Retrospecto Tributário – 04/11 a 11/11
Plataformas deverão informar operações de comércio eletrônico antecipadamente
Data: 06/11/2024
O governo federal criou uma nova obrigação acessória para as plataformas de comércio eletrônico que fazem remessas internacionais. Agora, as empresas deverão prestar informações à Receita Federal do Brasil, através do registro da declaração de importação, sobre essas mercadorias antes da chegada delas ao Brasil.
As alterações constam na Medida Provisória 1.271/2024, publicada no Diário Oficial da União da última sexta-feira (25/10). Serão atingidas as empresas de comércio eletrônico que adotam o regime de tributação simplificada.
A MP prevê a obrigação de repasse aos cofres públicos, direta ou indiretamente, dos tributos devidos pelo consumidor nessas operações. De acordo com o texto, os valores serão repassados “para o responsável pelo registro da declaração de importação de remessa no sistema informatizado da Secretaria Especial da Receita Federal do Brasil destinado ao controle das remessas internacionais”.
Atualmente, as plataformas que já aderiram ao programa de conformidade da Receita Federal fazem a retenção, e o valor é repassado ao transportador. O Programa Remessa Conforme foi estabelecido na Portaria Coana 130/2023.
Outro aspecto da MP é a criação de um ônus para as plataformas, que agora vão precisar adaptar seus sistemas para fazer essas antecipações.
O texto dispõe que a regulamentação poderá ser feita por ato da Secretaria da Receita Federal, que pode, inclusive, estabelecer um prazo de adaptação para as empresas não admitidas em programas de conformidade na data de publicação da MP.
Medicamentos
O texto também reduz a zero a alíquota do Imposto de Importação incidente sobre medicamentos importados por pessoa física, para uso próprio ou individual, no regime de tributação simplificada. O limite estabelecido abarca medicamentos que não ultrapassem o valor de US$ 10 mil ou o equivalente a esse valor em outra moeda estrangeira, “desde que cumpridos todos os requisitos estabelecidos pelos órgãos de controle administrativo”. A redução de alíquota é válida até 31 de março de 2025.
O tema foi incorporado no texto porque a MP 1.236/2024 estava prestes a perder validade. No caso, a MP 1.236 estabeleceu que a partir de 1º de agosto haveria a tributação em 20% das compras internacionais de até US$ 50.
Supremo julgará imunidade de ITBI com repercussão geral Data: 07/11/2024
O Supremo Tribunal Federal (STF) vai julgar se a imunidade do Imposto sobre Transmissão de Bens Imóveis (ITBI) na integralização de capital social vale para empresas cujo negócio principal são as atividades imobiliárias - compra e venda ou locação de imóveis. Por unanimidade, no Plenário Virtual, os ministros definiram que a decisão terá repercussão geral e, portanto, deverá ser seguida pelas instâncias inferiores do Judiciário (RE 1495108).
Na Justiça, os entendimentos a respeito do tema são majoritariamente desfavoráveis para os contribuintes, conforme já demonstrava um levantamento do BVZ Advogados. Segundo o estudo, entre os anos de 2020 e 2022, os tribunais de Justiça do país proferiram 251 decisões sobre o assunto e, em 94% delas, o resultado foi pró-Fisco.
A questão discutida nos tribunais é a interpretação do artigo 156, parágrafo 2º, inciso I, da Constituição Federal. Ele diz que não incide ITBI sobre a transmissão de bens ou direitos incorporados ao patrimônio de pessoa jurídica em realização de capital, nem sobre a transmissão de bens ou direitos decorrente de fusão, incorporação, cisão ou extinção de pessoa jurídica.
O cerne do problema está no fim da redação do artigo, que ressalva que o imposto incide se, “nesses casos, a atividade preponderante do adquirente for a compra e venda desses bens ou direitos, locação de bens imóveis ou arrendamento mercantil”.
Quando, em 2020, o STF julgou outra questão relacionada ao ITBI, o ministro Alexandre de Moraes fez constar em seu voto que a expressão "nesses casos" se referia unicamente à transmissão de bens decorrentes de fusão, incorporação, cisão ou extinção da empresa. Assim, as operações de integralização de capital estariam isentas do ITBI mesmo quando a empresa exercer atividade preponderantemente imobiliária (RE 796376).
Como a reflexão não constou na tese, já que não tinha relação com o caso julgado - que decidia se a isenção de ITBI deveria se estender ao valor dos bens que ultrapassasse o limite do capital a ser integralizado-, o Judiciário, de maneira geral, não passou a seguir esse entendimento.
Segundo Sandro Machado dos Reis, sócio do Bichara Advogados, “há centenas de processos tratando desse assunto, porque os municípios insistem em cobrar o ITBI especialmente usando a condicionante referente à atividade preponderante”.
Conforme o BVZ Advogados, entre agosto e outubro deste ano, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJSP) julgou 30 processos sobre a controvérsia: em 27 deles continuou a decidir a favor do Fisco; em três, a atividade preponderante não era a imobiliária.
No TJMG, a maioria das decisões também é desfavorável ao contribuinte. No entanto, a 5ª Câmara Cível, em recente acórdão, usa o entendimento do voto de Alexandre de Moraes a favor da empresa. “A atividade da empresa somente é relevante para a imunidade tributária referente à incorporação, fusão, cisão e extinção de pessoas jurídicas”, diz o acórdão (processo nº 1.0000.24.317452-1/001).
No TJRS, ainda de acordo com o BVZ, só a 21ª Câmara atende isoladamente os pedidos dos contribuintes, aplicando o entendimento de Alexandre de Moraes. “As demais Câmaras têm entendimento contrário, analisando a atividade empresarial e afastando a possibilidade de aplicação do tema em 25 decisões no último ano”, explica Frederico Bastos, sócio do escritório BVZ Advogados.
Uma decisão colegiada no TJDFT, em abril de 2023, deu razão aos contribuintes e foi bastante elogiada na época, por ter sido a primeira proferida por uma cúpula máxima de tribunal de justiça em arguição de inconstitucionalidade. O caso foi objeto de recurso e está agora no Superior Tribunal de Justiça (STJ), sob relatoria do ministro Teodoro Silva Santos, da 2ª Turma. Não há previsão de julgamento (REsp 2145589).
Ricardo Bolan, sócio da prática tributária do Lefosse, afirma que o grande volume de processos e a divergência de entendimentos entre diversos tribunais geram “grande expectativa no mercado imobiliário quanto à definição da questão a ser dada pelo STF”.
Para Frederico Bastos, o reconhecimento de repercussão geral é importante. “A decisão do precedente anterior não era exatamente sobre esse assunto. Foi um jeito que o Supremo encontrou de tentar evitar mais contencioso”, diz.
Há quem defenda, por outro lado, que o aumento dos processos a favor dos contribuintes foi fabricado a partir de uma conclusão errada extraída do julgamento do Supremo. Ricardo Almeida, procurador do município do Rio de Janeiro, que atuou no primeiro julgamento, de 2020, diz que não é possível concluir, da fundamentação de Alexandre de Moraes, que as empresas imobiliárias estariam isentas do ITBI.
“A desoneração foi introduzida para estimular a capitalização com imóveis, para usar patrimônio imobiliário no âmbito familiar e aplicá-lo em atividades produtivas. A exceção da atividade preponderante diferencia quem está usando imóvel como patrimônio e quem está usando na atividade produtiva. É um contrassenso estender a não incidência a empresas imobiliárias e holdings patrimoniais”, afirma.
De acordo com o relatório MultiCidades, produzido pela Aequus Consultoria a pedido da Frente Nacional de Prefeitos, o ITBI responde por 1,9% da arrecadação dos municípios brasileiros, segundo dados de 2022, compilados no relatório de 2024. A arrecadação com o imposto caiu 12,3% em relação ao ano anterior, especialmente porque as altas taxas de juros vêm desaquecendo o mercado imobiliário, conforme o relatório.
Apesar da pouca participação, o peso da arrecadação do tributo vai aumentar com a reforma tributária, segundo o relatório, já que só o ITBI e o IPTU ficarão sob a administração plena dos municípios após a incorporação do ISS a outro imposto de gestão compartilhada com Estados e a União. “Tornar a arrecadação desses dois impostos mais eficiente será o que lhes restará de autonomia política nas questões fiscais após a adoção do IBS”, analisa a consultoria.
De qualquer modo, segundo Bastos, o reconhecimento da repercussão geral exige dos contribuintes a reavaliação de sua situação. “Quem já pagou ITBI recentemente pode avaliar uma medida judicial para garantir o direito de pedir o imposto pago de volta, dependendo do entendimento do Supremo. Quem está em meio a um processo de integralização também pode entrar com pedido na Justiça para não ser obrigado a recolher até a decisão”, afirma. As partes do processo no recurso do Supremo foram procuradas pelo Valor, mas não deram retorno até o fechamento da edição.
STJ: Repetitivo vai definir condições para empresa do setor de eventos usufruir de benefícios do Perse Data: 07/11/2024
A 1ª Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) vai definir, por meio de recursos repetitivos, condições para empresa do setor de eventos usufruir de benefícios do Perse. A relatora é a ministra Maria Thereza de Assis Moura.
A controvérsia, cadastrada como Tema 1.283 na base de dados do STJ, envolve duas questões: 1) se é necessário ou não que o contribuinte esteja previamente inscrito no Cadastro de Prestadores de Serviços Turísticos (Cadastur), conforme previsto na Lei 11.771/2008, para que possa usufruir dos benefícios do Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse), instituído pela Lei 14.148/2021; e 2) se o contribuinte optante pelo Simples Nacional pode ou não se beneficiar da alíquota zero relativa ao PIS, à Cofins, à CSLL e ao Imposto de Renda (IRPJ), prevista no Perse, considerando a vedação legal do artigo 24, parágrafo 1º, da Lei Complementar 123/2006.
O colegiado determinou a suspensão da tramitação de todos os recursos especiais e agravos em recurso especial que discutam a mesma matéria, na segunda instância ou no STJ, observada a orientação do artigo 256-L do Regimento Interno do STJ.
Segundo a ministra, a Lei 14.148/2021 criou o Perse no contexto da pandemia da covid-19 e, entre outras medidas, reduziu a zero, em favor das pessoas jurídicas pertencentes ao setor de eventos, a alíquota de alguns tributos federais – como o PIS, a Cofins, a CSLL e o IRPJ.
O julgamento do tema repetitivo, explicou, vai resolver duas questões em torno do direito a gozar dessas vantagens. A primeira diz respeito à necessidade de pessoas jurídicas do setor de eventos estarem regularmente inscritas no Cadastur, do Ministério do Turismo, para fruição do benefício fiscal, no momento da publicação da lei que instituiu o programa.
A segunda é referente à exclusão de pessoas jurídicas optantes pelo Simples Nacional, uma vez que o artigo 24, parágrafo 1º, da Lei Complementar 123/2006 dispõe que "não serão consideradas" em favor das optantes desse regime quaisquer alterações em alíquotas que modifiquem o valor de imposto ou contribuição apurado na forma do Simples Nacional.
De acordo com a ministra, em todos esses casos, a interpretação da Receita Federal foi desfavorável aos contribuintes (REsp 2126428).
Decisão definitivas sobre ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins podem ser anuladas se forem contrárias a entendimento do STF
Data: 05/11/2024
O Supremo Tribunal Federal (STF) reafirmou sua jurisprudência de que é cabível ação rescisória para anular decisões definitivas que estejam em desacordo com o entendimento da Corte no Tema 69 da repercussão geral. A matéria foi objeto do Recurso Extraordinário (RE) 1489562, que teve repercussão geral reconhecida (Tema 1.338) e mérito julgado pelo Plenário Virtual.
Ao fixar a tese no Tema 69, o Tribunal reconheceu o direito à exclusão do ICMS da base de cálculo do PIS e da Cofins, mas, em 2021, em embargos de declaração, restringiu o alcance de sua decisão aos fatos geradores ocorridos a partir do julgamento do mérito da controvérsia (15/3/2017).
O RE teve origem em mandado de segurança apresentado em 24/10/2017, na Justiça Federal, por uma empresa varejista de calçados de Fortaleza (CE), buscando a aplicação da tese. A Justiça reconheceu o direito da empresa, e a decisão se tornou definitiva em 27/2/2019.
Em julho de 2022, a União ajuizou a ação rescisória (ação autônoma que visa anular uma decisão definitiva) sustentando que o limite temporal fixado pelo Supremo para o início dos efeitos da tese no Tema 69 integra o próprio precedente. Portanto, a exclusão deferida pela Justiça Federal violou esse entendimento. O Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5) acolheu o pedido da União.
A empresa então apresentou o recurso extraordinário ao STF alegando que não seria cabível a ação rescisória no caso, porque a modulação temporal dos efeitos da decisão ocorreu somente após o trânsito em julgado do mandado de segurança.
Cabimento de ação rescisória
Em sua manifestação, o relator do recurso, ministro Luís Roberto Barroso, presidente do STF, explicou que, de acordo com a jurisprudência da Corte, o entendimento firmado na modulação deve ser aplicado ainda que haja decisões definitivas. Lembrou ainda que as duas Turmas do STF já admitiram o cabimento de ação rescisória contra decisões que não observaram a modulação de efeitos da tese referente ao tema.
Para o ministro, a potencialidade de recursos sobre essa controvérsia demonstra a relevância jurídica e social da questão e a necessidade da reafirmação da jurisprudência dominante da Corte, com a submissão da matéria à sistemática da repercussão geral.
No caso concreto, o ministro se posicionou contra o recurso da empresa, uma vez que a decisão do TRF-5 está de acordo com o entendimento do STF. Ficaram vencidos, em relação à reafirmação da jurisprudência, os ministros Edson Fachin e Luiz Fux.
Tese
A tese de repercussão geral fixada foi a seguinte:
“Cabe ação rescisória para adequação de julgado à modulação temporal dos efeitos da tese de repercussão geral fixada no julgamento do RE 574.706 (Tema 69/RG)”.
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Vista interrompe análise do STJ sobre regulamentação da adesão ao Pert
Data: 05/11/2024
Um pedido de vista do ministro Afrânio Vilela interrompeu nesta terça-feira (5/11) o julgamento da 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça que contesta a regulamentação do Programa Especial de Regularização Tributária (Pert).
A causa tem impacto estimado de R$ 18 bilhões, de acordo com o relator, ministro Francisco Falcão. A posição a ser firmada pelo colegiado deverá orientar a forma como os Tribunais Regionais Federais abordarão o tema.
A disputa envolve a adesão ao Pert, programa criado pela Lei 13.496/2017 para oferecer condições facilitadas para quitação de débitos federais vencidos até 30 de abril de 2017.
Com a adesão ao programa, caberiam ao contribuinte o cálculo e o recolhimento dos débitos incluídos até a consolidação por parte do Fisco. Em caso de inadimplemento, a consequência seria o indeferimento do pedido de adesão.
A regulamentação da lei foi feita por meio de instrução normativa da Receita Federal (IN RFB 1.855/2018). Ficou decidido que apenas os débitos cujas declarações foram enviadas até 7 de dezembro de 2018 eram passíveis de inclusão no programa.
A data foi escolhida, segundo a Secretaria da Receita Federal, para permitir que os sistemas estivessem aptos a receber as informações fiscais corretas na data de início da consolidação, 10 de dezembro de 2018.
No caso concreto, a empresa contribuinte transmitiu duas declarações de débitos e créditos após o prazo previsto. A empresa culpa a ineficiência do sistema operado pela Receita Federal e aponta que a instrução normativa extrapolou a previsão da lei.
Súmula 7
Essa é a situação que se repete para contribuintes em todo o país, por causa do prazo. O recurso julgado na 2ª Turma ataca acórdão do Tribunal Regional Federal da 3ª Região que desconsiderou os pedidos da empresa.
Para o TRF-3, a regulamentação feita pela Receita Federal por meio da instrução normativa não extrapolou a lei que criou o Pert, mas conferiu-lhe a devida operabilidade, inclusive em coerência com o limite para a definição dos débitos a serem incluídos no programa.
O ministro Francisco Falcão votou por negar provimento ao recurso especial, por causa de óbices processuais.
“As teses de insuficiência no sistema da Receita Federal ou ainda da impossibilidade de cumprimento de prazos e determinações postos na instrução normativa não são passíveis de serem revistas no âmbito do STJ. Incidência da Súmula 7”, avaliou o magistrado.
REsp 2.084.830
Fazenda Nacional vence no STJ discussão sobre aproveitamento de ágio interno
Data: 06/11/2024
A 2ª Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidiu de forma favorável à Fazenda Nacional em um julgamento de ágio interno. A decisão, unânime, é a primeira de mérito do colegiado. O caso foi considerado pelo relator, o ministro Francisco Falcão, o mais importante de direito público em 2024.
Para a União, a tese é relevante: chega a R$ 100 bilhões, considerando todas as ações sobre ágio em tramitação tanto na esfera administrativa, como no Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (Carf), quanto na esfera judicial. No STJ, existem, pelo menos, outros 11 processos sobre o tema.
O entendimento dos ministros proferido ontem destoa de um acórdão recente da 1ª Turma sobre o assunto, que foi favorável à Cremer. A decisão foi mantida pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF).
Com a divergência, a defesa da parte no caso julgado pela 2ª Turma, a empresa de transporte urbano Viação Joana D’arc, do Espírito Santo, pretende apresentar recurso (embargos de divergência) para tentar levar a questão à 1ª Seção – que uniformiza o entendimento dos colegiados de direito público, além de embargos de declaração. O impacto do julgamento para o contribuinte é de R$ 10 milhões.
O objeto da ação é uma reestruturação societária iniciada em 2004. Segundo o advogado da empresa, era necessário tomar empréstimo para participar de licitação e, por isso, fez uma reavaliação do seu patrimônio com a integralização em outra empresa do grupo, a Sodam, “para ganhar musculatura no balanço”.
A Viação foi transformada em sociedade anônima e suas ações foram incorporadas pela Sodam a valor de mercado – e, posteriormente, esta foi absorvida pela Viação Joana D’arc. A diferença entre o valor de mercado e o patrimonial gerou o ágio de R$ 16 milhões, que tem sido amortizado no Imposto de Renda e CSLL em parcelas mensais. Até então, R$ 2,7 milhões foram usados.
Toda a operação, para a Fazenda Nacional, ocorreu intragrupo, utilizando-se dos benefícios fiscais previstos nos artigos 7º da Lei n° 9.532/97 e 36 da Lei n° 10.637/02, sem que se tenha havido o efetivo pagamento de ágio. Para a União, o ágio foi gerado artificialmente, com uso de empresa veículo e por meio de uma operação de incorporação reversa.
Existia uma expectativa dos contribuintes de que o desfecho fosse o mesmo de um processo da Gerdau, julgado de forma monocrática pelo ministro Herman Benjamin. Naquele caso, não foi conhecido um recurso da União, ou seja, o ministro não entrou no mérito da discussão. Para o advogado da Viação, os dois casos são muito semelhantes. “Ter uma decisão dessa natureza sobre algo que era permitido pela lei é desastroso”, afirma ele, sobre a decisão de ontem.
Para o advogado, o STJ desconsiderou que, na operação, houve a exclusão de um sócio do grupo, que a Viação Joana d’Arc foi transformada em sociedade anônima e que havia a licitação, portanto, existiu um fato econômico. E que a vedação expressa da operação entre partes relacionadas só veio com a Lei 12.973/2014. Antes disso, acrescenta, a legislação permitia. “Quando o legislador quis fazer essa distinção, ele fez.”
Já o procurador da Fazenda Nacional Ricson Moreira Coelho da Silva, disse, na sessão, que a Viação Joana d’Arc “se fantasiou” de Sodan para obter o benefício fiscal. E que em um curto espaço de tempo a empresa “sem exercer qualquer atividade comercial” declarou R$ 16 milhões no balanço contábil, passando a deduzi-los dos tributos.
Segundo Coelho da Silva, a dedução do ágio da base dos impostos foi criada “de maneira excepcional em um contexto de privatizações”. “A ideia era estimular que as empresas fossem adquiridas com ágio para que investimentos fossem feitos no país, para que o patrimônio brasileiro fosse aumentado”, lembrou. E acrescentou que, no caso, não houve dispêndio financeiro. “Não houve atividade econômica.”
Na decisão, o ministro Falcão reverteu o acórdão favorável à empresa dado pelo Tribunal Regional Federal da 2ª Região (TRF-2). Na visão dele, a criação de estruturas artificiais sem propósito negocial é um abuso de direito e desrespeita a lei em vigor na época. “Entendo inadmissível a premissa de que a liberdade de auto-organização comporta construção de estruturas artificiais para a economia de tributos”, disse (REsp nº 2.152.642).
De acordo com o relator, é possível a adoção de medidas de planejamento tributário, se dentro da lei. “O contribuinte pode organizar seus negócios de maneira a escolher o caminho menos oneroso tributariamente, desde que as estruturas jurídica utilizadas se compatibilizem com o ordenamento jurídico”, afirmou. “No caso, deve ser mantida a glosa dos créditos amortizados”, completou.
Em nota, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN) diz considerar o julgamento como “uma vitória importante”. E acrescenta que “espera que o posicionamento da 2ª Turma seja replicado pela 1ª Seção do tribunal e que as razões do voto do ministro relator [Francisco Falcão] tenham impacto significativo no STJ, como um todo, assim como em outros colegiados, permitindo que a Fazenda Nacional se saia vitoriosa em casos semelhantes”.
STF valida uso de créditos de precatórios para pagamento de dívidas de ICMS
Data: 07/11/2024
O Supremo Tribunal Federal (STF) considerou constitucional lei que prevê o uso de créditos de precatórios para o pagamento de dívidas do ICMS. A norma, analisada no Plenário Virtual, é do Amazonas, mas pelo menos outros sete Estados e o Distrito Federal têm ou já tiveram previsões legais semelhantes.
A decisão foi unânime, seguindo o posicionamento do relator, o ministro Nunes Marques. Ele votou para validar a compensação, contanto que o Estado obedeça à previsão constitucional de repasse de 25% do valor do ICMS para os municípios (ADI 4080).
O entendimento foi adotado em ação direta de inconstitucionalidade (ADI) ajuizada, em 2008, pelo Partido da Social Democracia Brasileira (PSBD). A legenda questionou a Lei nº 3.062, de 6 de julho de 2006, do Estado do Amazonas, que instituiu a possibilidade de compensação de dívidas de ICMS com créditos de precatórios, se eles tivessem sido expedidos em ações ajuizadas até 31 de dezembro de 1999.
O partido argumentou que a norma é incompatível com a Constituição por instituir uma compensação automática, que é vedada pelo Supremo. Também afirmava que a prática burlaria a ordem cronológica de pagamento dos precatórios, já que os credores com dívidas do ICMS passariam “na frente” dos demais.
A norma, segundo o PSDB, ainda desrespeitaria a regra de repartição tributária segundo a qual 25% do ICMS arrecadado deve ser repassado aos municípios.
Nunes Marques rechaçou os argumentos. Segundo ele, não há incompatibilidade com a Constituição, uma vez que a norma respeita o princípio da isonomia e não faz distinção entre os contribuintes para concessão de benefícios. Para o ministro, o principal mérito da lei é "beneficiar todos os credores de precatórios", uma vez que, ao compensar dívidas, poderá acelerar os pagamentos seguintes.
Em relação à obrigação de repasse de 25% do tributo arrecadado para os municípios, o ministro destacou que a lei do Amazonas não dispôs sobre o tema, e que essa omissão “pode mesmo ter dado azo à interpretação de que o diploma local isentara o Estado do dever de repassar, aos municípios, o percentual de 25% dos valores de ICMS compensados com precatórios”.
Conforme decidido pelo Supremo neste ano, por unanimidade, os Estados são obrigados a repassar para o Fundo de Participação dos Municípios (FPM) 25% dos valores de créditos extintos de ICMS, por compensação ou transação tributária (ADI 3837).
Assim, o ministro deu parcial provimento à ação do PSDB, para “conferir interpretação conforme à Constituição à Lei nº 3.062, de 6 de julho de 2006, do Estado do Amazonas, de modo a consignar que a compensação de créditos tributários de ICMS deve observar o dever constitucional de repartição dos 25% pertencentes aos municípios (CF, art. 158, IV, “a ”)”.
A decisão a respeito da lei amazonense pode direcionar a política tributária de outros Estados que já têm previsões parecidas ou venham a instituí-las, apontam tributaristas. E, acrescentam, não prejudica os credores que estão na fila para recebimento dos precatórios, uma vez que desafoga a lista e acelera o pagamento de quem tem direito a receber.
Essa compensação está prevista pela legislação dos Estados de São Paulo, Minas Gerais, Santa Catarina, Bahia, Paraná, Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro e Mato Grosso do Sul, além do Distrito Federal. Em São Paulo, por exemplo, a Lei nº 17.843/2023, que trata de transação tributária, permite o uso de precatórios em compensações com dívidas fiscais o u de outra natureza.
No Paraná, leis específicas permitem o uso de precatórios para quitar apenas parte dos débitos inscritos em dívida ativa - de 50% a 95% do valor parcelado. O último programa, instituído em 2021, foi prorrogado para autorizar um novo período de adesão em 2024.
Segundo Fernando Facury Scaff, sócio do escritório Silveira, Athias, Soriano de Mello, Bentes, Lobato & Scaff - Advogados, o que os Estados não podem fazer é obrigar os contribuintes a compensar seus débitos com precatórios. “Isso seria ruim, pois quem lança os débitos de ICMS é o próprio Estado. Assim, ele afasta eventual judicialização dos lançam entos de ICMS e obriga o acerto de contas por meio dos precatórios”, afirma.
Por outro lado, acrescenta, há contribuintes que querem usar créditos de precatórios para o pagamento de dívidas de ICMS. “Mas se trata de uma opção, uma escolha, sem compulsoriedade”, diz ele, lembrando que essa exigência, inclusive, já tinha sido definida pelo Supremo no julgamento da Emenda Constitucional nº 62/2009 (ADI 4357 e 4425).
Guilherme Peloso Araujo, sócio do Carvalho Borges Araujo CBA Advogados, destaca que a iniciativa dos Estados de resolver o problema dos precatórios é louvável, uma vez que os recorrentes atrasos nos pagamentos, que são validados por emendas constitucionais e protegidos pela jurisprudência, transformam o governo em uma espécie de “inadimplente protegido”.
“O posicionamento adotado pelo STF é correto no sentido de, mesmo protegendo os municípios (que não se apontou terem sido lesados em concreto), garantir que a lei estadual possa dispor sobre o regime de pagamento de precatórios, o que privilegia a autonomia federativa”, afirma o tributarista.
O efeito também é positivo para o contribuinte, conforme avalia o tributarista Thiago Barbosa Wanderley, sócio do Salles Nogueira Advogados, uma vez que proporciona “a possibilidade de manter seu fluxo de caixa”. “Não faria sentido pagar seus débitos de ICMS em dinheiro, enquanto o próprio Estado possui uma dívida com a empresa.”
Em nota, o o procurador-geral do Estado do AM, Giordano Bruno Costa da Cruz, afirma que o entendimento do STF acaba por permitir o uso de créditos de precatório como um dos meios de pagamento de dívida tributária. "É mais uma via de resolução consensual de conflitos entre o Fisco e os contribuintes com o objetivo de diminuir a judicializacao de cobrança de dívida ativa e aumentar arrecadação de todos os entes federativos. Ganham todos nós, entes federativos e contribuintes”, diz.
Confira na Integra! Retrospecto Tributário - 04/11 a 11/11