Responsabilidade Civil e Inteligência Artificial

Responsabilidade Civil e Inteligência Artificial

Com o avanço da tecnologia e das pesquisas em Inteligência Artificial (IA), tornou-se possível o desenvolvimento de máquinas cada vez mais inteligentes, que são capazes de realizar suas tarefas de forma autônoma, ou seja, operam e tomam decisões sem a intervenção humana. Diante do enorme potencial que essa tecnologia tem de modernizar vários âmbitos do mercado de trabalho, é preciso considerar a necessidade de regulamentação específica por parte do Direito para sistemas de IA, a fim de auxiliar na resolução de futuros conflitos advindos de danos causados por sistemas de inteligência artificial autônomos.

Importante destacar, antes de avançarmos sobre as nuances da necessidade de regulamentação jurídica específica para a área de inteligência artificial no Brasil, que quando se fala de responsabilidade civil, ainda que não especificamente voltada para a área da inteligência artificial, nosso ordenamento jurídico possui regramentos gerais acerca do tema, vejamos a seguir.

A legislação brasileira possui regulamentação sobre o instituto da responsabilidade civil no âmbito do Código Civil, em seu artigo 186 que determina que “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito”.

Quanto à obrigação de reparar o dano causado, esta encontra previsão no artigo 927, também do Código Civil: “Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo”.

Nesse sentido, são analisados três elementos para caracterização do dever de indenizar: a culpa, o dano e o nexo de causalidade, conhecida no meio jurídico como responsabilidade subjetiva.

No que tange a responsabilização quando se trata de relação com consumidor, a obrigação de reparar os danos causados em virtude de vício ou defeito do produto ou serviço, é conhecida como responsabilidade civil objetiva, e está descrita nos artigos 12 e 14 do Código de Defesa do Consumidor. Essa responsabilidade é imposta ao fornecedor, independentemente de culpa, com o objetivo de proteger os direitos dos consumidores.

No mesmo sentido o artigo 931 do Código Civil corrobora com a determinação do CDC, ao destacar que: “Ressalvados outros casos previstos em lei especial, os empresários individuais e as empresas respondem independentemente de culpa pelos danos causados pelos produtos postos em circulação”.

Significativo dizer ainda, que atualmente está em tramitação no Brasil um projeto de lei conhecido popularmente como “marco legal da inteligência artificial”, que visa estabelecer fundamentos, princípios e diretrizes para o desenvolvimento e a aplicação da inteligência artificial no país.

Ainda que aspectos relacionados à responsabilidade civil não tenham sido pormenorizadamente abordados no referido projeto de lei, insta dizer que os casos de responsabilidade civil que envolvem aplicação da inteligência artificial serão julgados a partir da legislação existente sobre o tema. E cabe repisar, sim, a legislação brasileira conforme destacado anteriormente, embora não seja específica para a área de inteligência artificial, possui um conjunto de normas jurídicas que irá embasar os casos concretos ocorridos.

É visto que, analisando por esta perspectiva, vale dizer que a proteção dos consumidores, usuários da tecnologia e terceiros afetados em virtude de um possível dano causado por uma máquina de inteligência artificial, por exemplo, está resguardado pela legislação atual. No entanto, não podemos deixar de pontuar que a legislação tal qual está em vigência hoje, acaba servindo muitas vezes de barreira ao desenvolvimento de soluções de inteligência artificial, obstando inclusive o incentivo à inovação e investimentos no setor, pois se reveste de um sistema exclusivamente pró-consumidor, visando o ressarcimento e reparação integral dos danos.

Para trazer segurança jurídica para todos os envolvidos na relação, é primordial que haja equilíbrio entre a segurança adequada e o ressarcimento dos danos causados a consumidores e terceiros sem dúvida nenhuma, mas também, sem deixar de lado um ambiente propício ao estímulo do desenvolvimento da inovação, para as empresas de tecnologia. Assim, é necessário analisar a reparação do dano com os olhos de proporcionalidade, atinente ao elemento do risco envolvido nas situações concretas, com base em gradações de riscos; análise do tipo de aplicação da tecnologia empregada e ainda levando em consideração, o grau de autonomia da tecnologia empregada.

Vimos que, as máquinas de inteligência artificial podem cada vez mais desempenharem funções complexas, com graus diferentes de autonomia em relação à intervenção humana, podendo inclusive possuir a habilidade de, em determinados casos, agir com base em suas próprias regras de decisão, adquirir novos conhecimentos a partir de experiências vivenciadas e interações realizadas com o ambiente externo, podendo, por exemplo, executar uma ação que extrapola a programação inicial prevista pelos desenvolvedores, e que tenha potencial danoso.

Neste sentido, fica a reflexão de que a teoria da responsabilização civil através da mera análise dos elementos: dano, nexo causal e culpa pode se tornar insuficiente para solucionar questões complexas que poderão advir da evolução da inteligência artificial, daí a importância do Direito auxiliar na construção desse caminho de regulamentação jurídica da inteligência artificial.

Entre para ver ou adicionar um comentário

Outros artigos de Karine Odorizzi Vieira

Outras pessoas também visualizaram

Conferir tópicos