RESILIENCIA

Quando tinha apenas sete anos pedi um cachorro para minha mãe, me sentia abandonada e sozinha o tempo todo mesmo rodeada de muitas pessoas.

Uma vez enquanto estava na frente do mercado depois da aula esperando meu pai vir nos encontrar, vi um senhor com um cachorro enorme de orelhas caídas focinho comprido e os olhos mais pretos que eu já tinha visto na vida.

O senhor segurava a coleira e quando ele dava um passo o cão se desesperava e andava por entre as pernas dele esfregando a cabeça em suas coxas, ele só se acalmava quando o senhor fazia carinho por todo o seu corpo e parava com a mão em cima de sua cabeça.

Me lembro que quando meu pai  se aproximou com o carro e desceu para nós encontrar, o cão se  assustou começou a latir insistentemente.

Seu dono se abaixou e o abraçou e fez carinho nele, seus gestos era uma forma de o acalmar daquele susto.

Sempre tive pensamentos além da minha idade, então coloquei uma ideia fixa na cabeça de que minha solidão, ia passar se eu tivesse um amigo de quatro patas, e foi assim que eu voltei para casa com minha primeira cadela aos nove anos, a cada esquina que eu andava via um cachorro perdido eu o acolhia e a família só crescia.

Fui crescendo e eu fui descobrindo o que era perder meus parceiros e primeiros amigos, eles eram meus confidentes, eles viam todas as lágrimas, todas as alegrias, compartilhava com eles tudo, aonde colocava os pés eles iam junto.

Era para eles que eu corria quando os copos se chocavam contra a parede, a cada grito era neles que encontrava conforto, abrigo, alento.

Aos doze anos de idade descobri que estava doente, não podia mais ter contato com meus amigos de quatro patas, me senti rachar, e foi assim que eu fui me quebrando.

a cada dia que passava mais aquelas feridas que estavam se curando com o amor daqueles que eu acolhi com tanta inocência, se abria, e num dia como qualquer outro, alguém esqueceu o portão aberto, se fechar os olhos posso sentir a angustia de ter visto aquele corpo todo quebrado na estrada, eu sangrei, mas não fiz nenhum barulho, engoli cada dor, a angustia se tornaram parte de mim, o medo me dominou.

Enquanto me curava da doença que me afastava dos meus companheiros de quatro patas, mas distante eu ficava deles, o tempo passava rápido demais para eles, e tão devagar para mim.

A cada noticia que chegava sobre a perda, mais forte tentava mostrar que eu era, mas por dentro eu fui me perdendo, matando tudo de dentro pra fora, ate ficar vagando sem rumo, sem direção, sem proposito.

Resiliência e a capacidade de se recobrar facilmente ou se adaptar à má sorte ou às mudanças, aprendi que não sei ser resiliente, não sei me reconstruir e nem me renovar quando algo não sai como planejado, não sei me formatar, não se limpar o cache e continuar seguindo, quando o meu sistema falha. 

Os pedaços não se colam de novo, não aprendi a reformar o que foi danificado em mim, não sei ser resiliente, só aprendi a ser triste, carrego tanta mágoa em mim, que transbordo pelos olhos. 

Li um poema uma vez amores e outras dores e ele ficou gravado em mim a ferro e fogo... 

 - Eu não sei o que é viver uma vida equilibrada 

Quando fico triste  

Eu não choro eu derramo 

Quando fico feliz 

Eu não sorrio eu brilho 

Quando fico com raiva 

Eu não grito eu ardo 

A vantagem de sentir ao extremo é que  

Quando eu amo eu dou asas 

Mas isso talvez não seja  

Uma coisa tão boa porque  

Eles sempre vão embora  

E você precisa ver  

Quando quebram meu coração  

Eu não sofro 

Eu estilhaço 

Ele resume exatamente tudo que sou, que sempre fui, preciso aprender como me reestruturar, como me refazer, apesar de ter tentado bastante, alguns dias a dor volta com toda força e não consigo me refazer, a angústia me toma e me sinto afogar, engulo toda essa dor com um copo d'água e deixo a escuridão me tomar, implorando para que a luz não apareça mais, que o silencio reine.

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