A realidade sobre a "transição"​ de segmento na indústria da moda.

A realidade sobre a "transição" de segmento na indústria da moda.

Já faz algum tempo que quero escrever sobre isso, é óbvio que existem milhares de razões para não falar sobre este assunto, principalmente aqui no LinkedIn, eu sabia que ao falar sobre isso poderia causar bastante incômodo.

Antes de mais nada, gostaria de deixar claro que a decisão de mudar de área foi uma iniciativa minha. Não foi uma decisão tomada em virtude de uma carreira mal sucedida, muito pelo contrário, tomei a decisão de sair do segmento o qual atuei por mais de 12 anos, exatamente no auge da minha carreira, quando finalmente estava no cargo e na posição que sempre busquei. Mudei. Percebi que precisava aprender com outras culturas empresariais, outras pessoas, outros processos, precisava agregar novas maneiras de pensar. Tenho convicção que a evolução pessoal e profissional somente é possível diante de mudanças, não é fácil, mudar te tira da sua zona de conforto, te arremessa no meio de um cenário nebuloso e cheio de inseguranças, mas sem dúvida é a melhor forma de evoluir e aumentar o seu repertório espiritual e intelectual.

Assim como muitos profissionais do mercado da moda(mais especificamente profissionais da área de produto), eu escolhi lá atrás um segmento de atuação, alguns escolhem o mercado de luxo, outros o segmento de magazines, eu, escolhi o mercado esportivo, mais especificamente o surf/skate, pude construir nessa indústria fascinante e desafiadora uma carreira sólida e muito satisfatória.

Por alguma razão, assim como eu, muitos profissionais sentem extrema dificuldade em transitar de segmento, acho curioso, pois na minha opinião o segmento é o mesmo, se chama MODA. Existe um preconceito instalado no 'mindset' da maior parte das empresas do setor, não sei se é medo, ou se é mais confortável contratar pessoas que vieram de "segmentos" parecidos, de qualquer forma algumas atitudes são inaceitáveis do ponto de vista profissional e por isso decidi contar somente uma, das muitas experiências que já tive relacionadas aos incontáveis preconceitos enraizados nessa indústria.

Participei recentemente de uma "tentativa" de processo seletivo em uma das maiores empresas de moda do Brasil, não vou mencionar nomes, mas posso dizer que é uma grande empresa, a qual esperava uma abordagem um pouco mais profissional. Me candidatei para a vaga através de indicação (mais de 90% das recolocações acontecem por indicação). Fui contatada pelo coordenador de RH, este, responsável por obter algumas informações básicas antes de dar andamento no processo. O contato foi rápido, ocorreu por telefone, sem vídeo chamada, nada. Contei brevemente sobre a minha experiência, pois entendi que aquela conversa era apenas para entender melhor as minhas expectativas salariais e assim dar andamento na entrevista com o gestor da vaga. Mas ao final da ligação, fui surpreendida mais uma vez(não é a primeira vez) pela seguinte frase: " Caroline, muito legal a sua experiência, você é uma profissional com muitas competências para essa vaga, mas infelizmente por você ter atuado no segmento de surfwear, acredito que teremos outros candidatos mais adequados, principalmente aqueles que atuaram no segmento de magazine". Minha reação: "Nossa, que surpresa! Posso te garantir que possuo um conhecimento bem amplo na área de confecção, gerenciei mais de 50 categorias de produto ao longo da minha trajetória e mais de 2 milhões de peças produzidas por ano. Poucos sabem, mas a indústria a qual atuei, não deixa de ser um grande magazine que tem um "lifestyle" atrelado a boardsports, aliás, engloba alguns diferenciais importantes na parte de produto, como categorias de performance e tecnologia, tenho certeza que poderia contribuir com a empresa mesmo não sendo do segmento de magazine."

A minha "tentativa" de fazer parte do processo seletivo acabou ali. Em virtude de um pré-julgamento, feito por telefone, por um profissional que não atua diretamente com a área de produto.

Essa não foi a primeira vez que isso aconteceu, conheço muitos colegas/profissionais da área que também enfrentam a mesma situação. Como em todas as áreas deste país, existem profissionais menos qualificados e outros mais qualificados. Eu, posso dizer que tive a oportunidade de trabalhar com alguns profissionais altamente qualificados, com 'skills' e habilidades únicas, que aprenderam assim como eu a trabalhar sob muita pressão, a partir de recursos muito reduzidos, altamente adaptáveis e com múltiplos chefes (aqui e fora do Brasil). Agradeço muito a indústria do surf pelo enorme aprendizado, conheço poucos profissionais que conseguiriam gerenciar tantos projetos, em tão pouco tempo, com pouquíssimos recursos humanos e financeiros.

A indústria esportiva é uma das minhas paixões, mas a moda também é.

Transitar em outros segmentos da moda seria uma enorme realização, mas aparentemente, as empresas parecem preferir "mais, do mesmo".

Uma vez me disseram: "Empresa construtiva é empresa com gente misturada. Se todos possuem as mesmas experiências, fazem as mesmas coisas, possuem as mesmas referências e usam as mesmas roupas, com certeza teremos chances menores de inovar."

Agradeço a todos que leram este artigo. Tenho certeza que muitas pessoas se identificarão, Quem sabe juntos, conseguiremos dar "voz" para a falta de profissionalismo desta indústria e desta forma algumas empresas possam "abrir os olhos", misturar e evoluir.

Adriana Medrado

Fundadora e Proprietária Vittri | Gerente de Produto e Marca | Compras e Vendas | Negociação | Moda | Planejamento | Varejo e Atacado| Sourcing | Hunting

4 a

Eu tenho formação em magazine e ainda assim...

Incrível o texto, é a sintese de tudo que estive pensando nos últimos tempos. Eles querem nos colocar em caixinhas seguimentadas. Grande parte da minha trajetória é no mercado surf/skate, e mesmo tendo passado por outros seguimentos, até mesmo fora do Brasil, o mercado e principalmente os recrutadores não conseguem entender que produto é produto. Passam pelos mesmos estágios de pesquisa(seja comercial ou artistica), desenvolvimento e acompanhamento de resultados. Mas vamos torcer para isso mudar, pelo menos agora há um debate, mesmo que pelo Linkedin. Parabéns...

Patricia Britto

Marketing | Relacionamento | Parcerias Estratégicas

4 a

Perfeita colocação e ponderações Caroline

Fernando Marin

Master speaker specializing in durable textile fiber process | Scientist | Technology inventor | Industrialist | Blue investor | Open-minded collaborator to transform and solve problems in large-scale production

4 a

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos