A responsabilidade dos cotistas e prestadores de serviço no Novo Marco Regulatório dos Fundos de Investimento
No último dia 23 de dezembro de 2022, a Comissão de Valores Mobiliários (“CVM”) publicou o novo Marco Regulatório dos Fundos de Investimento, por meio da Resolução CVM 175 (“RCVM 175”), que entrará em vigor no dia 03 de abril de 2023.
A nova resolução reflete as inovações trazidas pela Lei n⁰ 13.874/2019 (“Lei de Liberdade Econômica”) e consolida o arcabouço regulatório com a elaboração de regras mais uniformes, flexíveis e modernas, que prometem aproximar ainda mais a indústria nacional de fundos aos padrões internacionais, promovendo maior diversificação das bases e dos perfis de investidores, sejam eles nacionais ou estrangeiros.
Dentre as principais mudanças, merece destaque a possibilidade de limitação de responsabilidade dos cotistas, antes prevista apenas em situações legais específicas. A nova regra prevê que cada fundo poderá estabelecer se a responsabilidade dos cotistas será limitada – hipótese em que responderão até o valor das suas cotas – ou ilimitada, como anteriormente já acontecia – caso em que poderão ser chamados a aportar mais recursos. A alteração busca trazer maior segurança jurídica aos cotistas e ampliar o hall de produtos mais sofisticados, que poderão contar com estratégias mais arriscadas, nas quais os investidores mais conservadores poderiam não optar por investir, caso houvesse a possibilidade de perder mais do que os valores inicialmente aportados.
Os fundos que venham a optar pela limitação de responsabilidade dos cotistas ao valor subscrito de suas respectivas cotas deverão conter em seu regulamento disposição expressa neste sentido. A alteração ao regulamento dos fundos já existentes poderá ser implementada por seu gestor ou administrador independentemente da convocação de assembleia geral de cotistas. Nesta hipótese, o sufixo “Responsabilidade Limitada deverá incluído à denominação do fundo ou a classes específicas. Por outro lado, os fundos que optarem por manter a responsabilidade ilimitada deverão exigir de seus cotistas a assinatura de termo de ciência de risco, por meio do qual atestarão que, na hipótese de default, poderão ser convocados a realizar novos aportes para cobrir os prejuízos vinculados ao patrimônio do fundo.
Apesar das novas limitações, as regras projetadas para a proteção do patrimônio do investidor perderão a aplicabilidade quando houver comprovação inequívoca de que o fundo de investimento foi constituído de forma abusiva, seja com intuito de fraudar credores ou de servir a fins não adequados à natureza e aos objetivos dos fundos de investimento. Nesta hipótese, o cotista poderá sofrer consequências nas esferas cíveis, criminais, tributárias e inclusive trabalhistas, a depender do caso.
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A RCVM 175 atende ainda a outra substancial demanda do mercado, relacionada ao equilíbrio das atividades dos prestadores de serviço de gestão e administração, caracterizados pela nova norma como “prestadores de serviços essenciais”. A nova redação trata da responsabilidade conjunta entre administrador e gestor, observadas as atribuições de cada um no que tange às políticas internas e controles efetivos para a gestão de liquidez dos fundos. A adoção da responsabilidade conjunta, ao invés da solidária antes prevista, decorre da interdependência das atividades desempenhadas por estes prestadores para a proteção dos cotistas.
Apesar da alteração, a flexibilidade negocial entre administrador e gestor foi mantida, permitindo a estes prestadores a delimitação da responsabilidade de cada qual no âmbito das suas atividades, bem como dos parâmetros para a aferição de tais responsabilidades perante o fundo, os quais deverão constar expressamente no seu regulamento.
Muito embora o novo regramento defina que os prestadores de serviços essenciais serão responsabilizados conjuntamente, a responsabilidade solidária será mantida entre os prestadores de serviços essenciais e os terceiros por eles contratados por eventuais prejuízos gerados aos cotistas em virtude de condutas contrárias ao regulamento, à lei ou às normas aplicáveis aos fundos. Com essas determinações, a CVM pretende incentivar a adoção de uma postura mais diligente por parte dos prestadores de serviço essenciais no desempenho de suas funções fiscalizadoras das atividades dos prestadores de serviços contratados, bem como garantir maior probabilidade de indenização de prejuízos causados aos investidores do mercado de capitais. Tais medidas trazem segurança jurídica e benefícios aos próprios prestadores de serviços essenciais, delimitando de forma clara as hipóteses em que poderão ser chamados a responder solidariamente junto a outros prestadores de serviços.
A reforma da regulação de fundos é resultado de um trabalho de dois anos da CVM, que demonstrou estar em linha com os anseios do mercado e configura um marco de extrema importância para uma indústria superlativa, que impacta diretamente a economia brasileira e segue em ascensão, tendo movimentado no último ano um patrimônio que supera os 7 trilhões de reais.
Diante do advento da RCVM 175, os players do mercado devem estar atentos aos períodos de transição e conversibilidade das novas regras. Para os fundos que estiverem em funcionamento na data de início da vigência da Resolução, a adaptação deverá ocorrer até 31 de dezembro de 2024, com exceção dos Fundos de Investimento em Direitos Creditórios (“FIDC”) e FIDC Não Padronizados (“FIDC-NP”), que devem ser adaptados até 31 de dezembro do corrente ano.