REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE OU DE RISCO

REGULARIZAÇÃO FUNDIÁRIA EM ÁREAS DE PRESERVAÇÃO PERMANENTE OU DE RISCO

A Regularização Fundiária enfrenta inúmeras contrariedades para sua efetivação, sendo uma das maiores a aprovação de projetos de núcleos inseridos em Áreas de Preservação Permanente ou de Risco.

No que concerne aos cursos d’água, o Código Florestal Brasileiro instituído pela Lei Federal n° 12.651/2012 determina o conceito e as medidas das Áreas de Preservação Permanente[1], que são variáveis, de acordo com a metragem dos cursos.

Para fins da utilização do instrumento da Legitimação Fundiária[2], criado pela Lei Federal n° 13.465/2017, popularmente conhecida como "Lei da Reurb", a aprovação[3] do Projeto de Regularização Fundiária de núcleo inserido em APP ou Área de Risco depende da elaboração de um laudo, ou laudos, conforme o caso.

Nesse sentido, a Lei da Reurb alterou os artigos 64[4] e 65[5] do Código Florestal Brasileiro para dividir a elaboração desses documentos em duas modalidades: Laudo Ambiental e de Risco para Reurb-S ou Laudo Ambiental e de Risco para Reurb-E. Ressalta-se que a Reurb-S é a modalidade onde se enquadram famílias de baixa renda, enquanto que a modalidade da Reurb-E comporta os ocupantes não definidos como baixa renda[6].

O legislador, propositadamente, dividiu os requisitos dos laudos em modalidades de cunho socioeconômico no intuito de não inviabilizar a regularização e comprometer a preservação ambiental.

A aprovação do laudo ambiental das unidades inseridas em Área de Preservação Permanente, classificadas como Reurb-S, depende, assim, do preenchimento dos seguintes requisitos:

Estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à situação anterior com a adoção das medidas nele preconizadas, contendo, no mínimo, os seguintes elementos:

Caracterização da situação ambiental da área a ser regularizada;

Especificação dos sistemas de saneamento básico;

Proposição de intervenções para a prevenção e o controle de riscos geotécnicos e de inundações;

Recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização;

Comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental, considerados o uso adequado dos recursos hídricos, a não ocupação das áreas de risco e a proteção das unidades de conservação, quando for o caso;

Comprovação da melhoria da habitabilidade dos moradores propiciada pela regularização proposta; e

Garantia de acesso público às praias e aos corpos d'água.

Quando as condições exigidas em lei não forem preenchidas, restará apenas uma alternativa: a realocação dos ocupantes às custas da Administração Pública[7].

No Laudo Ambiental para Reurb-S, no entanto, não há a necessidade de preservar uma área não edificável mínima, diferentemente da Reurb-E, onde a aprovação do laudo ambiental das unidades inseridas em Área de Preservação Permanente depende do preenchimento de requisitos mais rígidos, a seguir:

·        Estudo técnico que demonstre a melhoria das condições ambientais em relação à situação anterior e ser instruído com os seguintes elementos:

o  A caracterização físico-ambiental, social, cultural e econômica da área;

o  A identificação dos recursos ambientais, dos passivos e fragilidades ambientais e das restrições e potencialidades da área;

o  A especificação e a avaliação dos sistemas de infraestrutura urbana e de saneamento básico implantados, outros serviços e equipamentos públicos;

o  A identificação das unidades de conservação e das áreas de proteção de mananciais na área de influência direta da ocupação, sejam elas águas superficiais ou subterrâneas;

o  A especificação da ocupação consolidada existente na área;

o  A identificação das áreas consideradas de risco de inundações e de movimentos de massa rochosa, tais como deslizamento, queda e rolamento de blocos, corrida de lama e outras definidas como de risco geotécnico;

o  A indicação das faixas ou áreas em que devem ser resguardadas as características típicas da Área de Preservação Permanente com a devida proposta de recuperação de áreas degradadas e daquelas não passíveis de regularização;

o  A avaliação dos riscos ambientais;

o  A comprovação da melhoria das condições de sustentabilidade urbano-ambiental e de habitabilidade dos moradores a partir da regularização; e

o  A demonstração de garantia de acesso livre e gratuito pela população às praias e aos corpos d’água, quando couber.

Aqui, há a obrigatoriedade de preservar uma área não edificável de 15 (quinze) metros[8] ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, quando considerada área de risco, justamente porque se pressupõe ter o ocupante condições financeiras de providenciar eventual demolição de construção inserida nesta medida.

Isto não quer dizer que na Reurb-S não haverá necessidade de demolição de edificação dentro dos 15 (quinze) metros, entretanto, se o laudo indicar a necessidade de tal medida, será, a mesma, de responsabilidade da Administração Pública. Na Reurb-E, ao contrário, fica à cargo do ocupante a responsabilidade pela eventual necessidade de demolição e ocasional realocação[9].

É importante ressaltar que a aprovação do laudo ambiental, independentemente da modalidade, não descaracteriza a Área de Preservação Permanente, servindo para justificar a permanência das atuais edificações e vedando novas construções.

Os ocupantes das unidades atingidas pelas limitações administrativas devem ser cientificados de que essa restrição continua. Na verdade, o que foi aprovado, é a permanência da atual ocupação, considerada consolidada e irreversível. Nesse sentido, a fiscalização ambiental, independentemente da esfera de poder, deve ser efetiva e continua.

Quanto aos compromissos[10] sugeridos no laudo ambiental, quando se tratar da Reurb-S serão arcados pela Administração Pública[11], não sendo vedada a participação do ocupante de baixa renda, se assim desejar, enquanto que, na Reurb-E os compromissos sugeridos no laudo ambiental serão firmados pelos pretensos proprietários das unidades[12].

Quando a ocupação da APP for mista[13], ou seja, somente uma parte das unidades é ocupada por famílias de baixa renda, o laudo deve considerar a característica do núcleo como um todo, observando: se a maioria é de famílias de baixa renda, as características das construções e sua irreversibilidade.

Caso conclua pela preservação de uma área não edificável, a Administração Pública providenciará o serviço para quem for enquadrado na Reurb-S e os demais às suas próprias custas, isso quando a área não edificável não tomar boa parte da unidade, em uma medida que inviabilize qualquer edificação no espaço restante, caso em que deveria ocorrer a realocação.

Ressalta-se que, as unidades do núcleo não estão inseridas em Área de Preservação Permanente ou de Risco terão seus projetos deferidos sem a necessidade de aguardar a aprovação da parte atingida pela limitação[14].

CONCLUSÃO:

Conclui-se que não é apenas possível, mas aconselhável a aprovação da Regularização Fundiária em Unidades inseridas em Área de Preservação Permanente ou de Risco pertencentes a Núcleos Urbanos Informais Consolidados, desde que, a decisão da Administração Pública Municipal seja fundamentada em parecer técnico do órgão competente ou aprovado por esse, no caso da elaboração ter ocorrido por profissional/empresa contratado(s).

[1] Art. 4º da Lei Federal n° 12.651/2012. Considera-se Área de Preservação Permanente, em zonas rurais ou urbanas, para os efeitos desta Lei: I - as faixas marginais de qualquer curso d’água natural perene e intermitente, excluídos os efêmeros, desde a borda da calha do leito regular, em largura mínima de: a) 30 (trinta) metros, para os cursos d’água de menos de 10 (dez) metros de largura; b) 50 (cinquenta) metros, para os cursos d’água que tenham de 10 (dez) a 50 (cinquenta) metros de largura; c) 100 (cem) metros, para os cursos d’água que tenham de 50 (cinquenta) a 200 (duzentos) metros de largura; d) 200 (duzentos) metros, para os cursos d’água que tenham de 200 (duzentos) a 600 (seiscentos) metros de largura; e) 500 (quinhentos) metros, para os cursos d’água que tenham largura superior a 600 (seiscentos) metros; II - as áreas no entorno dos lagos e lagoas naturais, em faixa com largura mínima de: a) 100 (cem) metros, em zonas rurais, exceto para o corpo d’água com até 20 (vinte) hectares de superfície, cuja faixa marginal será de 50 (cinquenta) metros; b) 30 (trinta) metros, em zonas urbanas;

[2] Art. 11 da Lei Federal n° 13.465/2017. Para fins desta Lei, consideram-se: [...] VII - legitimação fundiária: mecanismo de reconhecimento da aquisição originária do direito real de propriedade sobre unidade imobiliária objeto da Reurb;

[3] Art. 12 da Lei Federal n° 13.465/2017. A aprovação municipal da Reurb de que trata o art. 10 corresponde à aprovação urbanística do projeto de regularização fundiária, bem como à aprovação ambiental, se o Município tiver órgão ambiental capacitado.

[4] Art. 64 da Lei Federal n° 12.651/2012. Na Reurb-S dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente, a regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana.

[5] Art. 65 da Lei Federal n° 12.651/2012. Na Reurb-E dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana.

[6] Art. 13 da Lei Federal n° 13.465/2017. A Reurb compreende duas modalidades: I - Reurb de Interesse Social (Reurb-S) - regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados predominantemente por população de baixa renda, assim declarados em ato do Poder Executivo municipal; e II - Reurb de Interesse Específico (Reurb-E) - regularização fundiária aplicável aos núcleos urbanos informais ocupados por população não qualificada na hipótese de que trata o inciso I deste artigo.

[7] Art. 39 da Lei Federal n° 13.465/2017 [...] § 2° Na Reurb-S que envolva áreas de riscos que não comportem eliminação, correção ou administração, os Municípios deverão proceder à realocação dos ocupantes do núcleo urbano informal a ser regularizado.

[8] Art. 65 da Lei Federal n° 12.651/2012. Na Reurb-E dos núcleos urbanos informais que ocupam Áreas de Preservação Permanente não identificadas como áreas de risco, a regularização fundiária será admitida por meio da aprovação do projeto de regularização fundiária, na forma da lei específica de regularização fundiária urbana. [...] § 2º Para fins da regularização ambiental prevista no caput, ao longo dos rios ou de qualquer curso d’água, será mantida faixa não edificável com largura mínima de 15 (quinze) metros de cada lado.

[9] Art. 36. [...] § 6º Na Reurb-E de área de risco que não comporte eliminação, correção ou administração, a realocação dos ocupantes do núcleo urbano informal a ser regularizado será providenciada pelo titular de domínio, pelos responsáveis pela implantação do núcleo urbano informal, pelos beneficiários ou pelo legitimado promotor da Reurb.

[10] Art. 35 da Lei Federal n° 13.465/2017. O projeto de regularização fundiária conterá, no mínimo: [...] IX - cronograma físico de serviços e implantação de obras de infraestrutura essencial, compensações urbanísticas, ambientais e outras, quando houver, definidas por ocasião da aprovação do projeto de regularização fundiária; e X - termo de compromisso a ser assinado pelos responsáveis, públicos ou privados, pelo cumprimento do cronograma físico definido no inciso IX deste artigo.

[11] Art. 33 da Lei Federal n° 13.465/2017. Instaurada a Reurb, compete ao Município aprovar o projeto de regularização fundiária, do qual deverão constar as responsabilidades das partes envolvidas. Parágrafo único. A elaboração e o custeio do projeto de regularização fundiária e da implantação da infraestrutura essencial obedecerão aos seguintes procedimentos: I - na Reurb-S: a) operada sobre área de titularidade de ente público, caberão ao referido ente público ou ao Município promotor ou ao Distrito Federal a responsabilidade de elaborar o projeto de regularização fundiária nos termos do ajuste que venha a ser celebrado e a implantação da infraestrutura essencial, quando necessária; e b) operada sobre área titularizada por particular, caberão ao Município ou ao Distrito Federal a responsabilidade de elaborar e custear o projeto de regularização fundiária e a implantação da infraestrutura essencial, quando necessária;

[12] Art. 33 da Lei Federal n° 13.465/2017. Instaurada a Reurb, compete ao Município aprovar o projeto de regularização fundiária, do qual deverão constar as responsabilidades das partes envolvidas. Parágrafo único. A elaboração e o custeio do projeto de regularização fundiária e da implantação da infraestrutura essencial obedecerão aos seguintes procedimentos: [...] II - na Reurb-E, a regularização fundiária será contratada e custeada por seus potenciais beneficiários ou requerentes privados; III - na Reurb-E sobre áreas públicas, se houver interesse público, o Município poderá proceder à elaboração e ao custeio do projeto de regularização fundiária e da implantação da infraestrutura essencial, com posterior cobrança aos seus beneficiários.

[13] Art. 5º do Decreto Federal n° 9.310/2018. A Reurb compreende duas modalidades: [...] § 4º No mesmo núcleo urbano informal, poderá haver as duas modalidades de Reurb, desde que a parte seja ocupada predominantemente por população de baixa renda regularizada por meio de Reurb-S e o restante do núcleo por meio de Reurb-E.

[14] Art. 12 da Lei Federal n° 13.465/2017 [...] § 3° Os estudos técnicos referidos no art. 11 aplicam-se somente às parcelas dos núcleos urbanos informais situados nas áreas de preservação permanente, nas unidades de conservação de uso sustentável ou nas áreas de proteção de mananciais e poderão ser feitos em fases ou etapas, sendo que a parte do núcleo urbano informal não afetada por esses estudos poderá ter seu projeto aprovado e levado a registro separadamente.



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