Branquitude em xeque: notas de um homem branco buscando a legítima Consciência Negra
Dia Nacional da Consciência Negra. Uma data valiosa para uma "retomada de si" às pessoas negras, como fala Kabengele Munanga, em uma de suas definições sobre negritude, por um lado. E, por outro, uma oportunidade formal para dar visibilidade às desigualdades raciais no Brasil, um marco para chamar a atenção das pessoas brancas, que pouco sentem na pele os efeitos negativos dessas desigualdades.
Na sociedade em que vivemos, ter Consciência Negra é manter vivos os debates sobre as causas e os efeitos da discriminação racial que sofrem as pessoas negras no Brasil, desvelando também os artifícios que nós, brancos, utilizamos para perpetuar o sistema racista em que vivemos.
-Nós? Como assim? Eu não! - Você pode me argumentar, legitimamente.
Se você, colega branco, parou para ler este texto, é provável que, como eu, você faça parte do que Lourenço Cardoso chama de 'branquitude crítica' [pessoas brancas que publicamente desaprovam o racismo, mas seguem se beneficiando do seu lugar de privilégio].
Eu, homem branco que sou, sempre me indignei com a discriminatória realidade da sociedade brasileira, mas, em geral, na maior parte da minha vida, limitei-me a uma indignação inerte. Havia consciência, havia incômodo, mas pouca ação. Por anos, sem sequer saber deste conceito, mantive-me firme à minha branquitude.
Foi ao me tornar pai de uma filha negra e, pouco tempo depois, de um filho negro que, então, ganhei outro locus social. A paternidade, mais do que o vocativo “pai”, agregou à minha identidade a questão racial. Pela primeira vez na minha vida, me entendi como um “homem branco”. Até então, para mim, a racialização acontecia sempre no outro, nunca em mim.
Desde então, tenho me interessado muito por estudar e entender a branquitude no bojo do meu aprofundamento pelas questões da negritude. Quanto mais estudo, mais tenho me dado conta de que nomear a branquitude e procurar entendê-la é o primeiro passo para quebrar um pacto narcísico que Cida Bento muito bem observou entre as pessoas brancas e que nomeou 'Pacto da Branquitude' [um acordo tácito firmado pelas pessoas brancas, que as permite desfrutar de privilégios em diferentes instituições ao longo dos mais de cinco séculos da nossa história de nação].
A lógica do pacto descrito por Bento é a do silêncio.
A branquitude se mantém perpetuando um comportamento omisso entre pactuantes quanto às origens da supremacia que os privilegia: séculos de escravização de pessoas negras que, não apenas geraram efeitos negativos a seus descendentes, mas também geraram indizíveis efeitos positivos para as pessoas brancas gerações a fio.
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A escravidão não foi responsável apenas por segregar à base da pirâmide social brasileira a grande maioria da população negra no país, fato amplamente explorado pelo senso-comum quando se trata de racismo. A escravidão [atos anti-humanitários e violentos, como torturas, assassinatos e expropriações] também explica o porquê de pessoas brancas ocuparem com exclusividade o topo da mesma pirâmide.
Ser rico, bem sucedido e gozar de status social no Brasil não é um fator do acaso ou uma recompensa a um esforço individual: é um privilégio de pessoas brancas que se beneficiam da espoliação da população negra.
Este benefício a nós, brancos, é compulsório e ininterrupto: "enquanto o racismo persistir, ser branco é vantagem racial em relação ao negro", reflete Cardoso.
Mas, ao tomar consciência da branquitude - ou seja, se perceber favorecido neste sistema - nós, brancos, que ocupamos a grande parte dos lugares de poder e status, podemos romper a disfunção sistêmica, agir contra, quebrar o pacto e criar novas relações.
Isso começa por derrubar a máxima entre as pessoas brancas de que questões raciais são relacionadas às pessoas negras - talvez às indígenas também. Mas nunca às brancas. "Branco não é cor de pele, branco não é raça" - orienta, silente, a cartilha branca.
É necessário e urgente desvelar este pacto, como forma de quebrá-lo e de abrir espaço para que surjam novos pactos civilizatórios, como sugere Cida Bento.
Por isso deixo um chamado às pessoas brancas a romperem o ciclo de desigualdade perpetuado pelo acordo que temos firmado uns com os outros. Trata-se de um apelo para passarmos a escolher, diariamente, quebrar o pacto estabelecido, ou seja, questionar as conquistas de uns ante às derrotas de outros, evidenciar para derrubar processos que estabeleçam critérios majoritariamente baseados na lógica das pessoas brancas, colocar o assunto em pauta recorrentemente, para despertar para pequenas ações do dia a dia, entre tantas outras ações possíveis.
É preciso tomar num caminho sem volta rumo a uma sociedade “em que compartilhar igualitariamente a diversidade humana seja um princípio de enriquecimento para todos”, como aspira Sueli Carneiro.
Advogada. Consultora em DE&I. Doutoranda DH USP. Sócia Diretora da Formação Antirracista Consultoria. Diretora IBCCRIM. Coordenadora voluntária Incluir Direito USP. Jurista Negra.
2 aBruno, convivendo mais de perto com você, posso dizer que enxergo um homem branco que tem total consciência de seus privilégios, mas sobretudo uma pessoa empenhada em romper esse ciclo na prática! Ótimo texto! bjo
Jornalista| Conselheira Consultiva certificada| Gestão de Imagem e Reputação| Prevenção e Gestão de Crise| Treinamentos e Workshops de Comunicação| Membra da Comunidade Conselheiras| Membra da AngelUS Equityech
2 aBruno obrigada por compartilhar esse conhecimento tão embasado e inspirador; por nos provocar e trazer tamanha reflexão. Informação transforma. Atitudes promovem mudanças, mas são muito eficazes quando conscientes e intencionais. Precisamos evoluir muito nesse tema é seu texto me gerou muita inquietação positiva. Obrigada e parabéns pelo conteúdo!
Gerente de Comunicação Corporativa na Anglo American com expertise em Liderança para a Sustentabilidade
2 aVocê sempre muito lúcido e embasado. Adorei seu texto. Seguirei digerindo e buscando trabalhar essa branquitude recentemente reconhecida em mim e transformá-la em potência de mudança . Um forte abraço