus objetivos. Provavelmente ambos são gratos a esses gestores que um dia os ajudaram, mas, é claro que quem um dia se prestou a essa condição de servil, certamente irá querer que seus subordinados também se prestem a servi-lo, o que jamais acontecerá com aqueles profissionais que não aderem ao puxa saquismo. E acredite! Além das divergências de ideias, esse é um dos motivos que mais geram atrito no relacionamento interpessoal entre gestores e colaboradores. Um aprendeu que para crescer profissionalmente é preciso agradar, já o outro, que é preciso apenas estudar e se aperfeiçoar.

Talvez essa seja a razão de tantos desligamentos de talentos. Porque buscar o crescimento, mostrar conhecimento, ter habilidades, são atitudes extremamente positivas, mas em alguns casos, apenas ofendem os que não conseguem conviver com a simples verdade de que não são e nunca serão

“Deuses”.
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