Reforma da Política e dos Políticos já!
Mesmo que seja repetitivo, não é possível, neste momento do Brasil, deixar de falar sobre democracia, política, eleições e poder econômico. Os últimos episódios da política brasileira, larga e fartamente noticiados pelos jornais dão mostras claras de que a ainda jovem democracia brasileira corre sérios riscos.
Por duas vezes (1) escrevi artigos na tentativa de mostrar que, em nosso País, as eleições, embora realizadas através do voto popular, de há muito são manipuladas e controladas pelo poder econômico, afrontando claramente o Estado Democrático de Direito.
Comentei nesses artigos que os maiores contribuintes das campanhas eleitorais brasileiras são “empresas de praticamente todos os segmentos econômicos que, para não errarem, contribuem para todos os candidatos e todos os partidos políticos que disputam as eleições do momento”. Sem se preocuparem com quaisquer coerências políticas “acendem uma vela para Deus e outra para os diabos” (no plural, posto que no Brasil, em se tratando de política, os diabos são muitos). Esse comportamento, maléfico sob qualquer ponto de vista, é chamado, pelos próprios empresários/contribuintes de ‘pragmatismo’ (2).
Este tipo de relacionamento, entre os setores público e privado, é a forma encontrada por grupos bem definidos (empresas amigas do poder) para privilegiarem suas empresas seja na aprovação de leis, na emissão de medidas provisórias e instruções normativas, nas decisões de justiça ou nos processos licitatórios de interesse. Como se vê, um relacionamento que se dá nos três poderes. Torna-se óbvio, consequentemente, que a “corrupção se transforma em componente indispensável para que esse ‘tal de pragmatismo’ seja realizado de forma eficiente”.
Norman Gall, que dirige o Instituto Fernand Braudel de Economia Mundial, aqui em São Paulo, tratou muito este assunto ao escrever o artigo “República dos Amigões”, para a Revista Veja de 22.02.17. Naquele artigo Gall insiste no fato de que “vale a pena observar as consequências, tanto na Rússia como na China, do casamento da política com a corrupção endêmica”. No texto ela cita frase do presidente da Rússia, Vladimir Putin, ao apresentar-se ao Parlamento russo em 1999: “A fraqueza das instituições do Estado é uma isca para empresários inescrupulosos e uma razão para que eles chantageiem e pressionem as autoridades na busca de seus interesses egoístas”. “O resultado disso é a proliferação do crime em nossa economia”. Infelizmente, como todos sabemos, embora fizesse esse tipo de crítica, Putin praticou aquilo que ele próprio chamou de ‘inescrupuloso’. Quem expos isso de forma objetiva e clara, também citado por Norman Gall em seu artigo para a revista Veja, foi a escritora Karen Dawisha, da Universidade Miami, quando escreveu o livro “A Cleptocracia de Putin”, em 2014: “Putin e seus amigões estabeleceram um sistema que sabota, burla e imita a democracia, mas serve à finalidade de criar um Estado autoritário, unificado e estável que permite à turma de Putin, beneficiar-se do roubo dos recursos naturais russos”.
Ainda nesse mesmo texto, Gall cita o livro “O Capitalismo dos Amigos na China”, escrito por Minxin Pei, do Claremont McKenna College, da Califórnia, que “define o capitalismo dos amigões como uma ‘união instrumental entre empresários e políticos para permitir aos capitalistas amealhar riqueza, indiferente aos meios legais, e para propiciar aos políticos a preservação do poder”.
Gustavo Franco, ex-presidente do Banco Central do Brasil, chama esse fenômeno – a forma pervertida de relacionamento entre o público e o privado - de “capitalismo companheiro”.
Norman Gall vai adiante e faz comparações com o que acontece atualmente no Brasil, pois apesar de estarmos em situação diferente, na medida em que somos uma democracia e defendemos as liberdades conquistadas, ainda padecemos “de fraquezas institucionais e do entrincheiramento no poder de grupos restritos que retardam o desenvolvimento”. Enfrentar essas “patologias do capitalismo dos amigos” – estão aí o Mensalão e a Lava Jato como exemplos - é um dos maiores desafios do Brasil atual.
Douglass North, prêmio Nobel em Economia e também fazendo análises sobre o Brasil, no ano de 2006 (3), afirmava: “Há uma aliança próxima entre interesses políticos e econômicos. O resultado é uma barreira para a competição e para mudanças institucionais inovadoras e criativas. Isso impede o Brasil de se tornar uma nação de alta renda”. E continua: “Esses grupos se protegem da competição, numa ação que tende a fechar a economia e barrar a eficiência”. Ainda, segundo ele, este é, talvez, a principal razão do atraso brasileiro, pois esses “grupos de interesse, em conluio com o governo, expropriam o futuro da nação” (grifos meus).
Em síntese, estamos falando de desonestidade. E a desonestidade, segundo André Lara Resende (4), “no grau que se vê hoje no Brasil, reflete perda generalizada de confiança e de espírito público, ativos de difícil recuperação” (grifos meus).
“Ao contrário da ciência e da tecnologia, em que ocorrem momentos de ruptura, verdadeiras revoluções que pautaram a humanidade, não existe tal coisa na ética. Não há um momento súbito de regeneração em que padrões de comportamento ou de aderência a certas normas sejam mudados da noite para o dia” (grifos meus), disse o economista e filósofo Eduardo Giannetti da Fonseca, no seminário “A revolução do novo”, promovido pelas revistas Exame e Veja, ocorrido dia 17/01/17 em São Paulo.
O que se sabe é que ainda impera, no Brasil, a arcaica visão patrimonialista pela qual, dirigentes de altas patentes (políticos, executivos públicos e também privados), administram o patrimônio público como se fosse privado e, acima dos direitos da sociedade como um todo. Utilizando-se, inclusive como fachada, os próprios partidos políticos (5), protegem e defendem, sem maiores compromissos com a população que os elegeram (6), seus interesses particulares, assim como daqueles que os mantêm no poder.
Não é sem motivos, portanto, que os índices de confiança nos governos e nas classes políticas e empresariais, em todo o mundo, têm caído (7). É fato que, como disse Bauman, “os governos estão cada vez mais impotentes para gerenciar crises e, os cidadãos mais insatisfeitos com os governantes” (8).
Especificamente em se tratando de Brasil, se é que havia dúvidas, as últimas revelações da Odebrecht não dão margens a qualquer tipo de questionamentos sobre a existência de uma “república dos amigões”. Na medida em que o próprio ex-presidente e herdeiro da empresa, Marcelo Odebrecht, confessa ter sido ele o inventor da campanha da Dilma Roussef nas últimas eleições (seja lá o que isso quer dizer), confirmam-se as certezas nas quais o poder político foi usurpado do povo (se é que o foi em algum momento da história mundial). O poder político passou a ser propriedade da aliança construída entre políticos, classe dirigente e poder econômico.
A Sra. Dilma Roussef sabia de tudo, inclusive do ‘caixa 2’ e dos seguidos repasses ao PT, complementou Marcelo Odebrecht. Alexandrino Alencar, ex-diretor da empresa, em sua delação premiada, confirma ter sido o responsável pela compra dos tempos de TV de três partidos (PRB, PCdoB e PROS) para a campanha de Dilma Rousseff em 2014. E que, a pedido de Edinho Silva, tesoureiro da campanha, reuniu-se com dirigentes das respectivas agremiações políticas e entregou R$ 7 milhões a cada um (9).
O ex-tesoureiro internacional da Odebrecht, Luiz E. R. Soares, confessou ao TSE que o crescimento do faturamento da empresa esteve diretamente ligado ao volume que o setor (de propina) movimentava”, sendo que os valores disponíveis para pagamento de propina ampliaram-se de forma significativa e consistente na medida em que aumentava o faturamento da empresa.
Outro ex-diretor, o Sr. Hilberto Mascarenhas, também em sua delação premiada, disse que mais de US$ 3,3 bilhões foram pagos como propina pelo Setor de Operações Estruturadas da Odebrechet, entre 2006 e 2014, para governos brasileiros e do exterior!
Portanto, e consequentemente, uma vez transformado o Estado brasileiro em balcão de negócios e fortalecida essa promíscua relação entre políticos e empresários, têm-se a própria Democracia em perigo. O poder econômico corrompe o poder político (e vice-versa) e os dois juntos, através de caro e eficiente marketing político (10), continuam iludindo e enganando a maioria da população brasileira, com os objetivos únicos de se perpetuarem no poder e manter privilégios (11). E fazem isso com dinheiro do próprio Estado – portanto da população. O desvio de dinheiro, o roubo, a ilegalidade, a indecência e a desonestidade viraram práticas comuns. O acordo prévio entre empreiteiras para ‘dividir as concorrências públicas’, o superfaturamento e o pagamento de propinas em quase todas as obras de governo, por exemplo, passaram a ser a regra e não mais a exceção.
As notícias são estarrecedoras, não pela novidade, posto que as suspeitas de que “esse tipo de coisa” sempre existiu. Mas porque, na medida em que escancara esse corroído modelo de política que se faz no Brasil, obriga os poderes constituídos, juntamente com a sociedade organizada, chamarem para si a responsabilidade e buscarem, sem radicalismos e com muito realismo, alguma saída para o ‘imbróglio’ político no qual o País se meteu.
Há tempos colocada nas mesas de discussões, mas nunca realizada, a reforma política é necessária para a manutenção e continuidade do Estado Democrático de Direito brasileiro. Considerando a participação efetiva dos partidos políticos (12), a reforma da política e do sistema partidário (13) precisam ser feitas, pois caso contrário não haverá um sistema político com a transparência e a imparcialidade desejadas.
Mas não é só isso. É preciso que nossos políticos estejam à altura deste momento e de sua complexidade. Infelizmente, como eu já havia comentado em outro artigo, aqui no Portal Guia do TRC do dia 23.11.17, se dependermos da maioria dos políticos brasileiros, será impossível sair desta crise (“A recuperação do Brasil é difícil por si só, mas se depender de grande parte dos políticos brasileiros, ela será impossível”).
O professor Marco Aurélio Nogueira, da UNESP, em artigo do Estadão do último dia 25 (“O valor estratégico dos democratas”) foi claro e objetivo a respeito disso: “o vazio de lideranças é a cereja do bolo. O sistema político, partidário e eleitoral está próximo da exaustão, precisa ser atualizado. Mas ele não explica o fundamental. Não são as instituições que atrapalham, mas os procedimentos, a cultura com que se faz política”. E emenda: “nossos políticos são toscos e o processo em curso é complexo e sofisticado demais para eles. Não há estadistas entre nós, nem sequer simulacros deles”.
Apesar de grave crise pela qual passa o Brasil atualmente, sem dúvida a maior de toda a sua história, é momento de se acreditar na Democracia e nos poderes constituídos. A Democracia não só permite que a população escolha, através do voto, seus próprios governantes, como também propicia condições para que o povo exija, de todos os políticos e de quaisquer governos, providências no sentido de melhorar suas condições de vida.
Embora concordemos com o que disse o economista e filósofo Eduardo Gianneti da Fonseca, em artigo já citado, de que “não há um momento súbito de regeneração em que padrões de comportamento ou de aderência a certas normas sejam mudados da noite para o dia” é imprescindível que a população brasileira continue, como já comentado em outras ocasiões (14), pressionando o governo (dos três poderes) e os políticos de uma forma geral, para que melhore os “procedimentos e a cultura com que se faz política” no Brasil. Isto, além de um direito, é uma obrigação de todos nós.
- “Pragmatismo e Eleições”, publicado no Jornal de Alphaville em agosto de 2006 e, mais recentemente, com o texto intitulado “Pragmatismo Eleitoral e Marketing Político: Crimes contra o País?”, publicado no Guia Portal do TRC de 17.08.16.
- “Esse pragmatismo, entretanto, resume-se a ter acesso e estar bem junto a todos os candidatos e a todos os partidos, uma vez que não se sabe qual deles será eleito”. Na verdade, são contribuições para que essas empresas, grupos de interesses ou associações estejam – sempre - ‘de bem’ com os políticos e governos de plantão, sejam quais forem, independentemente de suas ideologias, de seus programas partidários ou dos valores éticos e morais que defendem (se é que os possuem). Busca-se, na verdade, é ter condições para, no futuro, cobrar vantagens específicas aos seus interesses e projetos particulares.
- Artigo de Giuliano Guandalini, Revista Veja de 12/12/2015 (“A Fórmula da Riqueza”).
- Artigo de André Lara Resende – “Corrupção e Capital Cívico”, publicado no jornal O Valor em 31/07/15.
- Editorial do Estadão de 13.03.17 (“Revigorar os partidos - Partidos deveriam ser, de fato, agrupamentos de pessoas unidas em torno de princípios e ideais”), comenta frase do presidente Michel Temer em entrevista à revista britânica The Economist, de que “o Brasil não tem partidos, só siglas”. Segundo o Editorial, “o diagnóstico é grave e deve suscitar uma reflexão responsável, que ajude a descobrir as causas da anomalia e a propor soluções concretas. A qualidade de uma democracia depende em boa medida da vitalidade dos partidos políticos”. E mais: “não se trata de enfraquecer, como pretendem alguns, a democracia representativa, apostando numa idealizada “democracia direta”, como se o caminho para uma maior proximidade do Estado com a população fosse a instalação dos chamados mecanismos de “participação popular”. Conforme noticiou o Estado, ao fazer comentário específico sobre os Fundos Partidários, chegaram a R$ 3,57 bilhões os gastos obscuros desses partidos entre 2011 e 2016 e que são objeto de questionamento na Justiça Eleitoral, cuja demora para julgar os casos acaba sendo um convite à reiteração da desfaçatez. E os valores desse fundo não param de crescer – saltaram de R$ 430 milhões em 2011 para R$ 828 milhões em 2016 – e é utilizado com manifesto desrespeito ao contribuinte. Em 2011, por exemplo, os técnicos do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) recomendaram a rejeição das contas de 26 dos 29 partidos da época. O presidente do TSE, ministro Gilmar Mendes, disse que a prestação de contas feita pelos partidos é “um grande faz de conta”, em razão da malandragem das legendas e da falta de estrutura da Justiça Eleitoral para fiscalizar. No mundo ideal, como lembrou Mendes, a fiscalização deveria ser feita pelos próprios filiados, mas a maioria dos partidos hoje se resume a seu dono e seus apaniguados (grifos meus). “Os partidos são, sim, essenciais para o funcionamento da democracia representativa. Desde, é claro, que sejam sérios”, completou o Editorial.
- Como escreveu o historiador Marco Antônio Villa em artigo para O Globo, dia 10/01/17: “Os cidadãos não passam de reféns dos oligarcas que transformaram os estados em fontes de riqueza privada”.
- “Em sua 17ª edição anual, divulgada na Suíça, o “Edelman Trust Barometer”, elaborado com base em 33 mil entrevistas em 28 países, revelou a maior queda global já registrada no índice de confiança das instituições: na opinião dos cidadãos, governos, ONGS, mídia e empresas estão ladeira abaixo em termos de credibilidade”, escreveu Ricardo Boechat em coluna para a revista “Isto É” do último dia 17 (“Desconfiança Total”). “As notas pioraram frente às do ano passado, acentuando a tendência de queda em todo o mundo. No Brasil, os índices caíram em “apenas” três dos quatro setores citados: empresas (de 64% para 61%); ONGs (62% para 60%) e mídia (54% para 48%). E o governo? Bem, por mais que possa surpreender, a oscilação do governo foi positiva, mas é preciso boa dose de otimismo para o Planalto comemorar o resultado. Isso porque a alta de 3 pontos percentuais frente ao estudo anterior foi insuficiente para tirar o Executivo brasileiro da antepenúltima posição no ranking internacional de confiança entre seus pares, à frente, apenas, da África do Sul e da Polônia (grifos meus).
- Zygmund Bauman, “Estado de Crise”, publicado no Brasil pela Zahar em março de 2016.
- O corriqueiro argumento de que a governabilidade do Brasil exige a construção de uma base mínima de apoio no Congresso Nacional, explica porque o executivo, seja ele qual for, precisa obter apoios dos partidos políticos. Num exemplo clássico de que ‘os fins justificam os meios’ ou de ‘é dando que se recebe’, políticos e partidos colocaram seus preços na vitrine.
- Vale lembrar que os ‘marqueteiros políticos’, ao terem suas importâncias aumentadas nas campanhas políticas brasileiras, tornando-os, inclusive, até em assessores de governo (um bom exemplo foi o Sr. João Santana, responsável pela propaganda política da campanha de Dilma Roussef), foram contratados a “peso de ouro”, e junto ao novo “marketing político” instituído, encareceram demasiadamente as campanhas e transformaram as eleições em disputas econômicas, fazendo com que, quem as financia passe a ter prevalência sobre a própria população que delas participa ‘somente através do voto’.
- Não é isso que está fazendo a maioria de políticos brasileiros, inclusive integrantes do judiciário, ao defender, sem qualquer vergonha, a manutenção do foro privilegiado e a anistia aos crimes de caixa dois?
- Está claro, como externado pelo Editorial do Estadão do último dia 13, que “desprezá-los (os partidos políticos), como se fossem organizações por sua natureza contrárias ao interesse público, é um grave equívoco, com consequências daninhas para toda a sociedade”.
- “A vergonhosa realidade impõe a conclusão de que a verdadeira prioridade em termos de reforma política é uma ampla e profunda reestruturação do sistema partidário. É transformar os partidos políticos em genuínos operadores do sistema democrático, em vez de meros instrumentos de poder para uma casta de mandachuvas” (“Reformar os reformadores”, Editorial do Estadão do último dia 25).
- “Pressão e apoio da sociedade são as únicas formas de obrigar a classe política a fazer o que tem de ser feito” – Portal Guia do TRC de 15.03.17.