Reabilitar e construir casas: quais as tendências do mercado?
Reabilitar e construir casas daqui a dez anos será diferente. Isto porque há tendências que estão a ganhar força e que podem mesmo ser disruptivas no médio prazo. A pandemia trouxe uma nova abordagem à casa - onde os espaços exteriores e as áreas comuns no interior ganharam relevo - e este novo conceito de procura vai influenciar ainda mais a arquitetura do futuro. A sustentabilidade, por sua vez, será um tema central que vai pressionar – ainda mais - a indústria a reinventar-se. E a profissionalização e industrialização do setor da construção está também no horizonte, assim como o reforço do papel dos arquitetos junto da população. Estas são, em resumo, as mudanças previstas pelos profissionais do setor contactados pelo idealista/news. Explicamos em que consiste cada uma delas, porque o caminho já começou a ser feito e está à vista
Valorização da casa durante a pandemia vai abrir novos caminhos
“Durante a pandemia, as casas foram experimentadas como nunca”. E foi o tempo passado em casa que tornou “evidente diversas lacunas que se pretendem agora resolver, seja através de reformulação da atual ou de outros critérios na escolha ou conceção da futura”, acrescenta.
“Há definitivamente um antes da pandemia, e deverá haver um depois, embora não definido muito claramente ainda”, consideram Rui Vargas e Pedro Miranda, arquitetos da Associated Architects Partnership (AAP). Mas já há uma “ideia muito clara” neste contexto: “a valorização do espaço, no sentido em que este assume várias funções, pelo facto de passarmos a maior parte do tempo em casa e pela forma como a usamos”, admitem ainda
No exterior, passaram a ser privilegiados as zonas ajardinadas, varandas, terraços, piscinas ou ginásios. “A salubridade dos espaços, colocada em perspetiva no contexto da pandemia, originou uma valorização do usufruto do exterior, que vai impor novos desafios na criação de zonas ajardinadas, varandas e terraços utilizáveis” nos próximos anos, acrescenta Tiago Lopes. No interior das casas, os espaços de reunião familiar, como salas de estar e jantar, ganharam relevo. E não só. Além disso, “a habitação passa a ser também o local de trabalho ou de estudo”, acrescentam os arquitetos da AAP.
É neste contexto que João Luís Ferreira, arquiteto da Promontorio Arquitectos, acredita que, no futuro, “poderá haver uma alteração profunda no residencial motivada pela possibilidade de integrar o trabalho remoto em muitas áreas de atividade”. E “poderá também acontecer que essa alteração implique repensar a dimensão das cidades, promovendo uma saudável desconcentração das megapolis e uma multipolarização, gerando novos centros”, defende ainda o arquiteto.
E esta nova forma de ver as casas terá chegado para ficar e influenciar a arquitetura do futuro. “Sentimos que esta situação pandémica e modo de habitar que implica, trará novas ideias que certamente poderão influenciar um determinado rumo para a próxima década”, acreditam Rui Vargas e Pedro Miranda.
Sustentabilidade marca passo do futuro
A sustentabilidade vai continuar a marcar a agenda da reabilitação e construção de casas nos próximos anos. Até porque a Comissão Europeia (CE) já desenhou, no âmbito do “Fit for 55”, novas medidas para pressionar os proprietários a reabilitar e remodelar os seus imóveis de forma a melhorar a sua eficiência energética. Uma das principais novidades é a introdução de padrões mínimos de desempenho energético: os edifícios residenciais de pior desempenho deverão ter classificação de grau F até 2030 e, pelo menos, classe E até 2033. E, a partir de 2030, todos os edifícios novos deverão ter emissões zero.
A verdade é que “a sustentabilidade é um tema central porque toda a indústria se vai renovar e reinventar”, garante o arquiteto João Luís Ferreira, que assume que a “a tendência é o modelo da economia circular sem impacto negativo no ambiente (carbono zero)” e “é nesse sentido que tudo se está a encaminhar”. Também Tiago Lopes da Urban Obras Portugal concorda que “o tema da sustentabilidade continuará a ser discutido e quero acreditar que se tornará mais abrangente, passando a integrar o desenho urbano, o modo como nos deslocamos, habitamos e trabalhamos”.
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Mas para que a transformação seja possível há que “alertar” e “consciencializar” as famílias e investidores que embora os custos da reabilitação e da construção sustentável sejam superiores, este investimento trará conforto térmico e vão ser compensados no futuro pelo menor consumo de energia, explica João Carvalho, cofundador da Melom.
Nos próximos anos, “a tendência será reabilitar ou construir com consciência ambiental, sabendo que os critérios de sustentabilidade se deverão sobrepor aos custos imediatos de uma obra que à partida será mais barata, mas que ao longo da vida será caríssima em manutenção e consumo”, continua João Carvalho. “Numa casa, onde temos mensalmente de pagar eletricidade, gás e água, o investimento que podemos fazer para melhorar consumos deve ser tido em conta no momento de a reabilitar ou construir”, diz ainda. É por isso importante tomar decisões acertadas do ponto de vista energético na hora de definir as zonas envidraçadas, a disposição solar e os tipos de cobertura, por exemplo.
A par de tudo isto está o certificado energético, o documento que traduz a eficiência energética da casa, os consumos e que ainda indica sugestões de melhoria do seu desempenho. Apresentar este certificado já é obrigatório na hora de vender, comprar ou arrendar casa. E, segundo o cofundador da Melom, “deve ganhar muita relevância aquando da compra de uma habitação”. A verdade é que com a nova diretiva da CE, o seu papel saiu reforçado, passando a ser também obrigatório apresentar o documento em grandes renovações de edifícios, em edifícios cujo contrato de arrendamento foi renovado e em todos os edifícios públicos.
Arquitetura e construção: papel dos profissionais será reforçado
A reabilitação de casas e a construção nova estão ao rubro em Portugal. E, hoje, o setor enfrenta desafios vários começando pelo aumento dos preços dos materiais, passando pela falta de mão de obra especializada e chegando até à subida dos preços finais das obras. E no futuro vão haver ainda mais desafios a enfrentar.
A verdade é que “na próxima década assistiremos a uma profissionalização do sector da construção, o que apresenta um grande desafio para os técnicos”, adianta Tiago Lopes da Urban Obras Portugal, que espera ainda que “a sociedade responda com a valorização das profissões do sector, equilibrando os níveis de produção com a procura”.
A par disso, o papel dos arquitetos na sociedade também poderá mudar. Rui Vargas e Pedro Miranda entendem que “o arquiteto deve assumir e integrar uma posição, de certa forma, mais política e próxima das pessoas, no geral, potenciando uma atitude educativa que esta disciplina implica na sua prática, avaliando e intervindo politicamente com quem está ao leme e define o rumo sociocultural, de uma sociedade que tem vindo a mostrar dificuldade em gerir a informação à qual tem acesso”.
“Uma aproximação ao público em geral, de uma forma mais esclarecida e livre de preconceito, seria sem dúvida, uma mais-valia no entendimento dos conceitos e das suas aplicações, naquilo que é fazer arquitetura e como esta tem sido, é e será sempre, essencial para a sobrevivência humana desde o primeiro momento”, explicam ainda os dois arquitetos da AAP.
Para João Luís Ferreira, da Promontorio Arquitectos, o público poderá vir a ter um papel central nas transformações do setor no futuro: “Era, sobretudo, importante que fossem as pessoas a fazer e a pressionar essas mudanças em vez de serem decisões centralizadas dos Estados ou nos monopólios que condicionam a livre iniciativa”.