Racismo cotidiano | Carta aberta à liderança da Raia Drogasil

Racismo cotidiano | Carta aberta à liderança da Raia Drogasil

Carta aberta à liderança da Raia Drogasil

Cc. Líderes do setor varejista e de serviços ao consumidor

Prezados e prezadas,

Quem escreve esta carta é um pai - um homem branco, gay, casado e pai de dois filhos negros. Esta apresentação de cunho pessoal é especialmente importante considerando que esta carta está sendo veiculada no LinkedIn. E convém dizer que a escolha deste canal é visando a eficácia da mensagem, ou seja, que ela tenha chance de chegar aos seus destinatários.

Explico-me.

Há algumas semanas, minha filha foi vítima de racismo em uma loja da Drogasil da Chácara Klabin, em São Paulo, enquanto - corriqueiramente - circulava entre as prateleiras buscando um produto para seu cabelo e avaliando a possibilidade de comprar algum outro item.

Constrangida por um atendente da loja, saiu acuada, envergonhada, triste, revoltada. Carregando uma mistura de sentimentos de quem já sabe que a cor de sua pele fala mais alto neste tipo de ambiente.

Ao saber do ocorrido, nocauteados como quem não sente o preconceito na pele, mas no fundo do coração, procuramos diretamente a loja que costumávamos frequentar enviando uma mensagem de WhatsApp e também usamos nosso perfil do Instagram (@papais_a_bordo) para repercutir o assunto. Não buscando exatamente uma retratação, algo que por si só seria ínfimo, mas uma conscientização, um despertar.

“Escolher seguir esta estrutura de prejulgamento é escolher perpetuar o racismo. Mas o que nós precisamos é lutar diariamente e incessantemente contra o racismo - cada um de vocês, funcionários desta loja, tem responsabilidade em relação a isso, como cidadãos, além de, obviamente, estarem (como todos nós) sujeitos às penalidades da lei pelo crime de racismo” (trecho da mensagem enviada por nós ao WhatsApp da loja)

Algum tempo depois, recebemos uma ligação da gerente da loja, desculpando-se. Afirmou ter visto as câmeras, lamentou profundamente o acontecido e disse que faria uma orientação aos empregados da loja.

Pelo Instagram, um contato protocolar via DM do perfil oficial da marca procurou saber coisas que estavam no próprio post de denúncia e que denotam pouca sensibilidade à questão em si - fosse uma reclamação de ‘loja suja’, de ‘produto vencido’ ou de ‘troco errado’, arrisco a dizer que a resposta teria sido muito parecida, resumida na ideia de que aquilo “não faz parte do padrão de atendimento”.

Respondemos.

Explicamos novamente o ocorrido e a nossa intenção em fazer a denúncia: “despertar para a necessidade de uma articulação setorial profunda para discutir ações que podem mudar - de verdade - as práticas racistas no interior das lojas”, tão corriqueiras no nosso país.

A igualmente protocolar resposta ao nosso apelo mostrou que, claramente, a nossa mensagem não havia tocado a empresa. Muito provavelmente, jamais extrapolou o sistema de registro do SAC ou o WhatsApp da loja em questão. 

Então, resolvi me valer visibilidade e projeção que o LinkedIn pode me dar para reforçar minha mensagem à Drogasil, estendendo-a a todos e todas que têm em sua responsabilidade profissional a gestão de espaços comerciais, ao setor varejista de forma ampla.

O constrangimento de pessoas negras no varejo é uma realidade triste e dura do nosso país em todo o setor. Uma realidade que segrega, que exclui e que chega a matar. A sabida e estabelecida prática de valer-se do julgamento dos atendentes para prevenir perdas e roubos, a partir da fiscalização da presença de pessoas na loja, é uma prática que retroalimenta essa realidade.

A ideia de que pessoas negras são marginais - ou de que marginais são pessoas negras - vem constituindo por séculos as nossas noções de raça e direcionando decisões e ações de pessoas - brancas e negras - na interação com outras pessoas negras: atravessando a rua, agarrando a bolsa junto ao peito, negando-lhes oportunidades de emprego, fechando o vidro do carro... fiscalizando bem de perto, constrangendo e desconfiando de suas presenças nos mais variados espaços.

Não há como (man)ter um "padrão de atendimento" quando os vieses inconscientes dos seus empregados estão silenciosamente gritando essa ideia socialmente construída. Sem práticas consistentes e constantes para quebrar esta retórica que foi fundada na (e que se alimenta fartamente da) desigualdade social do nosso país, seguiremos assistindo recorrentes desculpas por quebras no "padrão de atendimento", quebras essas que têm destino certo: a pele preta.

Um "padrão de atendimento" que apenas não constrange não é suficiente. O padrão de atendimento que precisamos é aquele que não apenas coíbe ações como esta, mas que desperta a consciência dos seus atendentes para o racismo estrutural no qual estamos imersos, que dialoga com seus públicos, que promove práticas antirracistas e que mais do que "condena" tal atitude, age para mudar a causa, não o sintoma.

Esse caso foi com minha filha, na Drogasil. Na semana passada foi com um menino de 10 anos num shopping. Na semana anterior foi com a cientista Nina da Hora, numa livraria. Antes deles, foi com um outro menor de idade numa lanchonete. Antes, foi com a artista plástica Tainá Lima numa papelaria. Foi também com Luiz Carlos da Silva num supermercado, tendo que tirar a roupa para provar que não era ladrão. Foi com João Alberto Silveira, em outro supermercado, quando, sem a mesma "sorte" dos demais, tornou-se vítima fatal do preconceito. E tantos outros e mais casos.

Por isso, penso que responsabilizar pessoalmente o atendente em questão no caso da minha filha seria ignorar a questão estrutural estabelecida, fazer um caça-às-bruxas e julgar resolvido o caso. Tratar o sintoma e não a causa.

Isso não nos interessa.

“A superação do racismo passa pela reflexão sobre formas de sociabilidade que não se alimentem de uma lógica de conflitos, contradições e antagonismos sociais”, nos ensina Silvio de Almeida.

Entretanto, levar uma pauta de racismo para ser refletida pela direção de uma empresa é pesado. Fazer o assunto sair do SAC e do WhatsApp da loja e escalar níveis pela organização requer, antes de tudo, que se reconheça o racismo e o encare de frente. Mas, para nós, pessoas brancas, colocar o racismo em discussão escancara o que Robin DiAngelo chama de “fragilidade branca”, um temor de reconhecermos em nós mesmos o racismo.

Por estudar este tema - e vivê-lo diariamente como pai de dois filhos negros - projetei mentalmente alguns possíveis cenários que esta carta aberta pode encontrar numa rede como o LinkedIn. Confesso que, na minha posição profissional, de consultor e professor, o protocolo vigente me direcionaria a não publicá-la. Mas se nós, pessoas brancas que já despertamos para o privilégio da branquitude, não nos valermos do próprio privilégio para quebrá-lo e mudar nosso mundo, de nada terá valido o despertar.

Assim, termino convidando quem até aqui chegou a refletir sobre seu despertar acerca da racialização que vivemos, dos efeitos do racismo estrutural e dos caminhos possíveis de ação que a consciência do privilégio da branquitude pode nos dar.

Aos destinatários desta carta, se a mensagem de fato chegar a vocês, deixo minha profunda recomendação para que invistam em uma articulação setorial para tomar ações efetivas para mudar - de verdade - as práticas racistas no interior das lojas. Não desejo aos filhos de vocês as situações que os meus filhos hoje passam. Mas desejo, verdadeiramente, que quando forem os nossos filhos ocupando os postos profissionais e debatendo em alguma rede social do futuro, que eles possam se orgulhar do feito dos pais deles sobre esta questão.

Bruno Carramenha

Soraya de Souza

Comunicação Corporativa | Relacionamento com Imprensa | Marketing de Influência | PR Digital

2 m

Oi, Bruno! Vendo seu post percebo, com tristeza, que a empresa pouco se importou com seu relato, e explico porque. Ontem, 21 de outubro de 2024, um pouco mais de 2 anos da sua carta aberta, eu sofri um ato racista por parte de funcionários da Drogasil, que me abordaram na rua, acusando-me de ter furtado um produto da loja, afirmação fruto de um total despreparo do segurança e seu supervisor. Independentemente dos desdobramentos do meu caso, penso que ainda é necessário uma mobilização maior, que impacte a reputação, que doa no bolso. Sinto pelos seus filhos e sigo torcendo para que eles possam viver num mundo diferente.

Imagina você trabalhar sendo chamado de afetado ( por ser gay ) e que se não gostasse dos xingamentos devia voltar pra senzala. E ao denuncia pro canal de etica dentro da empresa, me mandaram embora!

Mayara Barbosa de Oliveira

Treinamento e desenvolvimento (T&D) | LNT | Gestão de equipes | Capacitação técnica e comportamental | Desenvolvimento e gestão de projetos | Supervisor(a) de vendas B2C | Trade marketing

1 a

Imediatamente minha colega que era negra e tinha a pele mais escura do que a minha (digo isso porque também sou negra, porem o tom da minha pele é mais claro e pra explicar isso precisamos falar de colorismo, o que cabe outra postagem talvez) saiu correndo em direção ao banheiro onde foi chorar. Eu questionei a farmacêutica pelo comentário e informei que o que ela havia feito ali era um comentário de cunho racista. Ela respondeu: "Só falei a verdade!" Eu disse a ela que levaria o caso adiante porque esse tipo de comportamento era inadmissível. Relatei ao gerente de plantão e ele me disse para ir pra casa porque precisará ouvir a versão da outra parte. Quando cheguei no dia seguinte, só me chamaram para assinar a demissão. Durante anos eu me questionei se a minha postura havia sido correta, mas em todas as vezes que me peguei pensando sobre isso a resposta era sim! Não vamos parar de lutar jamais!

Mayara Barbosa de Oliveira

Treinamento e desenvolvimento (T&D) | LNT | Gestão de equipes | Capacitação técnica e comportamental | Desenvolvimento e gestão de projetos | Supervisor(a) de vendas B2C | Trade marketing

1 a

Bruno, li sua carta na íntegra e um dejavu se passou diante dos meus olhos. Eu fui funcionária de uma farmácia chamada Drogao em meados de 2007 e fui vítima de racismo por uma farmacêutica na época, denunciei o caso ao gerente de plantão e no dia seguinte FUI DEMITIDA com a justificativa de que eu havia distorcido os fatos e que na verdade ela havia apenas dados a sua "opinião". Vou descrever o fato que levou a revolta e culminou na minha demissão. Era um dia comum na loja, sábado, a loja ficava localizada na avenida Braz leme e muitas pessoas se exercitavam por ali. Adentrou a loja um homem negro de pele retinta, muito suado que provavelmente estava correndo naquela manhã. Caminhou alguns corredores da loja e eis que a farmacêutica branca se aproxima de uma colega negra e de mim e faz o seguinte comentário: "Pessoas de cor por natureza já cheiram mal em qualquer situação, suados então está me deixando enauseada" Continua...

Priscila A.

Assistente Administrativo Comercial

2 a

Oi Bruno, lamento o ocorrido, irei fazer um trabalho da faculdade e posso usar o seu caso como exemplo?

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