Quarto de Despejo
Todos os dias a Aurora mata esse passado, que, nós, insistentemente, teimamos ressuscitar com decisões e escolhas caducas e renitentes; todos os dias, nos fadigamos só em olhar a desdobrar-se a nossa frente essa longa estrada da existência, com o mesmo olhar corriqueiro, do mesmo ponto de vista, o dia inteiro; todos os dias somos oprimidos pelas paredes desse quarto escuro que nos comprimem, enquanto forçamos a abertura dessa porta, sustentada pelas paredes construídas por nossa própria mente, com tijolos fabricados por cada um, dos nossos milhões de pensamentos.
Consequentemente, diante dessa emaranhada holografia, nos tornamos prisioneiros dessa teia de pensamentos, construída com densos fios de culpabilizações e inconsequências; transferindo assim, todas as responsabilidades, àquele que estiver mais próximo de nós; sejam respectivamente, pessoas, entidades ou mesmo, o acaso.
Desse modo, a auto honestidade, auto-observação e a autorresponsabilidade, tornam-se quesitos inadvertidamente jogados para baixo do tapete, junto aos itens indesejáveis, concebidos para a decoração desse quarto de pensamentos, a fim de ornamentar o designe seguro e confortável da nossa torre de marfim.
Evidentemente, pelo fato de acreditarmos estar protegidos sobre esse guarda-chuvas de pseudo segurança, que adorna as paredes do nosso castelo mental; damos continuidade ao recorrente continuísmo; seja sobre o concernente looping relativo ao conceito Conservacionista ou Progressista; essa inação, evita a fadiga e o desconfortável processo de recomeçar a caminhada, sobre um novo ponto dessa longa estrada.
Doravante, exatamente tudo aquilo que ocorrer ao nosso derredor, apresentar-se-á como evidência patente, direta e inquestionável de nossa escolha ou não-escolha; que conduz uma efetiva ação ou nos faz permanecer na inação.
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Portanto, assim como essas imaginárias portas e paredes que nos envolvem, não existem; também não existem culpas e nem culpados; o que existe, são tão-somente decisões e consequências.
Desse modo, a escolha por se conservar psicologicamente protegido entre as seguras paredes desse quarto escuro, significa decidir-se por permanecer na platônica caverna contemporânea, temendo a luz dessa Aurora, que, do mesmo modo como desintegra um vampírico ser, também mata o passado; ou, podemos nos decidir por derrubar todas as paredes, destruindo o nosso quarto de pensamentos, fazendo irromper essa luz, que traz a lume, tudo aquilo que se ocultara em seus recônditos.
Portanto, somos o nosso próprio senhorio e nosso próprio inquilino; somos aquele que dá abrigo ou despeja; somos também a própria casa, além do quintal dessa mesma casa própria, que pode ser um castelo medieval, um palácio ou uma gótica catedral; pode ser também, um belo restaurante, uma fábrica, um criativo estúdio ou um agradável mirante; pode ser uma casa de festas, ou um Navio Mercante, flutuando num espaço distante.
Desse modo, esse cômodo de desejo, pode ser o nosso Quarto De Despejo do passado, ou acolhimento desse presente, ressuscitado a cada instante, vivenciado como infinito, sem as saudades de ontem, nem as preocupações de um pretenso amanhã. Ou seja, sem lixo embaixo do tapete, nem elefante branco embaixo da mesa; somente a verdade nua, bailando despudoradamente pelas salas e corredores, totalmente desprovidas das dores de ser, aquilo que não é.