Quando tudo a volta está sem graça
A rotina parece um ciclo infindável: levantar, enfrentar o trânsito ou o transporte lotado, cumprir as tarefas e voltar para casa. Quando você finalmente se senta no sofá, olha ao redor e se depara com um vazio incômodo.
Há livros empilhados, filmes disponíveis, mas nada disso lhe chama a atenção. São coisas que, tempos atrás, pareciam irresistíveis, capazes de preencher uma noite inteira. Mas agora, você sente apenas apatia.
Então, em um gesto de tentativa de preenchimento, você pega o celular e começa a deslizar a tela, pulando de vídeo em vídeo, ou abre alguma rede social, observando as novidades. Mas, ao invés de satisfação, tudo parece apenas intensificar o vazio.
As pessoas ali sorriem, falam sobre suas vidas, seus gostos e conquistas, e uma sensação crescente de desconexão toma conta de você. Nem mesmo a vida dos outros consegue mais entreter. É como se nada fosse suficientemente bom, nada profundamente interessante.
Você decide buscar alguma novidade. Talvez um filme novo, um álbum recém-lançado, um livro que acabou de sair. Mas, ao mesmo tempo, sente um peso. Essa busca constante não está mais trazendo prazer, mas cansaço, como se sua capacidade de apreciar as coisas estivesse se esgotando. Então, por um momento, você se pergunta:
Será que o problema não está nas coisas? Será que sou eu?
O que temos diante de nós não é apenas um lamento pessoal ou uma inquietação cotidiana, mas um retrato profundo da condição humana na modernidade. É o reflexo de uma crise existencial que, se não compreendida, pode condenar a alma ao vazio perpétuo.
Primeiro, há algo importante que deve ser entendido: a insatisfação crônica, a sensação de que nada agrada e de que tudo é tedioso, revela um processo que já foi investigado pela filosofia e pela psicologia, um processo de esgotamento da capacidade de absorção do significado profundo da realidade.
Como dizia Ortega y Gasset, estamos em um náufrago em meio às tempestades da existência. Para isso, é preciso ter uma ancoragem profunda, ou seja, um sentido de propósito que não se perde em meio à superficialidade do cotidiano.
Vamos por partes. Quando uma pessoa perde a capacidade de se envolver com o que, em outros tempos, lhe proporcionava alegria — como ouvir uma música, ler um livro ou simplesmente apreciar um filme — , isso indica que ela está em estado de desajuste com o “eu mais profundo”, com aquilo que Aristóteles chamou de “alma racional”, que precisa de alimento espiritual para sustentar sua própria existência.
A mente, bombardeada por uma busca incessante por novidades — esse “vício em novidades” que tantos se encontram prontos a adotar — , começa a perder sua capacidade de “digerir” o que realmente importa. Isso é uma intoxicação, uma espécie de “envenenamento” da consciência.
Essa insatisfação não se trata simplesmente de um “problema” com a pessoa ou com o ambiente; ela revela algo ainda mais profundo. É o sinal de que estamos imersos num ciclo de consumo de estímulos que não são mais experiências autênticas, mas apenas um fluxo de sensações. Esse fluxo desenfreado de estímulos nos afasta cada vez mais da contemplação genuína e nos empurra para a superfície do prazer efêmero, que acaba nos esvaziando mais do que preenchendo.
E por que isso acontece? Em grande parte, é porque o ser humano desenvolveu uma dependência do que é rápido, do que é fácil, do que não exige tempo e concentração.
O filósofo Gaston Bachelard dizia que o instante é apenas uma fatia do tempo, e que, ao passarmos de instante a instante, perdemos a experiência do “tempo pleno”, da duração, onde o sentido das coisas é verdadeiramente absorvido.
Recomendados pelo LinkedIn
Essa perda do contato com a profundidade nos coloca em um estado de constante expectativa de novidade, que, em última instância, é uma expectativa por nada — porque é impossível que o real se renove a cada instante.
Esse tédio é a consequência direta do vício em novidades, mas também é o reflexo de um vazio interior que vai se expandindo.
Nietzsche, em sua obra, já previa que o homem moderno, ao perder o contato com o transcendente e ao reduzir tudo a experiências sensíveis, ficaria irremediavelmente vazio, preso a uma “eterna repetição do mesmo”. Esse tédio é, em muitos casos, um sintoma de que a pessoa foi sequestrada pela própria superficialidade, e que ela necessita desesperadamente encontrar um sentido que a resgate desse abismo existencial.
Eis uma reflexão: quando tudo está melhor do que parece, mas olhamos e vemos tudo errado, estamos, talvez, reconhecendo que a nossa própria visão da realidade está comprometida.
Não é que o mundo esteja irremediavelmente mal; é a nossa capacidade de interpretar a realidade que está distorcida. Vivemos em uma época que exalta a distração e condena a reflexão, onde as pessoas são ensinadas a esperar satisfação imediata de qualquer coisa — seja ela uma peça de entretenimento, um relacionamento, uma compra ou até mesmo uma conversa.
A solução, meus caros, não está em continuar buscando novidades, mas em reencontrar aquilo que já está presente e que é sempre o mesmo: a nossa capacidade de contemplação e o nosso compromisso com a verdade.
A paciência para “curtir” e o prazer em “conseguir” só são possíveis se estamos prontos a nos dedicar ao que é duradouro, ao que exige esforço, ao que é difícil. Isso exige uma forma de “educação metafisica”, uma renúncia ao excesso de estímulos para podermos voltar a enxergar o que está diante de nós.
Há, portanto, uma escolha a ser feita. Podemos continuar em busca de “novidade” para preencher o vazio, ou podemos parar e buscar aquilo que sustenta o nosso ser.
Podemos continuar a olhar para fora, como se o prazer dependesse da próxima novidade, ou podemos olhar para dentro e perguntar a nós mesmos o que realmente nos traz satisfação duradoura.
Talvez, o que precisemos não seja de mais discos, filmes ou livros; talvez precisemos reaprender a nos relacionar com eles.
É preciso aprender a encontrar a beleza, a verdade e o bem no ordinário, e não em uma promessa irreal de que o extraordinário está em constante mutação. Será que isso não nos aponta para uma verdade simples e profunda?
A vida, com todas as suas complexidades e desafios, já nos oferece o suficiente para o nosso desenvolvimento. O que precisamos não é de mais estímulo, mas de uma nova forma de olhar, de um retorno à simplicidade e ao essencial.
Mergulhe na arte do storytelling aprendendo mais num curso completo ou me deixando te ajudar a transformar a história do seu negócio, na prática, a maneira como sua marca é percebida, sentida e lembrada. Porque no final, as melhores marcas são aquelas que contam as melhores histórias.
@lealmurillo | Jornalista | Top Voice LinkedIn | Storytelling e Conteúdo
Analista de Comunicação | Comunicação Corporativa | Produção de Conteúdo | Estratégias de Endomarketing | Gestão de Canais Internos
1 mQue texto interessante e delicado. Amei!
Diretor de Recursos Humanos na Prefeitura de Boituva
1 mTexto mais que incrível, necessário! Parabéns
Auxiliar de Estatística no Colégio Ari de Sá
1 mTexto maravilhoso
Administrador na Ministerio do Trabalho
1 mInteressante. Conclusão brilhante nas palavras que compõem o artigo. Vamos entender o que salienta viver o nosso momento. Quem busca novidades o tempo todo está fugindo de alguma cousa.
Estrategista de Comunicação | Palestrante | Educador | Conselheiro FCamara | TOP 1% em Comunicação do LinkedIn Brasil | N° 1 LinkedIn Top Voices | 110k alunos no LinkedIn Learning | Ipsos Reputation Council | TEDxSpeaker
1 mReflexão poderosa amigo, curadoria é vida