Regulamentação dos Produtos de Cannabis no Brasil – Produtos Importados e a RDC 660
Tendo como cenário um ambiente de muitas dúvidas, discussão, aprendizado, urgência e busca por legalidade, a ANVISA publicou em maio de 2015 a resolução da diretoria colegiada – RDC17 que definiu os critérios e os procedimentos para a importação, em caráter de excepcionalidade, de produto de Cannabis, por pessoa física, para uso próprio, mediante prescrição de profissional legalmente habilitado, para tratamento de saúde. Tal resolução apresentava uma lista de produtos de Cannabis, o anexo I. Os produtos listados poderiam ser importados por pacientes, sendo que esses produtos deveriam ser à base de canabidiol, industrializados e tecnicamente elaborados em associação com outros canabinoides, no entanto o teor de THC deveria ser menor que o teor de CBD. Foram listados apenas 5 produtos, que eram produzidos e distribuídos por estabelecimentos devidamente regularizados pelas autoridades competentes em seus países de origem para as atividades de produção, distribuição ou comercialização, todos apresentavam certificado de análise, com especificação e teor de CBD e THC, atendendo as exigências regulatórias das autoridades competentes dos Estados Unidos, país de origem dos 5 produtos.
Há essa época, para além da limitada variedade de produtos, uma outra característica da resolução chamava a atenção, que eram as várias etapas desde a prescrição até a importação e chegada dos produtos derivados de Cannabis. Após avaliação médica, o paciente deveria 1) preencher um formulário especial, e juntamente com esse documento apresentar 2) laudo médico contendo a descrição do caso, CID, justificativa para a utilização do produto em comparação com as alternativas terapêuticas já existentes registradas pela ANVISA, bem como os tratamentos anteriores, 3) receita médica contendo obrigatoriamente nome do paciente e do produto, posologia, quantitativo necessário, tempo de tratamento, data, assinatura e número do registro do profissional prescritor em seu conselho de classe e 4) declaração de responsabilidade e esclarecimento para a utilização excepcional do produto derivado de Cannabis. De posse dos documentos, realizar cadastro eletrônico ou enviar a documentação para a ANVISA através do e-mail ou envio para a sede da ANVISA em Brasília. O cadastro do paciente teria validade de um ano. Dessa forma, após análise técnica da ANVISA, era emitido um parecer, que quando favorável permitia que o paciente realizasse a importação do produto de Cannabis através do Sistema Integrado de Comércio Exterior – SISCOMEX IMPORTAÇÃO. Com sorte, a partir da consulta médica e emissão da prescrição, todo esse processo poderia demorar cerca de 3 meses, mas para muitos pacientes, essa realidade era mais demorada.
Em dezembro de 2016 a ANVISA publicou a RDC128 que trazia atualização da RDC17, e apresentava em seu anexo I agora uma lista de 11 produtos derivados de Cannabis, sendo tais produtos ricos em CBD, atendendo dessa forma o disposto no Art. 3º da RDC17 que “O produto a ser importado deve: possuir teor de THC inferior ao de Canabidiol”. Já em setembro de 2019 a ANVISA publica uma nova atualização da RDC17, onde ficou definido que o cadastro do paciente seria realizado apenas via preenchimento do cadastro eletrônico e suspendeu o Art. 18 que definia que a solicitação de autorização para importação de produtos que não constavam no anexo I, estaria sujeita a avaliação da ANVISA, e dessa forma a lista de produtos de Cannabis que poderiam ser importados deixa de existir. Essa nova atualização foi a RDC 306, que mais tarde foi substituída pela RDC335.
Dessa vez, em um cenário com maior aprofundamento acerca da eficácia terapêutica dos derivados da Cannabis, se tornou evidente e necessário a criação de mecanismos que permitissem a simplificação e democratização do acesso a essa farmacoterapia. Coube assim a ANVISA atualizar suas normas, mantendo seu compromisso técnico, de forma a não oferecer riscos à saúde dos pacientes brasileiros, mesmo que tais produtos de fato não possuam registro na ANVISA e que não tenham sua eficácia, qualidade ou segurança avaliadas pela Agência.
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Em janeiro de 2020 foi publicada a RDC335 que revogou todas as resoluções anteriores e unificou os critérios e os procedimentos para a importação de produtos derivados de Cannabis, sendo definido em seu inciso V do Art. 2º que “produto derivado de Cannabis: produto industrializado, destinado à finalidade medicinal, contendo derivados da planta Cannabis spp”. As etapas de acesso eram mantidas, o paciente deveria passar por consulta médica e o profissional realizar a prescrição de um produto derivados de Cannabis, em seguida o paciente ou seu representante legal deveriam realizar cadastro eletrônico e a solicitação seria analisada pela ANVISA. No entanto não eram mais necessários o laudo médico e a declaração de responsabilidade e esclarecimento. Ainda, o cadastro eletrônico foi simplificado (preenchimento do formulário eletrônico para a importação e uso de Produto derivado de Cannabis), mas de toda a forma, os produtos derivados de Cannabis a serem importados deveriam ser produzidos e distribuídos por estabelecimentos devidamente regularizados pelas autoridades competentes em seus países de origem para as atividades de produção, distribuição ou comercialização. Ainda, o cadastro do paciente passou a ter validade de 2 anos.
Já em março de 2022 a ANVISA publicou a última versão atualizada da resolução que autoriza a importação de produtos derivados de Cannabis, a RDC660. Como novidade ficou disposto que a aprovação do cadastro do paciente seria mediante análise técnica simplificada ou automática, ou seja, a aprovação seria automática após a finalização do preenchimento do formulário no portal de serviços do Governo Federal, para os produtos constantes em nota técnica emitida pela gerência de produtos controlados da ANVISA, reduzindo dessa forma o tempo de espera para que fossem inicializados os procedimentos de importação. No entanto, espera pela chegada do produto muitas vezes ainda é um ponto negativo para o paciente, tendo em vista que o produto pode demorar de 15 a 60 dias para chegar no endereço cadastrado. Além disso, na RDC660 foi colocado que a prescrição poderia ser em formato eletrônico, uma realidade comum em dias atuais principalmente com o advento da teleconsulta. A validade do cadastro continuou sendo de 2 anos, além do fato de ter sido mantida através do Art. 13 que as quantidades importadas dos produtos de Cannabis por cada paciente devem ser compatíveis com a prescrição, sendo objeto de monitoramento pela ANVISA.
Atualmente a via compassiva ou modelo de importação, é um dos principais instrumentos de acesso aos produtos derivados de Cannabis, sendo uma via útil principalmente quando levamos em conta a variedade de produtos disponíveis, tanto em relação a sua origem quanto em relação a formulação e vias de administração, sendo dessa forma possível encontrar produtos ricos em CBD, THC ou algum outro fitocanabinoide como por exemplo o CBG, e ainda produtos de Cannabis na forma de líquidos orais, cápsulas e pomadas por exemplo. Os produtos de Cannabis são prescritos em receita simples por profissional habilitado, incluindo médicos de todas as especialidades e dentistas.
Aqui cabe destacar que não é permita a importação do insumo vegetal in natura, ou partes da planta incluindo as flores, sendo tal proibição colocado no Art. 5 da RDC17: “não poderá ser importada a droga vegetal da planta Cannabis sp ou suas partes, mesmo após processo de estabilização e secagem, ou na sua forma rasurada, triturada ou pulverizada” mesmo que na RDC660 tal informação não esteja presente, tendo sido esse posicionamento confirmado pela ANVISA através da nota técnica – NT35 publicada em 2023.
Medical Science Liaison | Gerente Técnica e Clínica | Consultora Técnico Científica em Cannabis Medicinal | Analista de Assuntos Médicos | Instrutora de Treinamentos em Cannabis Medicinal | Assessora Cientifica
8 mExcelente!! 👏
| MOVEIS PLANEJADOS | BRASILÍA - DF |
8 mparabéns, se a cannabis fosse legal poderia ajudar muitas pessoas!!!
Medical Science Liaison na Sensia LABS | PhD em Cardiologia
8 mExcelente texto, Lu. Parabéns. Esclarecedor dentro de um tema árduo que é regulamentação dos Produtos de Cannabis Medicinale e acesso.