Responsabilidade e Populismo fiscal em tempos de coronavírus
A pandemia causada pelo novo coronavírus já deixou de ser somente um problema de saúde pública para se tornar também um grave problema econômico, principalmente para as economias emergentes, como é o caso do Brasil.
Nesse contexto, já não é incomum ver políticos, entidades, pessoas e partidos defendendo iniciativas de irresponsabilidade e - com toda certeza - populismo fiscal. As medidas que se destacam e que volta e meia retornam ao debate público são, principalmente a) a revogação ou a flexibilização do regime fiscal (Novo Regime Fiscal) adotado pelo Brasil a partir de 2016, o famoso “Teto de Gastos”; e b) a tributação sobre grandes fortunas.
Alguns poucos, falam também em maior tributação dos “lucros recordes” dos grandes bancos. O pensamento por trás dessa ideia é de que, num momento de crise (econômica e de sanitária) tão aguda, o Governo Federal deverá aumentar os gastos públicos para o combate à pandemia e minimizar os seus efeitos, sendo também necessário um aumento de receitas.
Nesse pensamento, o Teto de Gastos supostamente impediria o governo de fazer isso, levando o país a um caos social. Além disso, para os defensores dessa ideia, seria justo que os mais ricos (ou super-ricos) assumissem o custo de medidas de acolhimento à população mais carente.
O problema dessas medidas é que elas não são apenas ineficientes e desnecessárias, mas extremamente perigosas. Certamente a Covid-19 é uma doença séria e o Poder Público precisa estar atento e tomar as medidas sanitárias, fiscais e monetárias adequadas para o combate à pandemia e aos seus impactos econômicos. Isso significa sim, um aumento da despesa e do déficit público.
Entretanto, abrir mão da responsabilidade fiscal, como na hipótese de revogação do Teto de Gastos é decretar a miséria de milhões de brasileiros. Lembremos, não há direito que não tenha que ser arcado com algum recurso e esse recurso advém da tributação da atividade econômica. Assustar investidores e empreendedores com insustentabilidade fiscal é erodir a base tributária e destinar menos recursos à atividade estatal.
Afundar o país, mais uma vez, em um descontrole dos gastos públicos é, necessariamente, afundar o país em mais uma crise e os mais afetados por uma crise, com toda certeza, serão sempre os mais vulneráveis.
A revogação é também desnecessária. O Governo Federal tem o ferramental normativo suficiente para combater a pandemia. Tanto a Lei de Responsabilidade Fiscal, como também o texto do Novo Regime Fiscal, preveem a possibilidade de situações de calamidade pública, onde o aumento extraordinário de gastos será necessário e autorizado.
Além disso, a medida é impraticável. O Teto Gastos foi estabelecido por um conjunto de normas constitucionais e para ser revogado ou até mesmo flexibilizado, será necessária a aprovação de uma nova Emenda Constitucional, que é um rito complexo e demorado. O coronavírus necessita de medidas imediatas e ágeis.
Quanto à tributação de grandes fortunas, seria possível um outro texto somente sobre esse tema, indicando o porquê dessa tributação ser ineficiente e injusta. Mesmo assim, por enquanto, posso afirmar que se trata de puro populismo.
Tributar grandes fortunas é também um debate complexo e o tributo não pode ser instituído sem se pensar nas consequências jurídicas e econômicas que ele pode trazer. Além disso, do mesmo modo que a outra proposta, a instituição do tributo para o combate à pandemia é impraticável por uma questão simples: o princípio da anterioridade tributária.
O que está por trás dessa ideia, na verdade, não é uma vontade sincera de contribuir para o enfrentamento da crise, mas um oportunismo ideológico e político no sentido de criminalizar a atividade empresarial e a riqueza.
Os ideólogos populistas que lançam tais propostas parecem não notar que medidas como essa, que destroem a base tributável e trava a geração de riqueza, é uma armadilha para o próprio Estado Fiscal e, consequentemente, para as políticas públicas para a população mais carente.
Afinal, de que modo o Governo deve agir?
Não há dúvidas de que o Governo Federal deve fazer algo. Fazer algo, no entanto, não é o mesmo que agir de forma irresponsável. Como discutido, o Governo tem a prerrogativa de lançar várias políticas fiscais e monetárias para o enfrentamento à crise sem abrir mão da responsabilidade fiscal ou cair em populismo fiscal do pior tipo.
Nesse momento de crise, as medidas precisam ser temporárias e pontuais. Nada de criar receitas ou despesas permanentes. A sustentabilidade fiscal a longo prazo ainda deve ser perseguida e os direitos individuais e princípios básicos da tributação, resguardados.
Acima de tudo, todas as ações devem ser bem pensadas e planejadas. O apoio à geração de riqueza e à sustentabilidade das finanças públicas, com toda certeza, passa por esse planejamento.
Não podemos deixar que a pandemia nos leve ao populismo e à irresponsabilidade fiscal.